As reais razões para derrubada de Dilma
É com enorme consternação que acompanhei o princípio da derrota da democracia em meu país. Ver Eduardo Cunha presidindo uma sessão para admissibilidade do processo de impeachment da presidenta da república Dilma Rousseff é, no mínimo, irônico. Me causa estranheza o fato de muitos dizerem que este ato é contra a corrupção se levarmos em conta que, na linha sucessória de Dilma, temos Temer e Eduardo Cunha e, os apoiando, temos pessoas como Aécio Neves, Paulo Maluf, José Serra e outros de mesma linhagem, a lista é longa demais para que eu cite todos.
Como é possível que Eduardo Cunha esteja sentado, até hoje, na cadeira de presidente da Câmara dos Deputados? Ele adia todos os processos contra ele mesmo e o judiciário nada faz, tudo que é contrário ao governo é prontamente analisado. Há algo de muito errado nisso. Mas por que querem tanto derrubar Dilma, por que os que querem sua saída têm tanta sede de aplicar este golpe contra a democracia?
Dilma falava em sua campanha eleitoral em pontos que incomodam por demais os muito endinheirados e àqueles que detêm os meios de produção, além de outros pontos. Já explico:
– Taxação das grandes fortunas. Obviamente os endinheirados seriam contra pagar impostos, eles são os que mais sonegam através de paraísos fiscais.
– Não à precarização dos direitos trabalhistas assegurados na CLT. Os empresários queriam a flexibilização das leis trabalhistas. Benjamin Steinbruch da FIESP, em entrevista ao UOL, chegou a dizer o seguinte: se nos EUA vemos operários comendo sanduíche com a mão esquerda e operando máquinas com a direita, para que assegurar 1h de almoço em lei? Essa é a mesma FIESP que coloca o pato amarelo na rua perguntando: quem vai pagar o pato? O pato somos nós trabalhadores e eles manipularam tudo direitinho para que lutemos pelos direitos deles não pelos nossos. Nos querem trabalhando mais, ganhando menos, essa é a verdade.
– Deu não ao reajuste de 70% para o judiciário. Claro que o judiciário ficaria insatisfeito, mas como aprovar uma medida destas precisando de fazer ajuste fiscal para equilíbrio das contas do país?
– Não ajudou Cunha barrando o processo de impeachment ao qual ele seria submetido e que, até hoje, está parado
– Deu não ao financiamento privado de campanhas políticas
– Defende os interesses e soberania do Brasil ao manter o regime de partilha do pré-sal, recurso natural extremamente estratégico e que trás muito dinheiro ao país. Óbvio que os EUA não estão satisfeitos com isso, querem dar um jeito de se apossar dele através da revisão do modelo de partilha ou até, quem sabe, através da privatização da Petrobrás. Não devemos esquecer que vários parlamentares que foram a favor do impeachment são patrocinados por grandes empresas e vão ter que honrar com os compromissos assumidos com seus patrocinadores
– CPMF seria um imposto que oneraria mais os ricos, pela renda que têm, do que os mais pobres, pois seria aplicado em toda transação financeira feita e não ao consumir produtos como é o ICMS. Ou seja, quanto mais dinheiro se movimentasse, mais impostos pagaria, lembrando que seria 0,2% a 0,38%, portanto nada tão absurdo para quem movimenta poucas quantias. Desta forma, este imposto exigiria uma tecnologia de rastreio de operações financeiras de forma a saber seu volume para que se aplicasse o imposto devido. Isso significa que daria para estimar a renda do cidadão pela quantidade de dinheiro movimentada e verificar se sua declaração de IR estava de acordo, o que melhoraria a fiscalização contra a sonegação.
– Contra a privatização da Petrobrás. Óbvio, temos um patrimônio tecnológico inestimável em nossas mãos já que a Petrobrás é a única empresa do mundo capaz de explorar petróleo em águas ultra profundas. E é claro que as concorrentes vão querer encontrar uma maneira de adquirir este conhecimento nem que seja comprando parte da Petrobrás quando ela for vendida
– Regulação econômica dos meios de comunicação de maneira a evitar monopólios e oligopólios. Este ponto é crucial para entender a razão pela qual os meios de comunicação são tão a favor da derrubada do governo, pois teriam que escolher entre transmitir conteúdo ou produzir conteúdo, não podem fazer ambos segundo o projeto de lei que seria proposto
Outro ponto importante e pouco comentado: os BRICS, bloco composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Por que razão querer que um bloco destes não logre sucesso? As razões são muito óbvias, se somarmos a área territorial destes países, temos quase toda extensão terrestre habitável e temos grande parte da população terrestre em apenas 5 países do mundo. E o que isso significa? Significa que temos, também a maior parte dos recursos naturais e, também, a maior parte de todo o mercado consumidor mundial. Não bastassem estes detalhes importantes, os BRICS inauguraram o Novo Banco de Desenvolvimento, um concorrente direto ao Banco Mundial e inauguraram um fundo monetário, concorrente direto do FMI. Óbvio que quem está acostumado a mandar não vai querer ter uma concorrência tão forte e vai fazer de tudo para incomodar de alguma forma. Reparem bem o que está acontecendo na conjuntura mundial.
Os EUA incomodam a Rússia de várias formas, recentemente usaram a Crimeia e a Ucrânia. Já a China os EUA usam Taiwan como uma forma de desestabilizar a região. E a questão Brasil? O Brasil, como não tem conflitos com nenhum país, não há formas de usar de uma região ou país para gerar desestabilização, mas se pode usar o próprio povo contra ele mesmo. Desestabilizar politicamente um país é uma boa forma de conseguir implementar seus próprios interesses, devemos lembrar que o Brasil possui inúmeras multinacionais e um empresariado que patrocina políticos, então os usam de forma a conseguir seus objetivos. José Serra, por exemplo, é ávido defensor de rever o modelo de partilha do pré-sal, porém o WikiLeaks já mostrou que ele tem fortes ligações com a Chevron, uma grande petroleira dos EUA.
Portanto, não estamos aqui falando hoje, dia em que a votação a favor do prosseguimento do processo de impeachment obteve sucesso, em combate à corrupção de fato ou em crimes de responsabilidade cometidos pela presidenta Dilma Vana Rousseff. Estamos falando de uma presidenta honrada que é contra os interesses de grandes capitalistas e faz de tudo para que nosso país continue sendo dos brasileiros e para os brasileiros e que foi boicotada em seu governo por estas razões. Dilma não conseguiu emplacar uma linha sequer do seu plano e, por esta razão, muitos da esquerda se dizem traídos. O nosso congresso, ao invés de votar os projetos de lei que fariam o plano de governo da Dilma ser uma verdade, votaram pautas bombas que simplesmente aumentaram, e muito, os gastos públicos em plena recessão. Nosso congresso, com uma enorme ajuda da propaganda midiática, conseguiu impingir à Dilma toda culpa pelo que ocorreu no país. É como muitos fazem na infância, fazem algo e culpam o outro e esse outro é que acaba punido e, hoje, estamos prestes a derrubar quem menos teve culpa nisso tudo.
O brasileiro, ao desconhecer os meandros da política e julgar como assunto chato e não discutível, abre brecha para que um absurdo destes ocorra. Poucos são os que sabem o real papel do presidente, dos senadores, dos deputados federais, dos deputados estaduais, governadores, prefeitos e vereadores. Por esta razão, acabamos cobrando dos governantes, muitas vezes, algo que nem é papel deles resolver. O executivo, do qual fazem parte, o presidente, o governador e o prefeito entra com o plano de governo que nada mais é que sua proposta para governar o país, o estado e o município respectivamente. Os senadores, deputados e vereadores, por sua vez, devem legislar de forma que o plano de governo do executivo seja uma verdade. Ou seja, caso se vote no partido A para o executivo e no partido B, que é de oposição ao A para o legislativo, grandes serão as chances de que o executivo não consiga emplacar seu plano de governo e levar a culpa pelo fracasso. Acho super estanho quando oposicionistas sobem à tribuna para encherem a boca e falar uma clássica frase: “porque este governo” como se eles não fizessem parte do governo. Fazem sim, pois votam, fazem projetos de lei e são também responsáveis pelo que acontece no país. Nosso sistema político é complexo, não porque as regras são complexas, mas porque as relações humanas o são, quando se perde as eleições, o derrotado é eleito para ser oposição. Mas não se pode levar essa palavra à cabo e se opor a tudo de forma irresponsável só por ter perdido as eleições e ter sido escolhido como oposição. A oposição deve agir de forma responsável e propor novos caminhos quando não concordar com algo, mas jamais tentar tomar o poder por estar a tanto tempo sem governar e arrumar desculpas espúrias para tal ato. Por detrás desta luta pela derrubada de uma governante, estão interesses individuais muito fortes escondidos por detrás e que estão sendo desconsiderados pela população em êxtase.
Não se enganem acreditando que a derrubada de Dilma será a solução para todos os problemas do país, pelo contrário, o povo brasileiro vai dar ainda mais força à estes que não olham pelo povo e votam a favor do impeachment, em seus discursos, fazendo homenagens e agradecimentos a seus próprios familiares sem dizerem uma linha sequer sobre o povo brasileiro e o dia seguinte ao golpe. Nenhum destes políticos têm, de fato, um plano de governo conhecido pelo povo, estaremos assinando um cheque em branco e dando o direito de eles fazerem o que bem entenderem. Quero ver se o povo, assim como foi às ruas para derrubar Dilma, irá às ruas para derrubar Temer e Cunha que têm uma ficha corrida para lá de extensa, já que dizem que a luta é contra a corrupção. Estaremos dando ainda mais força a todos os corruptos que votaram pelo sim e não estaremos combatendo a corrupção de fato, estaremos reforçando ainda mais o que há de mais sujo na política brasileira. E o povo é mera massa de manobra que luta não pelos próprios direitos, mas sim, cegamente, pelos direitos destes que estão dando o maior golpe já visto depois de 1964.
PS: Parabéns aos que chegaram ao fim do texto e estão lendo esta mensagem, pois os que apoiam o impeachment, via de regra, são incapazes de ler mais que o título e o lide de uma matéria. Faz parte da cultura twitter, não leem mais que 200 caracteres e formam suas opiniões de forma rasteira e superficial.