Golpe? Impeachment? Golpeachment!

Lembram de umas figurinhas da promoção O Chiclete Divertoso, da Ploc, em meados dos anos 1990? Misturava animais e produzia bichos híbridos como urubelha, camelótamo, gatovalo, elefanhoto, morcegato, macaconça, cabrinhoca, jaconça.

Pois bem, o processo em curso no Brasil, que terá um capítulo importante no domingo, é, ao mesmo tempo, golpe e impeachment. É impeachment, pois teve seu rito avalizado e determinado pelo STF e tem amparo na Constituição; é golpe, pois com o embasamento jurídico controverso e questionável do pedido protocolado (as tais “pedaladas fiscais”), é um ato de vontade política com verniz de constitucionalidade. Eis, então, o “golpeachment”, o nosso híbrido político baseado no jeitinho brasileiro.

Foi aceito pelo deputado Eduardo Cunha, que é, de goleada, réu por corrupção: 10x0 foi o placar da votação de seu processo no STF. Na votação do relatório na comissão especial do impeachment, na Câmara dos Deputados, 35 dos 38 parlamentares que a aprovaram são indiciados na Justiça. Imaginem, mais cinco deputados e poderíamos falar que o golpeachment é obra de Eduardo Cunha e os 40 indiciados!

Cunha consegue a proeza de frear o processo contra si no Conselho de Ética da Câmara e acelerar o contra a presidente Dilma Rousseff. Pudera, as pesquisas indicam que 60% da população apóia o golpeachment; dia 13 de março, quatro milhões de pessoas foram às ruas avaliza-lo. Logo, o mesmo foi transformado em espetáculo, não se sabe se teatral ou circense (no mau sentido dessas palavras), com transmissão em rede nacional de TV no domingo. Até jogo do Corinthians foi cancelado para a Globo poder transmitir ao vivo a provável imolação pública da presidenta que, por acaso, não é ré por corrupção. O único senão: o pessoal contra o golpeachment vai estar nas ruas também, resistindo ao mesmo.

Mas talvez o golpeachment pareça mais uma peça de teatro, eis que tem até passagem de texto: o vice-presidente Michel Temer ensaiou o “discurso de posse” pelo celular, mandando para amigos, para a Folha de São Paulo e ganhou premier no Jornal Nacional. É uma evolução de nosso vice, que passou das cartas para o celular, mesmo não sabendo mexer bem no aparelho. Ou sabendo mexer bem até demais, visto que ele consegue ser vice-presidente e articulador do golpeachment!

E o mais tragicômico disso tudo é que o PMDB está metido até o pescoço com o PT e o PP nos escândalos. Temer, inclusive, assinou algumas “pedaladas” na ausência de Dilma. Mas possivelmente assumirá o governo, com possibilidade de apoio da atual oposição. De repente, não duvidem, José Serra vai ser ministro de alguma coisa.

A presidenta, essa semana, chamou indiretamente Temer de “chefe conspirador”. Ele não respondeu, por achar que o futuro presidente não deve responder a futura ex-presidente. Por certo preferiu ir ao alfaiate tirar as medidas do terno para a posse. Mas ela não se dará automaticamente na segunda-feira, pois o processo, se aprovado, seguirá para o Senado onde, lá por 4 de maio, segundo o calendário do golpeachment, será votado por maioria simples o afastamento da presidenta. Daí sim, Temer assume e, provavelmente, ficará na cadeira até dezembro de 2018. Ah, claro, terá ainda todo um processo no Senado, pode haver recurso no STF, todavia, daí, será difícil para Dilma Rousseff evitar a condição de ex-presidente.

Assim, do golpeachment, pariremos um novo Brasil com Temer presidente. Abaixo a corrupção! Mas, afinal, quem é que está preocupado mesmo com a corrupção? Pouca gente, creio. Entre elas, com certeza, Eduardo Cunha que, por certo, será o novo Roberto Jefferson e dará entrevistas lúcidas e apreciadas no Roda Viva da TV Cultura.

A não ser que aconteça com Temer o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso em São Paulo, em 1986, quando tirou foto sentado na cadeira de prefeito antes do dia da eleição...


Texto publicado em 14.04.2016 na seção de Opinião do Jornal Portal de Notícias, versões impressa e online: http://www.portaldenoticias.com.br