A Redentora, a Recessão e o Tietê. O rosto da Estatística 31 de março de 2016
 
As faces continuam inalteradas. Sofridas, cansadas e, ainda assim, com o sorriso que o hábito da servidão e do resignado conformismo cristão pregou-lhes antes dos dentes (quando existentes...). Tristes trópicos (!), caro Strauss. Coisas do Brasil.

Quinta-feira, 31 de março de 2016, por volta das 15h00, senti o choque inicial: onde está? Que trem a levou? Em qual estatística escondeu-se? Sim, aonde foi parar a multidão que antes lotava o ex-faraônico “Terminal do Tietê”, orgulho e glória das hostes malufistas?

“Ora, elementar, caro Watson: foi à concentração e depois irá à passeata em favor do Governo Petista... Ora, ora elementar...”.

O diabo (perdão, Musa) é que as contagens dos organizadores e da Polícia não concordaram com essa solução para o mistério. Logo, aonde foi parar a multidão que há pouco lotava o salão de embarque à espera de suas viagens?

Quinta-Feira, 31 de Março de 2016. O segundo choque: caramba, lá se vão 52 anos, mas o fato de eu ter, na ocasião, apenas 07 de idade, não me impede de recordar a primeira providência que foi tomada em minha casa para nos proteger da sanha fascista que se iniciava: por obra e graça de minha irmã, eu, minha sobrinha da mesma idade e meu irmão, dois anos mais velho, fomos obrigado a decorar uma oração católica para “provarmos” que não vínhamos de um “lar vermelho”, onde seria comum “matarmos criancinha...”. Sim, inspirados na gloriosa Wermatch nazista, os zelosos guardiães da “nova ordem” visitavam as escolas em busca das “sementes do Mal”.

Quinta-Feira, 31 de Março de 2016. O terceiro choque: vejo típicos representantes da “geração dos Bytes", estufarem o peito e berrarem a plenos pulmões loas ao que imaginam ser um “Governo da Esquerda” e contra o “Golpe”... Como? Sim! Imaginam, ingenuamente, estarem repetindo a resistência de 52 anos atrás, mas esquecem-se, ou talvez nem saibam, o que é realmente uma Ditadura. Não lhes alcança verdades elementares, como o fato de que nem se pensa em fechar o Congresso, em instituir a Censura, em coibir manifestações, em usar como método policial a tortura, o desaparecimento, o exílio (sim, eu sei que infelizmente essa é uma rotina, mas atente-se para a não institucionalização dessas práticas como dantes) e as demais mazelas que nos desgraçaram por tanto tempo.

- Mas, Fabio, é preciso condescender, pois estão na fase em que protestar é uma atividade típica da idade, como surfar, namorar, estudar etc.

- Sim, concordo. Afinal, por que eles não teriam o “direito” de se sentirem “protagonistas da história” e “agentes políticos” em defesa da “Democracia”. O diabo (perdão, de novo, Musa) é que os “jovens” já não são “tão jovens assim” e me resta a sensação de que mais que a cronologia e seus aspectos intrínsecos, ainda nos assombra, enquanto povo, o velho fantasma da mais pura, ampla e democrática indigência intelectual.


Quinta-Feira, 31 de Março de 2016, cerca de 18h30, senti o último choque: é incrivelmente pequeno o número de faces sofridas, humilhadas, cansadas, amarguradas, empobrecidas etc. que viajam no Metrô, após uma longa labuta, nos raros empregos que ainda insistem.

Para quem, como esse modesto escrevinhador, sempre associava a fatídica “18 horas” em São Paulo com o caos, o aperto e o desconforto da “hora do rush”, restou, apenas, a amarga questão: Onde está o povo?

E, depois, a dura constatação de que eu vira a “face do desemprego estatístico”. Já não eram apenas os números, as tabelas e as considerações dos “doutos especialistas”. Não, ali, estava o horror da miséria em carne e osso. Vi, “a cara do monstro” e tenho que admitir que nem por isso ele deixou de ser menos assustador. 

São Paulo, 01 de abril de 2016.