A CRISE SOCIAL DO SÉCULO XXI
A degradação moral da família invadida pelo valor de troca e pela lógica utilitária entre seus membros, a perda da aura de proteção comunitária das comunidades de vizinhos e a desagregação social das classes sociais com a perda do sentimento de classe, da identidade sociocultural e unidade política levam os indivíduos agora atomizados a se tornarem presa fácil do totalitarismo do mercado, do neofascismo infiltrado nas instituições estatais mesmo em regimes democráticos e do fundamentalismo religioso crescente nas instituições eclesiásticas. O indivíduo tem sua alma deformada pelas agências extrafamiliares que sustentam a ordem social vigente, especialmente a indústria cultural, mas todas as instituições, mesmo as tradicionais, mesmo os grupos sociais básicos, a família e a classe social, refletem a dinâmica narcisista e individualista da personalidade sob a égide do capitalismo em sua fase imperialista-totalitária e a lógica da vigilância e controle social da ordem judiciária-policial do Estado Policial que emerge das democracias de massa. A degeneração das lideranças políticas é mais uma expressão do atual estágio de declínio da civilização capitalista e a fascistização das organizações da sociedade civil é parte desse processo em que indivíduos desamparados se unem numa massa fascista em busca de salvação, de solução mágica para a situação de ruptura do tecido social. As reflexões filosóficas e cientificas e as manifestações políticas e estéticas devem ter como preocupação e como meta o indivíduo autônomo, a família como reserva de resistência ética e a luta social como luta de classes e de construção da classe trabalhadora em classe para si como elementos fundamentais no processo de emancipação humana e desalienação política e social. As agências psicológicas da sociedade, a família e a igreja, não tem mais qualquer contradição com as determinações do aparato burocrático de Estado e com os imperativos econômicos do capitalismo. A tecnocracia no poder impõe suas prescrições a todos. A não contradição é base de qualquer ordem social totalitária. As instituições sociais que formavam os indivíduos para o capitalismo tinham algum grau de autonomia e de contradição em relação ao Estado burguês e ao sistema econômico capitalista. Na época contemporânea isso deixa de existir e os sujeitos se tornam indivíduos massificados de uma sociedade de massa. Esse exército de fantasmas completa a sua metamorfose de sujeito em objeto, de ser humano em produtor-consumidor na sociedade de consumo dirigida por uma moral hedonista e por uma ideologia consumista e individualista a serviço da manutenção da ordem vigente, do estabelecimento da servidão voluntária no lugar da luta pela superação dialética desse estágio da civilização. Essa massa compõe ainda a opinião pública despolitizada formada pela televisão e pelo rádio e estimulada a se expressar ativamente por meio das redes sociais, na internet, contra a opinião pública politizada, democrática e racional formada pelos sindicatos, entidades estudantis e universidades. A sociedade industrial governada pelo ritmo da máquina e a vida alienada das grandes cidades produzem psicoses nos indivíduos e até mesmo psicoses coletivas como o fascismo, que irrompe de forma violenta e libera a energia destrutiva reprimida pela civilização e pela razão, dando lugar a manifestações de sadismo e tomando a forma de tática de guerra civil contra a classe trabalhadora e suas organizações. Essa ideologia tem lugar primeiro no seio da classe média, classe social que fornece os quadros políticos, administrativos e intelectuais tanto do proletariado quanto da burguesia, mas que, enquanto classe, é conservadora e sem perspectivas. A juventude de classe média passa a agir como os elementos marginais da sociedade, como o lumpesinato, e ataca de forma paranoica aqueles sobre os quais projetam seus demônios. Esse processo, no entanto, não fica restrito à classe média e tende a se expandir para o conjunto da sociedade na medida em que avança o processo de rompimento dos laços de solidariedade entre os grupos sociais e a atomização da sociedade destrói qualquer sentimento de empatia. A crise social do século XXI é a crise dos grupos sociais que sustentam a sociedade e que cada vez mais mergulham na ordem burocrática, autoritária e egoísta, que leva ao bonapartismo, ao cesarismo, como solução para a situação histórica de equilíbrio catastrófico entre as forças políticas e sociais em luta e a morte da utopia, aprisionando os homens num presente de pesadelo sem fim. Somente o resgate do humanismo, da utopia, da solidariedade e o estabelecimento de relações sociais profundamente livres e éticas entre os membros conscientes das sociedades humanas poderá reverter o caos social que se instala no Brasil, mas que segue uma dinâmica global, com manifestações mais ou menos graves no mundo inteiro. Essas novas relações éticas e afetivas devem ser totalmente livres do autoritarismo policialesco e do valor de troca, assim poderão se configurar nas bases de um novo contrato social, de um Estado racional e democrático que funcione pela democracia direta dos trabalhadores e com a eleição dos melhores membros da comunidade para exercer a administração pública e uma constituição estruturada a partir do bem comum como objetivo do governo e da vontade soberana do povo, caminhando assim em direção ao reino da liberdade.