Falta Política
O momento político que perpassa a alma nacional é de crise. Penso que crises são interessantes e eficientes para se chegar a algum lugar. Elas têm importância quando temos ciência deste lugar e qual é o fim almejado quando lá. O problema no Brasil é que as crises são utilizadas como meios nos quais a vaidade, a medição de falo, a calúnia e a difamação são empregadas ostensivamente. Tais mecanismos de briguinha de rua e de vizinhos invejosos matam a política que, por definição, é campo de negociação, busca de consentimento, de conversa, de objetivos maiores e públicos. Estamos perdendo tempo e ele é grande. Nesse caminho levanto somente alguns pontos na tentativa de elucidar o andar correto da carruagem.
Em primeiro lugar, são inadmissíveis ações que podem gerar violência. O ódio já está no ar e uma guerra civil verborrágica não leva grupos e ideias a nada. Pelo contrário, ela emperra o debate, cala os atores, empodera os mais fortes e joga um “estado de direito” no chão. O caminho trilhado hoje no Brasil, de calar o outro na pancada e na voz alta, sem o direito à defesa ou ao contraditório não é nem um pouco civilizado. As pessoas já perderam o equilíbrio dos nervos, estão se sentindo injustiçadas, desajustadas, traídas, amedrontadas, confusas, inseguras e sem lugar. No caso em tela existe somente uma saída: a conversa, as negociações, acordos tácitos e manifestos para que o fim seja o equilíbrio institucional e, por ressonância, o social.
Em segundo lugar, é preciso lembrar que a governabilidade é atributo da sociedade e não dos atores que estão entrincheirados no judiciário, no executivo e no legislativo. Em outros termos, cumpre à sociedade – este mundo da vida repleto de relações sociais – a busca do equilíbrio e da normalidade social. Todo processo anômico tem por natureza a falta de regras e normas consensuais. Os acontecimentos mais recentes nos mostram que estamos longe disso. Portanto, não existe outra saída e vou repeti-la: é necessário a conversa, as negociações e um acordo pró-sociedade e pela política. A normalidade social só se fortalece com indivíduos interessados em escutar, entender e levantar possíveis consensos. Não se discute com sangue na boca, nos olhos ou nas mãos. Não há conversa que se sustenta com surdos sem libras e bêbados com estômagos vazios. A sociedade clama por clarividência, seriedade, explicações e valores nobres e aceitáveis capazes de darem rumo a um país que está parado e enfrentando uma séria crise econômica.
Em terceiro e último lugar, faz-se imperativo, na esteira do que pensava o sociólogo alemão Max Weber, chamar os atores à responsabilidade. Dito de outra forma, no campo minado da política, onde se procura um gato preto em um quarto escuro, faz-se primordial a responsabilidade daqueles que operam nas instituições. Considero que existe muita irresponsabilidade no executivo, no judiciário e no legislativo. Não é preciso colocar mais fogo no que está queimando há anos. Às lideranças dos poderes sugiro novamente o que toda política necessita: a arte da conversa, da negociação e dos acordos e consentimentos. A política morre na calúnia passível de destruição do outro, no jogo sujo do roubo, da corrupção, da incerteza social, na vaidade individual e no espetáculo sem rumos que se tornou esta esfera no campo midiático. É mais do que necessário que os atores se sintam responsabilizados pelo estado das coisas e pelo que pode acontecer em casos de desordem sem fim. Que não seja preciso a destruição do oponente ou a produção de um corpo sem vida para legitimar o poder. A política responsável bem como a sua legitimidade, na qual a linguagem é o mecanismo perfeito, está em xeque neste momento. Aqui e acolá estamos à beira de um ataque de nervos, a ansiedade e os hormônios em descontrole arrebentam a tireoide nacional e a insensatez toma força. Portanto, vale um apelo: crianças birrentas no poder parem de brigar, adolescentes machões, beijem logo de língua e acabem com esta bagunça. Adultos, se confessem, busquem o perdão, liguem para o Papa, vale uma ajuda do terapeuta ou mesmo uma simples reunião (sem escutas telefônicas, é claro) como tantas para negociar, para fazer política, conversar, entrar em consenso e equilibrar o que outrora e historicamente já nos levou para cenários constrangedores e perigosos.