JUSTIÇAMENTO

O apoio cego da população às prisões preventivas feitas sob bases nada sólidas [como dizer é ato necessário uma vez que o acusado pode deixar o país, sendo que já tem o passaporte retido] para coagir pessoas e então obter depoimentos em delações premiadas mostra como o brasileiro é suscetível ao "justiçamento". Seria menos grave se isso não fosse feito pelos membros do próprio judiciário. Em que pese todas as possibilidades e o caminho que as evidências vão desenhando, é sempre necessário defender coisas fundamentais como a não presunção de culpa, o direito de defesa, o direito de responder a um processo formal. Os fins não devem justificar o atropelo dos processos.

Não sei se é suficiente dizer que esse senso de "fabricar suas pequenas, unilaterais e situacionais 'justiças'" que o brasileiro tem pode ser necessariamente explicado por uma falta de confiança nas instituições da justiça formal. Talvez isso seja visceral, uma certa não familiaridade, não afinidade ou até discordância com princípios que devem reger a democracia, o direito, como algo universal. Não é pouco frequente a interpretação de questões judiciais como algo simples, com pré-julgamentos, com desrespeito à privacidade e os direitos do acusado e com linchamentos físicos e morais.

Do fundo de minha alma foi muito gratificante ver um executivo de uma grande empreiteira ser preso. Isso é simbólico. Mas cabe perguntar o quão justo isso é, independente de minha opinião pessoal e de acusações que ainda estão em processo. Quando isso ocorre no topo da sociedade é uma questão debatida, com meandros evidenciados, mas a verdade é que isso ocorre todos os dias para pessoas que têm menos "relevância" social. Toda vez que um acusado aparece na televisão [nos programas policiais que passam ao meio-dia nas televisões brasileiras] é assediado, acusado, ridicularizado, me parece que a democracia pra nós brasileiros é um sapato apertado que custa a caber em nosso pé.