O juiz petulante e sua caçada a Lula e ao PT

Dias atrás, um juiz petulante divulgou, despudoradamente, uma conversa particular da presidente da república com o ex-presidente, obtida ilegalmente.

O descarado fez isso publicamente, sem nenhum pudor e com falta de decoro escandalosa!

Esse fato me impressionou. Como um juiz tem a petulância de bisbilhotar e tornar pública uma conversa da presidente da república?

A conversa pessoal foi motivo de escárnio pelo mundo inteiro. O jornal inglês, The guardian, por exemplo, finalizou uma matéria ridicularizando o país com a tradução da conversa pessoal entre ambos, transcrita em termos absolutamente ridículos aos ouvidos formais de um inglês.

Por que tamanha falta de decoro do petulante não foi punida com sua suspensão imediata? Por que se permite que o descarado permaneça no cargo achincalhando a presidente da república eleita e reeleita, e de roldão todo o país e todos os brasileiros?

Explicarei o que está se passando.

Temos, os brasileiros, inúmeros pecados. Dois deles, no entanto, são a causa de inúmeros de nossos males, estão na raiz da maioria de nossos infortúnios.

Somos um dos povos mais ignorantes do mundo, pouquíssimos nos superam nesse atributo lamentável.

Temos, além disso, um passado marcado pela escravidão, e as cicatrizes desse fato são ainda muito evidentes.

As duas características acima determinam uma boa parte de nossos comportamentos, do modo de ser brasileiro.

A escravidão pressupunha uma desigualdade fundamental entre senhor e escravo, criaturas intrinsecamente diferentes. Não se poderia escravizar um semelhante. Escravos tinham uma categoria própria, algo entre o humano e o animal, não eram gente. Por essa razão eram tratados no chicote, como feras. Tinham que ser constantemente domados, domesticados. O relho era não só o instrumento dessa ação, mas demonstrava quem era quem: o senhor segurava o açoite, o escravo o recebia no lombo. O escravo, essa criatura estúpida, tinha que ser lembrado e relembrado, constantemente, de quem mandava, ou se rebelaria, daí a necessidade do uso constante do chicote; era assim.

A escravidão foi formalmente abolida há pouco mais de um século, e com ela o uso do relho.

Muitos pensam que agora outros instrumentos devem ser usados para relembrar velhas verdades, que a proibição do chicote exigiu, em substituição, a prática de outros meios para delinear e enfatizar claramente quem é quem, quem manda e quem deve obedecer. Para esses, existem dois grupos claramente determinados, “gente bem”, que nasceu para mandar, percebida de imediato pelas roupas, pelos modos, pelo jeito de falar, pela cor, e “essa outra gente”, esfarrapada, encardida, sem modos, e que deve ser sempre posta em seu devido lugar. Constituem grupos nitidamente demarcados, diferenciados, e devem ser tratados como tais. Os que pensam assim são fascistas.

A frase acima deve ter causado surpresa e desdém na maioria dos fascistas que, por ignorância, não reconhecem o fato de o serem. Fascistas acreditam haver dois grupos; os que nasceram para dominar e os que nasceram para ser dominados, creem que uns devam empunhar o chicote, mostrar quem manda, enquanto outros devem obedecer e receber as chibatadas no lombo. Lembremos que estamos entre os povos mais ignorantes do mundo, por essa razão, predomina aqui a visão fascista, esse modo retrógrado de ver o mundo, uma degeneração da nobreza.

Os nobres acreditavam e impunham a diferenciação entre as pessoas, alegavam haver nobres e gentios, criaturas intrinsecamente diferenciadas. O iluminismo desmistificou e demoliu essa crença milenar, originada e endossada por superstições doentias. Os fascistas tentam fazer renascer esse atavismo, mas sem nobreza. Fascistas são tipos reles, embora creiam que o porte do látego os redima e enalteça. Criaturas rudes que são, não percebem que a empunhadura da chibata revela apenas sua selvageria, não qualquer nobreza que almejam, sem poder compreender.

Temos chamado certo grupo “coxinhas”. A designação é branda e amável, são quase todos fascistas, e se não o admitem, é por ignorância. Ensinem a um coxinha o significado da palavra “fascista” e verão que ele aprova o atributo, repudiando, no entanto, o rótulo que o designaria. Sabemos todos que o fascismo é execrável, fato estabelecido após a segunda guerra. Até então, muitos propugnavam abertamente essa postura. Hoje, muitos ainda o fazem, mas por aqui, quase todos disfarçadamente; passam a ideia e a postura fascista uns para os outros sem admitir o rótulo. Repito, repudiam o rótulo, não o conteúdo da proposta. Efetivamente são fascistas, embora o neguem. Devem saber disso. Não o sabem apenas por ignorância.

Fascistas pressupõem e propugnam a desigualdade intrínseca entre as pessoas.

As leis brasileiras sempre me surpreenderam, são muito boas. Mesmo durante a ditadura nossas lei eram muito boas. No Brasil, já há muitas décadas: todos são iguais perante as leis, uma enorme benção! Mas, atente, somos iguais perante as leis, não perante os juízes! Os juízes são fascistas, quase todos, embora compelidos a negar tal fato. Pouquíssimos deles são igualitaristas, pouquíssimos juízes brasileiros acreditam que todas as pessoas tenham ou devam ter os mesmos direitos. Todos eles sabem, ou propugnam, que uns são mais iguais que os outros. Nossas leis podem ser maravilhosas e igualitárias porque todo o judiciário é podre.

Como funciona o judiciário brasileiro? Como julgam nossos juízes? Havendo uma contenda no judiciário, (usa-se aqui, muito impropriamente, o termo “justiça” para se referir a esse sistema podre), cabe ver, antes de tudo, quem são as partes envolvidas, se são iguais, ou se há supremacia de uma delas; reconhecido tal desnível, o juiz deve explicitar quem manda e autorizar o uso do látego pelo superior sobre o inferior, é essa a ordem aqui vigente, sempre foi, e a igualdade exprimida na lei só se manifesta entre os iguais, sendo uns mais iguais que os outros, e cabendo aos juízes dirimir qualquer dúvida eventualmente surgida sobre tal questão.

Tendo estabelecido previamente a desigualdade entre os homens, determina-se então quem tem o direito, em decorrência de tal desnível. Assim, um dos papéis mais importantes dos juízes consiste em separar o joio do trigo, em determinar quem são uns e quem são outros.

Agora, tendo tudo isso em mente, podemos retornar ao juiz petulante que ensejou todo esse rodeio esclarecedor exposto acima.

Os meios de comunicação no Brasil têm tratado de tentar inverter as relações de poder no país, com vistas ao golpe. Note que os fascistas conhecem bem e atentam para as estruturas de poder, reconhecem claramente a superioridade de um presidente.

Um golpe fascista pode, no entanto, funcionar assim: denigre-se a figura da autoridade, pintando-a como reles; tendo-a rebaixado a um grau inferior, cria-se uma contenda envolvendo-a, e, em seguida, leva-se a querela ao judiciário. Caberá, então, ao juiz, no contexto fascista vigente no judiciário brasileiro e insuflado, atualmente, pelos meios de comunicação, discernir, segundo a conceituação fascista, quem é superior a quem, para, em seguida, determinar quem manda.

É nesse contexto que vemos a caçada ao ex-presidente Lula, o maior herói brasileiro, o primeiro entre nós a se destacar no cenário internacional, o primeiro brasileiro a se colocar em uma posição de liderança independente reconhecida internacionalmente. Lembremos que ele é o cara!

Seu grande pecado não foi ter nascido pobre, seu grande crime foi ter permanecido fiel às origens, mesmo tendo chegado ao poder. Outros de origem modesta devem ter conseguido chegar ao poder, todos eles se camuflaram, envergonhados, se passando, então, pelo que não eram. Mas Lula é o cara, e pode ser ele mesmo, pode mostrar quem é, e não ter vergonha disso, ele é o cara! E é por essa razão que Lula é o primeiro líder popular reconhecido nacionalmente.

O herói operário ficou grande demais para ser abatido, tem sido necessária longa perseguição da imprensa para rebaixá-lo. Pintam-no como presidiário, coagem-no durante uma farsa digna de superprodução cinematográfica a depor. Sabe-se, no Brasil, que a prisão aqui é para os pobres. Conhecemos nosso judiciário, sabemos que aqui o crime é ter nascido pobre, e que a prisão foi feita “para essa gente”. A farsa espetacular, o imenso circo armado em conluio por juiz e meios de comunicação tinha por objetivo demonstrar a associação entre o ex-presidente e essa gente passível de coação, essa gente acostumada a ser intimada para depor, esse tipo de gente merecedor da prisão e do látego. Era esse o plano. Rebaixado, pintado como criatura reles, igualado em grau a essa gente que se vê metida com polícia, sujeito ao escárnio dos asseclas do poder, estaria à mercê dos fascistas. Imperioso transformá-lo em Judas antes de chutá-lo e vilipendiá-lo, imposição de nosso rito judiciário.

Inflado com o sucesso da sanha prévia, o juiz petulante, então, bisbilhota, grava e divulga conversa particular da presidente da república, expondo-a ao escárnio geral. Nesse contexto, podemos compreender o motivo do descaramento que poderia ter parecido apenas um ato de insanidade; não foi. A aparente estroinice do arlequim revela-se premeditação de sórdida perfídia. Em conluio com os meios de comunicação, o atrevido trata de avacalhar o governo brasileiro, expondo a presidente em um roteiro de comédia estrelado pelo histrião insolente.

Caso o petulante consiga rebaixar a presidente eleita e reeleita por milhões de votos, estará apto, conforme ritos fascistas, a colocar-se acima dela, e destituí-la, reiterando o modo “como essa gente deve ser tratada”, de acordo com tais critérios.

Caríssima presidente, sei que um de seus principais propósitos é fortalecer o judiciário brasileiro, e erigir nesse país uma justiça que possa vir a ser designada desse modo, o que tem justificado sua paciência com certos procedimentos. Sua condescendência para com esse fanfarrão insolente, no entanto, não contribuirá com a justiça, ao contrário, fortalecerá antigos vícios arraigados em nossa cultura. Ponha esse atrevido em seu lugar, o descarado é péssimo exemplo para todo o povo brasileiro. Destitua e ponha em grades o desavergonhado que ousou bisbilhotar sua conversa para divulgá-la, é o que todos os presidentes do mundo fariam em resposta a tamanha petulância. Mostre a esse histrião fascista quem manda.