Repetição em massa

"Para que Auschwitz não se repita", escreveu Adorno. Ora, o que aconteceu ontem (04/03/2016), com o sequestro legal de Lula não foi nada mais nada menos que uma reedição da Shoá.

E quando os generais de Hitler não sabiam o que fazer para levar a cabo a "limpeza" que pretendiam, inventaram a solução final. Esta dissipou-se como fogo na pólvora, contando com a participação de toda uma massa.

Depois de algum tempo, nem era preciso mais dar a ordem, todos já tinham entendido e executavam-na automaticamente. A política como ódio foi disseminada em um condutor altamente receptivo às mensagens prontas e perfeitas, quer dizer, "livres" de contradições que entrou em cena e tomou para si o papel de protagonista na condução do extermínio: a massa.

As mensagens claras, inequívocas e que através da propaganda alcançou uma maioria absoluta através de seus discursos, fez do nazismo não só uma poderosa máquina de matar, mas uma ainda mais poderosa máquina de persuadir.

Eis que estamos em situação idêntica, pois o que vemos hoje é uma imensa capacidade de persuasão sendo posta em marcha. O convencimento pela mentira produz identificações e leva ao pior. Convencida, a massa se agita de seu sono abissal e, ao adquirir a forma reflexa daquilo que a modela e a sustenta, ela se levanta e anda.

A ligação entre os discursos das superestruturas e as massas é direta, quer dizer, imediata, ou seja, sem mediação, sem dialética, sem a transformação da simples palavra ou informação em conceito que reflete a mediação necessária à aproximação entre a linguagem e o real.

Condutora de tudo o que lhe cai às mãos, sem forma e sem vida própria, a massa simplesmente reflete num ato involuntário, mas narcísico, as sombras pálidas de um esboço de reatividade.

Numa relativa participação e célere, como é particularmente seu entendimento e sua capacidade de apropriação do complexo, a massa minimiza esforços para desimplicar-se diante da maximização, do exagero surreal, quer dizer, irreal, que faz desta mesma realidade.

Esta realidade, por sua vez, ao ser tomada em sua simplista imediaticidade, conduz esta massa a assimilá-la como uma pasta de modelagem virtual, distante mas, que se apresenta numa imagem palpável, próxima, íntima e amigável, quer dizer, familiar, dando a ilusão de poder ser digerida e absorvida em sua totalidade intuitivamente.

Nesta retro modelagem da informação, agora identitária, a massa desobriga-se da reflexão e não se exige entendimento daquilo que, em seu aspecto de vômito, rapidamente, como algo sem brilho próprio, pois distorção dos fatos - assim como a própria massa se fez -, será regurgitado.

Daí, em seus protestos, ser possível o vislumbre de suas perspectivas caricatas, delirantes, afoitas..., puzlle sem várias peças... Perspectivas que não delineiam nada além de propostas vazias e também imediatas, pois frutos da mesma e dogmática raiz.

Do grito que sai da escuridão de seu irrefletido e ecoa no vazio de sua verdade, a voz da massa é esta descompostura superegóica nascida do mimetismo parasitário, único modo possível de seu existir, que enaltece tudo o que nasce do cínico, do reacionário, e degrada tudo o que comporta vida própria, luz própria, destino próprio e, por isso mesmo, autenticidade e devir.

Sp 04/03/2016