CARGOS COMISSIONADOS E A CORRUPÇÃO NO BRASIL

O saudoso Boechat tinha toda razão quando dizia que o Estado é nosso maior inimigo. Ele serve a si próprio e não à sociedade. E o que permite isso a ele são os cargos comissionados de livre nomeação.

Em teoria, existem para os órgãos seguirem as ordens dos governantes, para permitir a governabilidade, para trazer ao setor público gente qualificada, com habilidades difíceis de exigir num concurso e de forma rápida.

Na prática, é um poder absurdo, o recurso que permite aos grupos dominantes enriquecerem e se manterem no poder. O servidor comissionado é indicação política. Não precisa ter nenhuma qualificação específica, é de livre nomeação. Não tem uma carreira definida, entra num órgão e vai para o outro livremente, de acordo com a indicação do governante. Isso faz com que cada político tenha sua quadrilha de comparsas que emprega no órgão em que estiver, para fazerem o que ele determinar sem se expor.

Se um servidor comissionado é exonerado, não é punição, é absolvição. Significa que ele saiu do órgão e que, não sendo servidor, não será investigado por este, pois teoricamente o problema foi resolvido. Ele perde a remuneração, mas não há nenhum impedimento para que volte no dia seguinte para o mesmo cargo, ou para que assuma outro no mesmo dia da exoneração.

A livre exoneração é o habeas corpus para a corrupção. O exonerado vai para outro cargo, sem penalidade alguma. O nome do político que o indicou nem aparece, não impacta sua reeleição.

O servidor concursado que se corrompe, arrisca toda uma carreira e pode perder sua aposentadoria, o que praticamente inviabiliza que tenha outra. Ele tem nome, endereço fixo, é facilmente encontrado, tem o que perder. O comissionado não. Ele se aposenta pelo regime da geral da previdência social, se for para outro emprego não perde nada. Não precisa se preocupar com estudar para concurso, pois pode ser nomeado como diretor em qualquer lugar, ainda que não tenha nem segundo grau e não entenda nada do lugar e do trabalho onde seja lotado.

O cargo comissionado é criado por lei. A Constituição não estabelece quantos comissionados devem ser servidores concursados e quantos de livre nomeação. Para o político, quantos menos forem concursados, mais poderão ser do seu grupo. Em muitos casos, o comissionado tem de pagar parte do salário que recebe ao político que o nomeou, a popular "rachadinha". Com isso, nós pagamos comissão para o político pelo funcionário que ele indicou.

O problema é maior e começa nas câmaras municipais, onde mais de 40% dos servidores em todas, mais de 70% em muitas são comissionados. Na maioria dos cargos, os comissionados são parentes do vereador, ou, caso não sejam, pagam a ele parte do salário.

Assim, a corrupção já vem do nível mais básico do poder público, do menor dos cargos eletivos, assegurando que os políticos desde vereadores entrem logo no esquema, para que não queiram mudar quando forem deputados, senadores, governadores ou presidente.

Você acha que é pouca coisa, quando ouve que há só 20 mil comissionados no governo federal, por exemplo. Só que, para comparar, na França este tipo de nomeação fora da carreira pública não passa de 4 mil e nos EUA, 8 mil (de acordo com Lauro Jardim, do Radar, da Veja). Duvido que esse número inclua os servidores de estatais e da administração indireta, e com certeza não inclui os dos 27 estados e mais de 5.000 municípios.

Tanto o número é importante que a Lei de Responsabilidade estabelece que se o estado ultrapassa o limite de gasto deve reduzir despesas cortando cargos de livre nomeação. Só que isso significa mexer no bolso do governante. Não é por outro motivo que o governadores preferem atrasar pagamento dos servidores do que cumprir a lei.

A sociedade pode mudar isso. É exigir emenda à constituição reduzindo a 5% o número de comissionados não servidores na administração pública. Tem de ter alguns, pois há bons comissionados e o bom governante precisa de algumas pessoas com habilidades não exigíveis em concurso, mas têm de ser poucos. O único caminho para que isso ocorra é pela pressão popular e através da imprensa.
Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 11/01/2016
Reeditado em 03/01/2021
Código do texto: T5507356
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