Aprender a ler: STF sofisma e toma decisão política e paradoxal

A decisão do STF se fundamenta no voto do Ministro Luis Barroso, que por sua vez procura tornar jurisprudência o rito que fora estabelecido anteriormente para o impeachment de Collor. (Notícias STF :: STF ­ Supremo Tribunal Federal, 17/12/2015, acessado em 28/12/2015) Assim, pela decisão do STF, todos os ministros abonam os sofismas criados pelo Ministro Barroso, aceitando suas omissões quanto ao que, seja de forma explícita ou implícita, está na Constituição.

Um instrumento necessário para recolocar o Brasil nos trilhos tanto sociais quanto econômicos tem sido pouco usado. Não produz resultados práticos alardear que os homens públicos mentem para conseguir seus objetivos ou defender interesses particulares ou ideológicos. É preciso apontar cada uma das falácias com que distorcem a compreensão da realidade.

Demonstrar o voto de o Ministro Luiz Barroso tratar-se de sofismas feitos de falácias bem articuladas demonstra que a decisão do STF, que tem aparência de previamente combinada, se fundamentou em sofismas cuidadosamente montados. Não se trata aqui de “interpretar” a Constituição e a Lei 1.079, mas de “ler e compreender” o que está escrito, a partir necessariamente do que está escrito.

Deve-se ter em mente que:

a) A cada DIZER corresponde um FAZER os atos que o realizem, que a cada lei, regra ou norma corresponde uma técnica, Legein/Teukhein (Castoriadis).

b) As palavras apresentam múltiplos sentidos e o verdadeiro sentido de um termo em um discurso se obtém pelo contexto não apenas entre o termo e os demais termos do discurso, mas também contexto com o campo situacional a que o discurso se refere;

c) Os termos contidos na Constituição devem ser considerados em relação ao campo semântico jurídico, que, por natureza, não permite deslizamentos entre campos semânticos induzidos por seus diferentes sentidos no todo linguístico;

d) Não se deve, principalmente em um ambiente viciado por mentiras, falácias e sofismas, fundamentar-se no nome da coisa, mas sim na essência da coisa nomeada;

e) Os sofismas são montados a partir da manipulação dos sentidos das palavras e mal uso de argumentos verdadeiros, parcialmente verdadeiros ou falsos, pertencentes ou não a campos semânticos diferentes, para, por falácias bem articuladas, procurar convencer os outros de que uma opinião sobre a Realidade deve ser considerada VERDADEIRA mesmo que seja FALSA. Valem-se os sofismadores do fato de que o homem, ainda modernamente, lê por compreensão imediata, usando apenas os sentidos que estão internalizados em sua mente, em detrimento de todos os outros sentidos registrados na cultura. Como não procuram outros sentidos para os termos são facilmente convencidos por meio de um jogo de falácias e meias verdades e deslizamentos de sentidos compondo uma argumentação que se torna, ao homem comum e mesmo ao extraordinário, de difícil refutação.

Analise do voto que fundamenta a decisão do STF

Para a demonstração serão analisados alguns pontos do voto do Ministro Luiz Barroso, doravante referido como VMLB.

"1.1. Apresentada denúncia contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, compete à Câmara dos Deputados autorizar a instauração de processo (art. 51, I, da CF/1988). A Câmara exerce, assim, um juízo eminentemente político sobre os fatos narrados, que constitui condição para o prosseguimento da denúncia. Ao Senado compete, privativamente, "processar e julgar" o Presidente (art. 52, I), locução que abrange a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara".

Falácia da única interpretação

Como todos sabem estar reunidos para discutir outras interpretações, a própria, a dada pelo presidente da Câmara, a dada pelo ministro relator e a contida no VMLB, e todos estão cientes de que poderão divergir das interpretações já colocadas e de todas as outras que naquele ambiente surgirem. É, portanto, uma falácia argumentar que a que se apresenta aos pares “é a única interpretação”, sendo apenas a “interpretação única a que o autor do voto se concedeu chegar”. De outro lado, a afirmativa interfere na mente dos demais juízes como a dizer, “não se preocupem com outras interpretações, pois esta é a única existente”.

Sofisma das regras claras constitucionais

O terceiro argumento é um sofisma, uma vez que se preocupa com a "própria exigência democrática de definição prévia das regras do jogo político", quando primeiro deveria demonstrar se há falta de clareza na Constituição. A aparente falta de clareza se deve a que a necessidade de regras claras não traz a necessidade de fazer constar a descrição em cada texto todos os atos relacionados ao FAZER de um cada DIZER. Cada DIZER tem seus atos descritos alhures, ficando implícitos no próprio DIZER.

A impossibilidade de clareza absoluta do texto constitucional

A obtenção de regras absolutamente claras exigiria que o texto constitucional descesse a detalhes de definir qual o FAZER, quais os atos necessários, para a realização de cada DIZER que estabeleça, ou seja, de cada norma geral nela determinada. Não há sentido, uma vez que o DIZER se expressa por verbos e se refere a ações humanas sobre a Realidade. Cada DIZER pode levar a um ou mais FAZERES que o concretizem, que se descrevem por novos DIZERES e, portanto, novos verbos e atos a eles referentes. “Processar e julgar” é um DIZER que se concretiza em diversos atos e cada um destes atos é definido por um DIZER, que reporta a um FAZER, que pode ou não reportar à definição de um ou diversos atos, e assim sucessivamente até que se chegue a um verbo final, o DIZER “decida, culpado ou inocente?” que por sua vez leva a outros DIZERES E FAZERES até que se possa chegar a um só veredito entre “culpado ou inocente”. A Constituição e as Leis não podem ser claras a este ponto, a extensão do texto resultante terminaria por torná-lo não claro por detalhismo.

Lei complementar ou análogos substitutos

Nos pontos necessários de maior clareza a Constituição autoriza a edição de lei complementar, cuja inexistência, por inépcia e omissão política, autoriza a manutenção em vigor de lei anterior existente e não revogada, no caso a lei de impeachment de 1970, ou o uso de analogias. Neste caso deve-se proceder a adequação da lei adotada como complementar também por meio de analogias. Não é lícito, no entanto, buscar analogias primariamente fora do texto constitucional. O VMLB não leva em consideração todos os itens constitucionais que se aplicam direta ou analogicamente junto com os artigos que tratam dos crimes de responsabilidade do chefe de governo e seu “processar e julgar”, da mesma forma como não foram considerados quando do pedido de impeachment de Collor.

Dada a natureza da acusação que se faz, crime, embora de responsabilidade, em que cabe a punição de impeachment, a Constituição não previu a necessidade de deixar explícito o que está implícito nos termos “admitir a acusação”, “autorizar a instauração de processo”, “processar e julgar”; Trata-se, também, de um processo entendido estar dividido em uma fase apenas política seguida de uma fase político jurídica, em que se faz um julgamento de natureza jurídica. Ser de natureza jurídica deixa implícito resultar em sentenças proferidas por agentes jurídicos, que ficam autorizados a FAZER os atos necessários. O vício da mentira e do uso de falácias, que ora chega ao seu mais alto grau, torna necessário deixar claro o impeachment ser um processo que começa na Câmara e termina com a sentenciação culpado ou inocente pelo Senado transformado em agente jurídico para o FAZER referente a processar e julgar. Esta pretensa falta de clareza foi resolvida pela Lei 1.079, em que os atos necessários para admitir-se uma acusação e verificar se ela procede estão explícitos, explicitando também o caráter jurídico da fase de processo pelo Senado. Cabe questionar, também, se o processo, da aceitação da denúncia à sentença culpado ou inocente, não é ele todo um processo de natureza jurídica, embora levado a efeito por políticos, que farão argumentações políticas na defesa e na acusação.

Usou-se como argumento a não existência de lei complementar para a não aceitação de pedido de impeachment contra Sarney, em 1989, e, no impeachment de Collor, lembrou-se de que "na falta de legislação atual prevalece a antiga" (Roberto Pompeu de Toledo, VEJA, 1240, 24//6/1992), a Lei 1.079. Se leis complementares não existem a falha ainda é da Constituição por não determinar o tempo em que deverão ser providenciadas? Está implícito ser esta a obrigação de legisladores, os quais se deixam ficar no laisse faire de as providenciar, ou providenciar substitutos, no momento em que o fluxo da Realidade deles os exigir. Inépcia e omissão dos legisladores e não falha constitucional. Esta inépcia e omissão política, no entanto, não dá o direito de o Poder Judiciário legislar alterando a Constituição ou modificando leis anteriores. A essência da interferência do Poder Judiciário nas Leis criadas pelo Legislativo é interpretar as leis e julgar as interpretações delas havidas, cuidando para que falácias e sofismas não contaminem as interpretações de modo a favorecer interesses particulares, ou partidários e ideológicos em uma Democracia. É ilícito a representantes do Poder Judiciário usar de falácias e sofismas.

A certeza de impunidade

A situação socio-econômica a que o Brasil foi trazido nos últimos doze anos se deve exatamente à CERTEZA ABSOLUTA DE IMPUNIDADE. Os crimes de responsabilidade fiscal foram cometidos na certeza absoluta de que, gastando-se mais do que se arrecada, ficando o país a beira do caos, a maioria dos políticos não vote contra medidas que evitem a bancarrota total do país; toda a corrupção vigente e a dilapidação da Petrobras se deram pela certeza absoluta de que os responsáveis não seriam punidos, pois os punir representa fazê-los demitir em massa, piorando a situação caótica a que o país chegou.

Há um sistema de impunidade vigente nos três poderes constituídos, executivo, legislativo e judiciário. A única forma de desmontá-lo é descobrir cada um dos fatores que o compõem. É não senso argumentar que corrupção sempre existiu e fazer o povo acreditar que está em sua índole ser corrupto por adotar jeitinhos e a lei de procurar tirar vantagem de tudo, e ao mesmo tempo ignorar os mecanismos que permitem a corrupção. É não senso pensar que a corrupção nasceu com o socialismo vermelho que governa o país há 12 anos, o qual se defende dizendo a corrupção provir do governo que o antecedeu, outro não senso. A corrupção já existia quando foi reinventada no governo Collor e culminou no assassinato de PC Farias; o que houve foi seu crescimento progressivo fundado na CERTEZA DE IMPUNIDADE que se criou.

As interpretações da Constituição e da Lei 1.079, em 1992, para se construir o rito de impeachment que agora se aperfeiçoa, contém mecanismos que podem absolver qualquer político e homem público corrupto e fazedor de atos ilícitos que esteja passível de sofrer a pena de impeachment, bastando ter uma maioria de 2/3 dos membros nas casas legislativas, facilmente obtida pela má interpretação do papel de líderes, dando a eles direito de imporem sua consciência à consciência de seus liderados. Usa-se a falácia de transformar o termo “membros” em “votos” pelo fato de que cada membro se manifesta por um voto vinculada à interpretação falaciosa que se deu ao papel do líder de partido (Sofisma do papel de líder de partido), o que se constituiu em poderoso instrumento deste sistema de impunidade.

Sofisma da jurisprudência pelo impeachment de Collor

Não cabe, constitucionalmente, ao Senado decidir se instaura ou não o processo, é a transformação do erro de 1992 em jurisprudência. Se as deliberações quanto ao impeachment de Collor assim determinaram houve um erro, pois é claro na Constituição que cabe ao Senado "processar e julgar", e não "verificar e ratificar" ou não a denúncia. Alterar a Constituição não significa apenas alterar os termos nela inscritos, mas principalmente alterar a interpretação do que nela está escrito para caber no contexto situacional a que se aplica. O primeiro passo para a interpretação de um texto é exatamente ler e compreender o que nele está escrito, a partir necessariamente do que nele está escrito. Em se tratando da Constituição, o segundo passo é ater-se ao campo semântico jurídico, sem permitir a intromissão de sentidos de termos vigentes em outros campos semânticos.

Este sofisma se denuncia agora na insistência em se chamar de processo de impeachment apenas a parte realizada pelo Senado. A partir do Código Penal, Capitulo II, do processo dos crimes da competência do júri, um processo penal se inicia fundamentação da acusação e na instrução do processo, a que se segue a preparação do processo para julgamento, da composição do tribunal de Júri e da formação do Conselho de Sentença.

O VMLB determina que o STF conceda ao Senado o direito de decidir se o acusado será ou não julgado

Não há, juridicamente, a determinação do sentido de “processo” à fase de julgamento e setenciação, mesmo que formados em Direito usem o termo para a esta fase se referir. A Lei 1.079 tem como fundamento para os crimes de responsabilidade o que está prescrito para os crimes comuns no Código Penal. Permitiu-se a intromissão do sentido leigo de “processo” para fazer o termo se referir apenas à fase de “processar e julgar” para inserir, após a autorização de instauração de processo, um passo em que o Senado faz a apreciação da denúncia e decide se abre ou não o “processo de impeachment”. Em essência, o VMLB pede que o Senado tenha o direito de não julgar o acusado, se assim entender uma maioria simples de seus senadores. Também, esta interpretação modifica completamente o que está escrito na Constituição, dando um papel novo ao Senado a ser exercido após a autorização de instauração de processo pela Câmara e a instauração de “processo” pelo Senado. Isto é legislar, emendar a Constituição, proibição dada ao Poder Judiciário, que foi desrespeitada já no caso Collor.

Adota-se como jurisprudência o que se deliberou como rito de impeachment em 1992 para julgar o caso Collor por meio de sofismas que escondem fatores essenciais na interpretação dos fatos ocorridos naquele momento. As mesmas falácias que constroem o VMLB e a presente decisão do STF quanto a processo de impeachment do presidente da república vigoraram na interpretação dada pelos ministros supremos daquela época. Também eles desconsideraram que a todo DIZER corresponde um FAZER de atos necessários que o concretizem, e que os atos necessários a serem realizados são depreendidos de todo DIZER e FAZER dentro do campo semântico jurídico.

Questionamentos necessários não foram feitos antes de se considerar se a solução ali adotada é válida para aplicação em novos julgamentos. Uma decisão tomada não pode se transformar em jurisprudência se não houve a verificação de sua validade pelo exercício na Realidade que pretendia modificar. Mesmo que os ministros do STF possam, e devam, levar em consideração as conclusões havidas durante a apreciação do rito de impeachment no caso Collor, não podem elevá-las ao estado de jurisprudência sem considerar o contexto da situação, como um todo, em que foram aplicadas e as consequências havidas por sua aplicação, em contraponto com o contexto da situação a que seria aplicada e as possíveis consequências desta aplicação. O contexto situacional naquele momento é em tudo semelhante ao contexto situacional onde agora se aplica o processar e julgar para punir ou não com impeachment, com a diferença de que ali se processou exclusivamente o presidente e o assessor cúmplice mais evidente e agora se procura blindar o presidente protegendo-o de qualquer acusação.

O governante não saber de nada permite a corrupção e sua impunidade

Não foi o julgamento de Collor também por corrupção? Quais as forças que imprimiram às deliberações no caso Collor as interpretações naquele momento adotadas. Não estavam atuantes forças que objetivavam evitar o impeachment? Estas forças são ou não as mesmas que assassinaram PC Farias? Estas forças teriam ou não sido as mesmas "forças ocultas" que levaram Janio Quadros à renúncia? Quais os motivos pelos quais não houve a prisão de nenhum político envolvido em corrupção no período Collor? Não estão presentes nas corrupções atuais muitos dos personagens que ali estavam e que procuraram influenciar as decisões se Collor sofreria ou não impeachment? Não podem os políticos manipular as decisões de seus pares e as decisões de juízes mediante falácias que estruturam sofismas bem construídos? Não estão muitas destes personagens envolvidas no Lava Jato? Os senhores ministros do STF não sabem o sentido da frase "vocês não sabem do que somos capazes"? Não é necessário leniência para se deixar convencer por falácias e sofismas? Por que não se efetivou durante todos estes anos e antes da operação Lava Jato, um passo sequer de combate efetivo à corrupção? Por que se esperou que a Petrobrás praticamente quebrasse para se perceber a necessidade de dar um basta a um governo casado com a corrupção? Por que o povo brasileiro deve esperar que o país chegue à bancarrota total para se dar basta a uma política governamental desastrada? As deliberações ensaiadas como rito de impeachment no caso Collor estavam corretas? Se em 1992 houve um erro, por alterar da mesma forma que neste momento, os textos da Constituição de 1988 e da Lei 1.079, as deliberações devem ser mantidas como jurisprudência ou revistas? Pensando-se falha a Constituição, a busca de leis antigas ou analogias não deve respeitar o que nela está implícito?

Crime de omissão

Qual é o papel do chefe de Estado em um sistema institucionalizado de corrupção senão o de não saber e omitir-se quando a Realidade se mostra escancarada à sua mente, como quem não viu ou não leu? Não existe crime por negligência e por omissão na esfera governamental? Um presidente que nada sabe não é o melhor instrumento para o sucesso de um sistema de corrupção institucionalizado? Não saber não é o resultado de omissão em se tratando de governantes de um país?

Há um SISTEMA DE IMPUNIDADE MONTADO NOS TRÊS PODERES CONSTITUÍDOS, Executivo, Legislativo e Judiciário, que se aperfeiçoa para a manutenção de um sistema de corrupção, já vigente no período Collor, mas que também se aperfeiçoa para se autoperpetuar. Se Collor renunciou para não sofrer impeachment, se PC Farias foi assassinado por “forças ocultas”, estas mesmas “forças ocultas” criaram a figura do governante que não sabe de nada, e que, para não saber de nada, comete o crime de omissão. Corrupção sempre houve e o fato que diferencia o momento atual do passado é a determinação de se acabar com a corrupção política e a malversação da Coisa Pública. A presidente soube deste fato no primeiro mandato, e assumiu o seu segundo mandato omitindo-se em FAZER, logo após a posse, os atos necessários para realmente combater a corrupção. Ao contrário, manteve em postos chaves do governo personagens, atuantes desde o caso Collor, e novos atores que dão a certeza política de impunidade à corrupção. E cometeu os mesmos erros administrativos que levaram o país ao caos econômico. Mas, o Sistema de impunidade vigente faz de conta não perceber este crime de omissão e conivência.

Sofisma da revogação da Lei 1.079

O VMLB reza que

“o rito do impeachment perante a Câmara, previsto na Lei nº 1.079/1950, partia do pressuposto de que a tal Casa caberia, nos termos da CF/1946, pronunciar-se sobre o mérito da acusação. Estabeleciam-se, em virtude disso, duas deliberações pelo Plenário da Câmara: a primeira quanto à admissibilidade da denúncia e a segunda quanto à sua procedência ou não. Essa sistemática foi, em parte, revogada pela Constituição de 1988, que, conforme indicado acima, alterou o papel institucional da Câmara no impeachment do Presidente da República. Conforme indicado pelo STF e efetivamente seguido no caso Collor, o Plenário da Câmara deve deliberar uma única vez, por maioria qualificada de seus integrantes, sem necessitar, porém, desincumbir-se de grande ônus probatório. Afinal, compete a esta Casa Legislativa apenas autorizar ou não a instauração do processo (condição de procedibilidade)".

A Constituição não revogou a lei 1.079, nem mesmo em parte.

Prega-se por clareza na Constituição, mas induz o pensamento de que ela é clara em tema nela inexistente. A Constituição de 1988 não revogou em parte a sistemática prevista na Lei 1.079. O VMLB usa uma palavra que, à exceção do termo "art. X revogado", surge apenas uma vez na Constituição para se referir a direitos humanos, ainda assim em “atos internacionais equivalentes a emenda constitucional”. A Constituição não trata de revogações de Lei. E, como qualquer texto, não pode ser lida e compreendida sem considerar o que nela está implícito. Como demonstrado, deixado claro o DIZER fica claro o FAZER que o concretiza, sob pena de detalhismo que destrói inclusive o que se quer, a clareza. Está, portanto, clara a Constituição, cuja natureza delimita o campo semântico jurídico para a determinação do sentido dos termos que emprega, ao dizer caber à Câmara “admitir uma acusação e autorizar instauração de processo pelo Senado”, que significa prescrever o dever de a Câmara FAZER os atos necessários implícitos no DIZER. Também o VMLB é falacioso ao concluir "que não foram recepcionados pela CF/88 os arts. 23, §§ 1º e 5º; 80, 1ª parte (que define a Câmara dos Deputados como tribunal de pronúncia); e 81, todos da Lei nº 1.079/1950, porque incompatíveis com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, todos da CF/1988".

O “art. 80, 1ª parte, da Lei 1.079, que define a Câmara dos Deputados como tribunal de pronúncia” não é incompatível com os artigos da Constituição citados. Para clareza e facilitação do acompanhamento do fluxo de pensamento, repete-se: A Constituição garante à Câmara a função de admitir a acusação e autorizar a instauração de processo pelo Senado. Se a Lei definiu a Câmara como tribunal de pronúncia não o fez sem fundamentação jurídica. É nítido e claro que a Lei 1.079 se fundamenta no Código Penal. CAPÍTULO II, DO PROCESSO DOS CRIMES DA COMPETÊNCIA DO JÚRI e é também nítida e clara a analogia do papel do Senado como Júri Popular para julgar os crimes de responsabilidade de governantes.

Pronúncia

“Prevista no art. 408 do Código de Processo Penal, a pronúncia é a decisão que, encerrando o sumário de culpa ou judicium accusationis, a primeira fase do rito especial escalonado do júri, envia o réu ao julgamento pelos jurados, por ter sido julgada admissível a acusação, reconhecendo a ocorrência de seus pressupostos, a competência do tribunal popular e classificando a infração penal com suas eventuais qualificadoras, além das infrações conexas porventura existentes” (http://www.jusbrasil.com.br/topicos/291742/pronuncia).

(É a) decisão interlocutória com estrutura de sentença que remete os autos ao Tribunal do Júri por considerar presentes todos os requisitos que tornam admissível a acusação feita pelo representante do Ministério Público (http://www.direitonet.com.br/ dicionario /exibir/ 1070/Pronuncia).

A Câmara exerce o que lhe compete pelo art. 86 da Constituição, admitir a acusação, ao exercer os atos referentes à pronúncia de acordo com o Código Penal, sendo seu dever fundamentar a acusação e se pronunciar da forma suficiente, significando “sem grande ônus probatório”, para a enviar a “júri”. No Júri Popular, na fase de instrução, o juiz recebe a denúncia e a transforma em acusação, citando o acusado para responder, em defesa, à acusação. O juiz ouve o denunciante e determina o depoimento das testemunhas, busca de documentos e as diligências requeridas, ou seja, busca evidências a favor ou contra o acusado. Nesta fase pode haver interrogatório do acusado e inclusive interveniência de peritos, se for o caso. A Lei 1.079 não observa esta fase de instrução e transfere para o Presidente da Câmara a função do Juiz recebedor de denúncia. Os querelantes que levaram à decisão do STF quanto ao rito de impeachment cientes desta instrução preliminar pleitearam o direito de defesa prévia do acusado antes da abertura de processo e após o recebimento da denúncia. E foram atendidos.

Na Pronúncia, cumpridas as fases preliminares, pelo Art. 413, o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, limitando-se à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. A materialidade do fato exige provas concretas, objetivas; a autoria exige traços, vestígios ou sinais possíveis de inferência. Em pesquisa na Internet obtém-se a frase “a decisão de pronúncia, não produz coisa julgada, considerando que encerra apenas o juízo de admissibilidade” presente em vários pronunciamentos e decisões judiciais.

É falácia afirmar que o “art. 80, 1ª parte, da Lei 1.079, que define a Câmara dos Deputados como tribunal de pronúncia” seja incompatível com os artigos da Constituição citados no VMLB, notadamente o art. 86, “admitir a acusação”.

Sofisma da revogação da deliberação sobre admissibilidade e procedência da acusação

O VMLB mistura os termos. A Constituição prescreve nos artigos citados, e disto tem ciência o VMLB e a decisão tomada pelo STF, que a Câmara “admitindo a acusação” (art. 86), “autoriza a instauração de processo contra o acusado pelo Senado”. O VMLB não muda as palavras da Constituição e mantém a função da Câmara em admitir a acusação e autorizar a abertura de processo. A Constituição não revogou as deliberações de admissibilidade e procedência previstas na lei 1.079, pois prescrevendo o DIZER "admitir a acusação" e "autorizar a instauração de processo" prescreve o FAZER próprio a estes verbos/ações. Não houve percepção de que “autorizar a instauração de processo” contra quem tem imunidade parlamentar é tirar dele a condição de não ser processável, é autorizar a processabilidade e não a procedibilidade, como já apontado.

FAZER da aceitação da denúncia

O DIZER é "a Câmara aceita uma denúncia", cujo FAZER é o verificar se é denúncia admissível, se é juridicamente correta por não conter vícios primários ou não respeitar o esquadro determinado juridicamente, como por diversas vezes enunciados em julgamentos pelo STF (MS 20.941-DF, Sepúlveda Pertence, DJ de 31-8-1992". (MS 23.885, rel. min. Carlos Velloso, julgamento em 28-8-2002, Plenário, DJ de 20-9-2002. Vide: MS 30.672-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 15-9-2011, Plenário, DJE de 18-10-2011).

Está determinado que quem recebe a denúncia é a Câmara dos Deputados, cujo presidente se incumbe de FAZER o "exame liminar da idoneidade da denúncia popular", realizando os atos de "verificar as formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciantes e denunciados" , mas também rejeitar imediatamente acusações patentemente ineptas ou despidas de justa causa". A aceitação está "sujeita ao controle do Plenário da Casa", quer dizer, o presidente da Câmara não pode tomar decisões e as impor aos deputados, ferindo o direito de manifestarem sua concordância ou discordância, decidindo-se por votação, se abre ou não processo de impeachment. O FAZER desta sujeição ao plenário exige o ato de o presidente da casa redigir um parecer a ser lido e votado por seus pares, como rezam os artigos da lei 1.079 ditos no VMLB não terem sido recepcionados pela Constituição. Se o FAZER a votação não deixa explicito, a Lei 1.079 prescreve que deverá haver uma votação da aceitação da denúncia, que deve ser aprovada por maioria simples para haver andamento, e a forma de votação está prevista no Regimento Interno da Câmara. O mecanismo é, aceita a denuncia e admitida a acusação, em votação haverá a decretação da acusação.

FAZER da admissibilidade da acusação

Cabe à Câmara FAZER os atos que analisem a denúncia para determinar se contém uma acusação juridicamente admissível, ou seja, se procede de atos ilícitos típicos, se é procedente ou não, isto é, se a denúncia contém uma acusação de crime. Não é lícito em nome da necessidade de a Constituição estabelecer regras claras exigir que seja ela um tratado jurídico completo e repetir tudo que está estabelecidos nos Códigos Civil e Penal e outros que houver. É obrigatório, portanto, que a verificação se a acusação de crime de responsabilidade é juridicamente admissível se faça em analogia com o prescrito no Código Penal, buscando nos atos cometidos os critérios que os caracterizem como crime.

A acusação deve proceder da prática de um fato típico, com indícios de autoria ou evidências de que houve não observação de leis e ser passível de culpa, pelo princípio de legalidade. A Câmara deve verificar se os fatos denunciados não comportam excludentes de ilicitude, sem efetuar um exame apurado de prova, como está no Código Penal para os crimes comuns. Na ausência de clareza ou de omissão constitucional usa-se lei anterior que se aplica a casos análogos e a Lei 1.079 ratifica caber à Câmara a competência de deliberar se a acusação procede. A Câmara em si não tem atributo de FAZER, quem faz são os deputados que a compõem. Como? Reunindo-se, para discutir o texto que expressa a admissibilidade e a procedibilidade, para deliberar, ou seja, tomar uma decisão após pensar, analisar ou refletir e votar cada uma das conclusões alcançadas.

É falácia argumentar que a Constituição não recepciona os artigos e seus parágrafos da Lei 1.079 que meramente descrevem os atos necessários à admissão da acusação e autorização de abertura do processo. Na Constituição está implícito que a lei 1.079 é válida, por nela estar descrito o rito processual a ser seguido, lembrando-se sempre que o processo atual se iniciou com a aceitação da denúncia e está temporariamente suspenso.

FAZER de "verificar se procede"

Para admitir qualquer acusação contida na denúncia, mesmo que se pense ter sido retirada da Constituição as deliberações previstas nessa lei, é conditio sine qua non que se verifique se ela procede, quando não se procuram provas, mas evidências, "indícios" de suspeitabilidade. Alguém tendo o saber necessário e estando em perfeito estado mental admitirá uma denúncia sem verificar se a acusação nela contida procede ou não? Alguém cuja mente não esteja sendo conduzida externamente por liderança partidária ou outro tipo de nela interferir e ela conduzir pode votar pela autorização de abertura de um processo em que não se verificou se a acusação procede?

A denúncia popular a ser analisada pela Câmara contém evidências concretas e objetivas de que houve crime nos atos que ela denuncia como ilícitos em qualidade suficiente para ser considerada uma acusação ou deve a câmara aceitar sumariamente a denúncia e a encaminhar para o Senado? É determinado na Constituição que a Câmara autoriza ao Senado instaurar o processo: é lícito autorizar a instauração de processo a partir de uma denúncia? Os ministros do STF sabem que não é lícito e transferem a função dada pela Constituição da Câmara para o Senado.

Juízo político

Decidir se é juridicamente admissível e procedente não é uma decisão política. Mantém analogia com a fase preliminar de processo jurídico em que o advogado de acusação procura provas de que são criminosos e o advogado de defesa procura provas de que não são criminosos os atos cometidos pelo denunciado. Se o debate entre os acusadores e os defensores der vencimento aos acusadores, a denúncia se transforma em acusação juridicamente válida, sendo prescrição constitucional se, e somente se, for aprovada por dois terços dos membros.

Cabe à Câmara e ao Senado fazer o juízo político das consequências de fazer ou não o impeachment do presidente da República. Todos os ministros que usaram em seus votos argumentos como "as consequências do ato de impeachment" fizeram um julgamento político. Deve ser a eles reconhecido o direito a um juízo político por serem também cidadãos brasileiros, mas é um direito que deve ser suspenso quando reunidos em função de juízes supremos, momento em que lhes cabe a função de fazer juízos jurídicos fundados em argumentos jurídicos. Ao Senado cabe fazer seus juízos políticos ao exercerem o seu dever constitucional de "processar e julgar", mas devem fazê-los junto com as considerações necessárias de acusação e de defesa, jurídicas em sua essência.

O julgamento político não deve preservar a pessoa do acusado, mas a situação do País e o Estado de Direito: não se há de preservar a pessoa do acusado apenas por cumprir o programa ideológico de seu partido. Não há salvaguardas para crimes cometidos em nome de Ideologias, como já provado pela História e como disto sabem todos os representantes de partidos políticos atuantes no momento.

O FAZER de autorizar a abertura de processo

O art. 51 diz ser competência privativa da Câmara “autorizar a instauração de processo”. A Constituição é clara, a autorização é dada se se fizer a admissão da acusação contida na denúncia (Art.86). Não se há que interpretar que a Câmara não tem o papel constitucional de analisar uma denúncia e admitir ou não uma acusação nela contida: aprovada a acusação, a Constituição prescreve o dever de a Câmara autorizar o Senado a instaurar o processo e assim a "processar e julgar". Deste modo, o FAZER a autorização implica necessariamente em FAZER os atos que admitam a acusação e verifiquem se ela procede de atos ilícitos, sem afastar-se do campo semântico jurídico, mesmo a Câmara exercendo também o papel político que lhe cabe.

O que é procedibilidade?

O VMLB, base da decisão do STF, distorce completamente os limites de interpretação ao propor retirar da Câmara a tarefa de definir a admissibilidade e a procedibilidade da acusação, e é infeliz ao prescrever ser competência desta Casa Legislativa “apenas autorizar ou não a instauração do processo", mas coloca entre parênteses "condição de procedibilidade". Não diz a que o termo se refere e a colocação entre parênteses força a compreensão imediata de que a locução se refere à "autorização de instauração do processo", definindo-a.

Em 1990, o Ministro Moreira Alves, nas discussões da Queixa Crime no. 427, referente a crime de responsabilidade atribuído a Ministro de Estado, faz uso de “procedibilidade” em “o requisito de procedibilidade a que alude art. 51” (da Constituição) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Queixa-Crime No. 427 (Questão de Ordem) Querelante: Francisco Waldir Pires de Souza, que também se assina Waldir Pires. Querelado: Antônio Carlos Peixoto Magalhães, que também se assina Antônio Carlos Magalhães. Relator: Sr. Ministro MOREIRA ALVES. http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ index.php/rda/article/viewFile/45907/46800, acessado em 5/1/2016).

Não se pesquisa se a partir deste parecer, ou de anterior a ele, o termo “procedibilidade” aparecerá se referindo à autorização de instauração de processo pela Câmara como previsto no referido artigo. Apesar de uma pesquisa simples na Internet sugerir que o uso deste termo neste sentido esteja consagrado, há um defeito grave de leitura. O Presidente da República tem imunidade parlamentar, portanto, não pode ser processado, não é processável. Cometendo crime, comum ou de responsabilidade, a Constituição dá à Câmara o dever de retirar a imunidade do Presidente, permitindo que seja processado, o presidente agora é processável. O termo “procedibilidade” não se aplica a referir-se a ser ou não processável, ou processabilidade, e se aplica menos ainda por já se referir, com antecedência histórica, ao fato de a acusação imputada ter ou não procedência. Não cabe insistir na aplicação do termo “procedibilidade” à autorização de instauração de processo, mesmo que seja para referir-se à condição sem a qual não se pode autorizar – o fato de que a acusação seja admissível e procedente. A natureza do campo semântico jurídico é tal que impede a adoção de uma mesma palavra para significar duas coisas, devendo primar-se por não induzir a confusões de significados e, assim, de interpretações. Veremos como a decisão final do STF pretende contornar este imbróglio declarando que a câmara apenas verifica a denúncia e a encaminha ao senado.

O direito de ampla defesa pelo acusado

O VMLB dá, em seguida, ao acusado o direito de fazer sua "ampla defesa" na fase do processo, na Câmara, mas que "o interrogatório do acusado, instrumento de autodefesa que densifica as garantias do contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de instrução do processo de impeachment".

Primeiro, os atos de instrução do processo por serem atos do FAZER necessários a admitir a acusação e autorizar a instauração compete, pela Constituição, à Câmara, interpretação ratificada pela Lei 1.079, que, art. 80, define a Câmara como Tribunal de Pronúncia, e delimita seu ônus probatório às evidências de que houve autoria de ilícito, deixando o grande ônus probatório para o Senado.

Segundo, o VMLB dá o direito ao acusado de ampla defesa na Câmara. Retorna-se às funções constitucionais da Câmara no processo de impeachmebnt: é preciso estar previsto em lei que o acusado só será chamado a se defender se a denúncia for admissível por conter uma acusação que proceda? É preciso fazer constar em lei que um presidente de república só pode ser afastado de suas atribuições para se defender de denúncias que sejam admissíveis e contenham acusações que procedam? O VMLB “pede”, portanto, que a Constituição seja mais clara, não dando margem a falácias que construam sofismas.

A Câmara, como conditio sine qua non para que o acusado se defenda, tem de deliberar se a denúncia é admissível e a acusação proceda, resta determinar de qual forma a ampla defesa concedida se faz. Como defender-se sem ser interrogado? De outro lado, o "acusado" (denunciado) se defender na Câmara sem ser interrogado sobre as evidências ("provas) colhidas seria possível apenas o acusado conhecimento prévio das evidências, não se conseguindo separar se este conhecimento se deu através da imprensa ou pelo cometimento das evidências. Provar que o conhecimento se deu através do cometimento das evidências não é tarefa da Câmara, é produção de provas, que deve ser realizada pela Casa a que a Constituição autoriza, no caso as duas Casas, como está na Comissão Parlamentar de Inquérito. Então, a Constituição prescreve, ainda que implicitamente, que a Câmara produz provas parciais, “não um grande ônus probatório”, apenas o suficiente para admitir uma denúncia como acusação e dá ao Senado o direito investigativo para produzir as provas finais de acusação. Dar direito a ampla defesa é dar ao acusado o direito de manifestar-se sobre cada uma das evidências encontradas, um FAZER que é impossível sem interrogar o acusado e obter dele uma resposta para cada uma das evidências encontradas. Entregar ao acusado as denúncias pormenorizadamente e escutar a leitura de uma defesa? O hábito político de usar falácias e construir sofismas determina que não é o mecanismo possível para ser juridicamente correto: há o acusado de ser interrogado na fase de pronúncia da acusação, mantendo analogia estrita com o art. 411 do Código Penal.

O sofisma do não direito investigativo pela Câmara

Tem a Câmara direito a funções investigativas? Tem, e disto sabe o autor do VMLB por ter cometido o lapsus linguae de argumentar que a Câmara deve desincumbir-se de sua tarefa, "sem necessitar, porém, desincumbir-se de grande ônus probatório".

Desincumbir-se de ônus probatório

Interpretou-se então, que não cabe à Câmara provar que houve crimes de responsabilidade, mas ela não o fez e não se pode prejulgar que o faria, uma vez que a comissão de impeachment sequer chegou a ser formada. De outro lado, é elementar: verificar se uma acusação procede ou não implica na procura de evidências. Nos dicionários "evidências" são "provas" e, apesar de constar no Código Penal que a polícia deverá "colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias", em essência, o policial não colhe "provas", colhe "evidências", "indícios". A prova se constitui em um conjunto de evidências que contextualizam a acusação de crime com o ambiente em que foi cometido. Assim, a Câmara deve procurar evidências ("provas", ou indícios como está na Lei 1.079/1950) que sustentem a acusação contida na denúncia popular, isto é que torne admissível a acusação contida na denúncia, mas não necessita transformar o conjunto de evidências em uma prova de crime. “Desincumbir-se de grande ônus probatório" contém que a Câmara deve desincumbir-se de ônus probatório, "não grande, mas sempre algum", para manter consonância com o Código Penal para os crimes comuns.

Analisando o caso Collor, Roberto Pompeu de Toledo (VEJA, 1240, 24//6/1992) simplifica o RITO DE IMPEACHMENT para "a Câmara acusa (se encontrar indícios suficientes", como um promotor, e o Senado julga, como um juiz", mas comete a falácia de também esquecer o termo "processar" da Constituição de 1988, para questionar "quem apura os crimes de responsabilidade?" apontando ser falha constitucional. Não há falhas, a Constituição está clara ao dar o DIZER, que necessariamente deve remeter ao FAZER que o realiza. Quem apura os crimes de responsabilidade são as duas Casas como está claro no DIZER da Constituição, que apenas deixa implícito o FAZER que necessariamente acompanha o DIZER como o anverso de uma moeda.

Este poder investigativo da Câmara e do Senado é previsto na seção da Constituição que trata "das comissões". A Câmara deve autorizar a instauração de processo fundando-se em indícios (evidências) suficientes de que houve ilicitude, mas sem constituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais" simplesmente porque estas devem se constituir com participação da Câmara e do Senado. Assim, a Lei 1.079 torna mais óbvio o que está implícito na Constituição.

O rito implícito na Constituição exclui a figura do Ministério Público no processar e julgar crimes de responsabilidade

Porque a Constituição não determinou a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar e provar a culpa em caso de crime de responsabilidade? Por uma CPI não ter caráter jurídico, sendo apenas um órgão de investigação legislativa, e suas conclusões devem ser encaminhadas ao Ministério Público; a destituição de um presidente por impeachment tem como conditio sine qua non ser um ato jurídico. A Constituição de 1988 dá, portanto, à Câmara o direito de executar/FAZER os atos que exerceria se aberta uma CPI e transferindo para o Senado a obrigação de “processar e julgar”, com o caráter jurídico, embora exercendo também a função política que teria em uma CPI se aberta fosse. A Constituição prevê o encaminhamento das conclusões de uma CPI ao Ministério Público, como também a Câmara não autoriza o Ministério Público a instaurar o processo de impeachment, mas sim ao Senado, que a Constituição transforma em agente jurídico sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal. Os constituintes não excluíram a Câmara da participação jurídica, a Constituição garante à Câmara e ao Senado o direito de exercer o papel que teria se aberta fosse uma CPI de impeachment, reservando à Câmara o papel de juiz na instrução do processo e acusador e o papel de julgar ao Senado, desde que presidido pelo presidente do STF. O que é óbvio deixa de ser diante da prática de sofismar: a divisão de papéis é necessária, pois quem acusa não pode ser o mesmo ente que julga.

As conclusões de uma comissão de inquérito de que participam as duas Casas Legislativas, CPI, são encaminhadas ao Ministério Público, em cujas funções, artigo 129, não constam atos referentes a processos de impeachment, e deixa claro que atuará nos casos previstos na Constituição, devendo se procedente encaminhar as conclusões de CPI ao STF para "processar e julgar" (art. 102). Em essência, o Ministério Público autoriza ao STF a instauração de processo. Nos casos de processo por crimes de responsabilidade do presidente da república, a Constituição transfere do Ministério Público para Câmara a função de determinar se autoriza ou não a instauração de processo e transfere diretamente para o Senado a função de "processar e julgar" que pertence ao STF. Como já expresso, a Constituição transforma o Senado em agente jurídico sob a presidência do presidente do STF e deve-se concluir que a Constituição transfere à câmara a função de Ministério Público a ser cumprida após tenha admitido a acusação. A Constituição determina, assim, à Câmara um papel de agente jurídico, embora limitado.

A conclusão necessária e a de que o processo de impeachment tem a natureza político-jurídico em ambas as Casas Legislativas, apenas com papeis diferenciados, Pronúncia da Acusação e Julgamento.

Que espécie de agente jurídico se torna o Senado?

A Constituição não transfere ao Senado funções do Ministério Público, mas funções do STF, os atos referentes a "processar e julgar". O VMLB dá ao Senado o direito de decidir se autoriza ou não a si mesmo instaurar o processo e o STF decide que assim será. Ao excluir o Ministério Público do processo político-jurídico referente a crimes de responsabilidade, a Constituição também exclui a possibilidade de o Senado definir se a denúncia contém uma acusação admissível e procedente, devendo exercer os atos do STF, de processar e julgar. Embora não esteja isto escrito textualmente na Constituição é o que nela está implícito ao DIZER claramente os verbos cujas ações cada uma das casas legislativas estão incumbidas de FAZER.

No entanto, é necessária a verificação se que os atos deliberativos sobre a admissibilidade e procedibilidade da acusação foram corretamente feitos na Câmara. Se esta verificação apenas cumpre a recomendação de não se assinar documentos sem a sua leitura prévia, ela se impõe devido ao fato de que o uso da mentira, de falácias e sofismas, sempre presentes na prática política, excede, no momento, os limites da tolerabilidade, e por leniência das instituições envolvidas trouxe o país à beira da bancarrota.

A questão passa a ser deliberar se o Senado se manifestar ter a Câmara procedido corretamente ou não é um julgamento: deve ser feito pelo Senado apenas ou pelo Senado sob a presidência do STF? Preliminarmente, o Senado só pode julgar o que recebe da Câmara, seja uma denúncia ou uma acusação, sob a presidência do presidente do STF, e não pode omitir o fato de que a Câmara se limita a acusar por existirem indícios de que houve ilícito. Buscar provas de que os atos praticados e sob a acusação de ilícito não se trata mais de verificar a admissibilidade e procedibilidade da acusação, mas determinar se a acusação admitida se prova culpa ou inocência, com o FAZER atos necessários ao processar e julgar.

Emitir um "juízo final" é JULGAR

Fazer um "juízo inicial" se realiza no FAZER um julgamento (JULGAR), que é um DIZER que se realiza no FAZER UM PROCESSO, processar. Dar ao Senado o direito de proferir um julgamento/juízo e sentenciar pela não abertura do processo é uma falácia, pois o Senado só pode emitir um juízo no processo de impeachment, já iniciado na Câmara e entrado na fase de julgamento, em presença do presidente do STF, tornando-o válido e constitucional. Em essência, a Câmara exerce o seu dever constitucional dando autorização a quem vai processar e julgar o acusado para que abra o processo e, a seguir, o VMLB dá a quem cabe processar e julgar o acusado o direito de desautorizar a abertura do processo.

É lícito? Quem está constitucionalmente encarregado de processar e julgar pode, por meio de voto, determinar que não processará, nem julgará? A Constituição coloca o Senado entre a autorização de abertura do processo e o Direito, representado pela presidente do STF, cuja presença transforma Senadores em agentes jurídicos.

Analogia com o Júri Popular

A analogia que se deve fazer do processo jurídico-político pelo Senado é com o júri popular, em que um grupo de agentes não jurídicos são declarados agentes jurídicos para julgar sob a presidência de um agente jurídico capacitado a definir se há ou não culpa passível de punição. Os Senadores não são agentes jurídicos, mas se tornam ao compor a comissão que "processará e julgará" se cabe o impeachment ou não, mesmo que esta comissão seja composta de todos os Senadores ativos. Em um júri popular, cabe aos cidadãos, que se tornarão jurados quando estiverem na presença do juiz, reunir-se na ausência deste juiz e determinar que o andamento do processo termina ali, por não concordarem com o julgamento da acusação, desautorizando a formação do júri? Cabe a um não agente jurídico desautorizar a abertura de processo autorizada por uma Câmara de deputados? Existe desautorização legal que seja exercida por um não agente jurídico?

O VMLB não esconde saber que "julgar" inclui "a realização de um juízo inicial se instaura ou não o processo de afastamento". O Senado não realiza um juízo, é um ato que compete às mentes humanas que o compõem. Quem realiza um juízo é cada um dos Senadores, vencendo a vontade da maioria como determinado constitucionalmente, portanto, o Senado não pode decidir se os Senadores não estiverem em reunião. Ocorre que não se trata mais de um juízo meramente político decidir se abre ou não o processo, se o Senado tomar uma decisão desta natureza será juridicamente subjetiva, pois quem torna a decisão juridicamente objetiva não está presente, o presidente do STF. É da mesma forma como, em um processo criminal, nenhuma decisão de um júri popular será juridicamente válida sem a presença de um Juiz.

O autor do voto considerou "a Câmara autoriza" como a Câmara ao receber uma denúncia "escolhe se pede” para que se abra processo, uma vez que deixou a ela apenas o FAZER de decidir sem definir a admissibilidade da acusação ou se ela procede. A Constituição é clara, a Câmara não pede, autoriza a instauração de processo. Os termos contidos na Constituição necessariamente estão dentro do campo semântico jurídico e se aplicam a campos situacionais em que os atos ocorridos remetam à necessidade de aplicação do campo semântico jurídico para sua interpretação quanto à honestidade e retidão legal de sua ocorrência. A deturpação do sentido que se aplicou ao termo "autorização" fica patente ao autor do voto argumentar que "eleito" tem também o sentido de "escolhido" e que este sentido justifica a não votação de membros de comissões ou o que seja, substituído pela simples escolha, preservando a figura do líder de partido. Infeliz interferência na interpretação semântica dos termos inseridos no texto constitucional: os senhores ministros do STF são "escolhidos" por presidentes da república e alguns deles se julgam "eleitos" de Deus se deixando submeter ao jugo doutrinário da ideologia que adotam e deixa a descoberto o fato de que se procura impor ao Estado Brasileiro a indicação de juízes de supremo tribunal por critérios ideológicos. Em uma sociedade democrática, em que se prima pela Liberdade e se prega que todos são iguais perante a lei, quaisquer que sejam seus credos religiosos, doutrinários, ideológicos, seu sexo e cor, juízes não podem ter sua mente governada por princípios ideológicos e apregoar que “somos uma sociedade democrática”.

É cristalino na Constituição que a Câmara autoriza o processo e não a apreciação da denúncia.

Não é tarefa de o Senado julgar se a denúncia procede ou não, é lhe dado o dever de deliberar se a acusação leva ou não a culpabilidade passível da pena que se pede, o impeachment, isto é FAZER um processo jurídico, como deixa cristalino a Constituição em "processar e julgar". Apenas por absurda subserviência a quem se coloca acima da Constituição a Câmara deixará de observar o que está na Constituição: admitir uma acusação e autorizar a instauração de inquérito, exercendo o FAZER os atos necessários a cada uma destas incumbências.

O VMLB transfere a função constitucional da Câmara para o Senado

O VMLB usa de outra falácia, por distorção do que está constitucionalmente expresso, interpretando que o Senado dará um "juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara". De outro lado, "julgar se abre ou não o processo" recai em "julgar se a denúncia é procedente ou não", tarefa da Câmara, que a realiza por uma comissão em que representantes dos partidos têm participação proporcional constitucionalmente garantida. A falácia consiste em tomar como falta de clareza a Constituição no prescrever o rito de impeachment por jogar com os termos "processar e julgar" para interpretar que a prescrição constitucional seja "emitir um juízo e autorizar ou não a instauração do processo", transferindo o papel de Ministério Público ao Senado.

A decisão final do STF

Analisando a Ata da 42ª (quadragésima segunda) sessão extraordinária, realizada em 17 de dezembro de 2015, observa-se que a decisão do STF é fundada no voto do Ministro Barroso, com poucas alterações, e assim os sofismas ali cometidos são assumidos por todos os ministros do STF, mesmo os que foram votos vencidos.

"Por estar devidamente instruída a ADPF para julgamento de mérito, tendo se manifestado nos autos todos os interessados e a Procuradoria Geral da República, os ministros converteram a apreciação da liminar em julgamento definitivo da ação".(Notícias STF :: STF ­ Supremo Tribunal Federal, 17/12/2015, acessado em 28/12/2015)

O STF aceita acriticamente o Sofisma da revogação da Lei 1.079

(O STF),

“por maioria, deferiu parcialmente o pedido para (1) declarar recepcionados pela CF/88 os artigos 19, 20 e 21 da Lei nº 1.079/1950, interpretados conforme a Constituição, para que se entenda que as 'diligências' e atividades ali previstas não se destinam a provar a improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia”.

O autor do voto chama a atenção para o termo “diligências” colocando-o entre aspas e, assim, denuncia o mecanismo de seu sofisma. “Diligências” no artigo 20 realmente não se refere a nada mais que esclarecer a denúncia, mas apenas ao leitor desatento ou conivente passa despercebido que o artigo 22 determina que, se denúncia for considerada objeto de deliberação, depois de esclarecida, há a autorização para “proceder as diligências requeridas, ou que (a comissão) julgar convenientes”, e no parágrafo segundo, determina que “findas essas diligências, a comissão especial proferirá, no prazo de dez dias, parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia”. “Proferir parecer” é pronunciar-se e “proceder as diligências requeridas” é FAZER os atos necessários ao DIZER “dar um parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia”, ou seja, se o que nela se denuncia constitui uma acusação juridicamente válida. O sofisma se construiu pela omissão do artigo 22 da Lei 1.079.

A decisão final do STF altera, assim, a Constituição que é clara ao determinar que, após “admitida a acusação contra o Presidente da República (Art. 86), “compete privativamente à Câmara dos Deputados: (EC no 19/98) autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado” (Art. 51), pelo Senado que deverá “processar e julgar”. A falácia é pretender ter interpretado “conforme a Constituição”, mas subtraindo-se da leitura correta do que nela está escrito, o que inclui aplicar à leitura o SABER que a cada DIZER corresponde um FAZER os atos necessários que o concretize como fato objetivo. Os atos necessários para admitir uma acusação é determinar se uma denúncia contém acusação que seja juridicamente admissível, ou seja, se procede de atos que firam a Constituição e ou as leis vigentes, constituindo-se em um crime. A denúncia se transforma em acusação por estes atos, e assim, o STF nega à Câmara o direito constitucional que lhe é dado para realizar os atos necessários à deliberação se a acusação contida na denúncia é admissível e procede.

A função da Câmara é autorizar a instauração de um processo. Pode emitir a autorização sem verificar se a denúncia é admissível por conter uma acusação que proceda à luz de evidências? Não. O STF pode autorizar que se cometa um ato de irresponsabilidade desta natureza? Também não. Se o STF declara que a câmara não lida com a acusação, mas com a denúncia apenas, não pode, no entanto, retirar da Constituição que a câmara admite a acusação. É função necessária de a Câmara deliberar da forma como previsto na lei 1.079/1950, simplesmente porque o FAZER referente à aceitação de uma denúncia é verificar se ela é admissível, e o FAZER referente à aceitação de uma acusação contida em uma denúncia é verificar se ela procede ou não. O FAZER desta verificação necessariamente tem de arrolar provas que determinem ser procedente a acusação, buscar provas que está previsto em “promover as diligências que julgar conveniente”. Apenas por inépcia pode o acusador assinar uma acusação de que não esteja convencido por provas, ainda que sem “grande ônus probatório”

Pensa ter transformado este sofisma em não sofisma com outra falácia, dando à Câmara apenas a função de “esclarecer a denúncia”, mas não define os atos com que a Câmara possa esclarecer a denúncia. Se “esclarecer” significa tornar clara a denúncia, tem-se que toda denúncia obscura é inepta, e assim primariamente rejeitada por quem a recebe. Parece ser ponto pacífico que quem recebe a denúncia é o presidente da Câmara, representando-a perante o denunciante, a quem cabe, rejeitada a denúncia dela retirar as obscuridades que a contaminem e a reapresentar, se de seu interesse. A locução não consta de dicionários jurídicos, mas pode significar “esclarecer os fatos a que a denúncia se refere”, e recai-se na necessidade de deliberar-se se a denúncia contém uma acusação admissível por procedente de atos ilícitos.

De outro lado, em se determinando que a Câmara não delibera sobre a admissibilidade e a procedibilidade da acusação para autorizar a instauração de um processo, função que não lhe pode ser retirada sem emendar a Constituição, a Câmara terá de encaminhar todas as denúncias populares para o Senado, e não apenas aquelas que apresentam evidências de crime de responsabilidade, ou seja, que sejam admissíveis e que procedem, por ser direito do cidadão apresentá-las e dever do Estado a ele responder. Na crise atual, todas, exceto uma, as denúncias foram recusadas e suas acusações não admitidas. Consequentemente, todas as denúncias populares rejeitadas podem ser reapresentadas para que se cumpra o novo rito de impeachment, fazendo com que o Senado, instituído ser agente jurídico sob a presidência do STF, processe e julgue todas, inclusive as que sejam ineptas e com vícios e defeitos, desde que não obscuras.

Não é o Senado quem “processa e julga”, é um agente jurídico

Para processar e julgar, cumprir os atos de processo e o ato de emitir juízo, o Senado deve estar convertido em agente jurídico pela presidência do presidente do STF. Se fosse o caso de se ter instituído uma CPI para julgar os crimes de responsabilidade do presidente, em se concluindo pelo impeachment, o andamento do processo seria remeter suas conclusões ao Ministério Público, que deliberaria quanto ao juízo de instauração do processo, remetendo a acusação contida nas conclusões da CPI ao STF para que processe e julgue se há culpabilidade passível de sofrer as penalidades cabíveis a cada caso. A decisão do STF passa por cima da Constituição ao redefinir novos atos aos que estão nela explícitos ou implícitos para serem realizados, transferindo agora a função do Ministério Público, excluído constitucionalmente do rito, da Câmara para o Senado. A Constituição autoriza a instauração de inquérito e determina que quem processa e julga é o Senado, transformando-o assim em agente jurídico capaz de realizar tal ato que é de competência do STF. A Constituição não prescreve que a autorização de instauração de processo dada pela Câmara seja encaminhada ao Ministério Público para sofrer o juízo se autoriza ou não a abertura de processo contra o acusado. Em caso de CPI a Câmara não autorizaria a instauração de processo pelo Ministério Público. O andamento do processo é: a) pela Câmara, receber a denúncia – verificar a admissibilidade da denúncia (inépcia, denúncia de atos com excludentes de ilicitude, etc.) e a procedibilidade da acusação (se os atos denunciados foram cometidos com ilícitos legais, etc.) - autorização de instauração de processo, e, b) pelo Senado, “processar e julgar”, termos cujos sentidos devem ser procurados no campo semântico jurídico, realizando os atos necessários que ficam implícitos. A Constituição não prescreve o direito de o Senado desautorizar a autorização de instauração de processo, mas abri-lo e proceder aos atos consagrados ao FAZER o processar e o julgar. A Lei 1.079 determina que o Senado processe e julgue sob a presidência do presidente do STF, tornando mais óbvia, não mais clara, a prescrição contida na Constituição, que claro está que exercer os atos necessários ao FAZER processar e julgar depende da presença de um agente jurídico capacitado a tornar objetivo qualquer julgamento de culpa ou inocência.

Em que momento o Senado se transforma em agente jurídico?

O momento em que o Senado se transforma em agente jurídico é o momento em que qualquer Senador começa a emitir juízo sobre a acusação recebida da Câmara, ou seja, no momento em que a lê e diz a outrem o que interpreta. O Senador, enquanto pessoa pode pensar um juízo, mas não pode dizê-lo/emitir, e, constitucionalmente só pode emitir juízo sobre a acusação se for agente jurídico e estando sob a presidência do presidente do STF. Qualquer juízo emitido sem estar incorporado no papel de agente jurídico é juízo subjetivo, de indivíduo, e não de instituição jurídica capacitada a processar e julgar. Reunir-se sob a presidência do presidente do STF é que torna os juízos dos Senadores objetivamente válidos. Pode um cidadão declarado participante de um júri popular emitir juízos sobre o acusado fora da situação declarada para tal? Pode e fazendo-o se destitui do cargo ou anula o julgamento se descoberto posteriormente a ele. Pode um júri popular reunir-se na ausência do juiz e julgar se um réu é inocente ou culpado? Pode, mas seu julgamento não terá valor jurídico. Decidir que cabe à Câmara apenas “esclarecer a denúncia” é outro sofisma, portanto. Pode um senador emitir um juízo fora das reuniões em que se torna agente jurídico? Pode, mas fazendo-o a boa norma exige que seja excluído das reuniões em que se processa e julga o acusado.

Na decisão do STF,

O art. 22 da Lei 1.079 diz: “declara não recepcionados pela CF/88 os artigos 22, caput, 2ª parte [que se inicia com a expressão “No caso contrário...”], e §§ 1º, 2º, 3º e 4º da Lei nº 1.079/1950, que determinam dilação probatória e segunda deliberação na Câmara dos Deputados, partindo do pressuposto que caberia a tal casa pronunciar-se sobre o mérito da acusação”.

O art. 22 da Lei 1.079 diz: “No caso contrário, será remetida por cópia autêntica ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado”. Primeiro, o açodamento da decisão, por aceitação acrítica de sofismas, não deixou perceber que se retira ao acusado o direito de apresentar provas de não ser culpado do que se lhe acusa, retirando-lhe o direito prescrito no art. 22. Pela decisão do STF, se mantida, é dado ao acusado contestar as acusações, mas vedado “indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado”.

Este imbróglio é feito para justificar que não cabe à Câmara deliberar sobre o mérito da acusação, se há evidências-indícios de ilícitos e discutirem acusadores e defensores se estas evidências determinam admissibilidade e procedibilidade da acusação. O rito de impeachment descrito na Lei 1.079, que se torna a lei complementar por omissão e inépcia dos poderes legislativo, que não fez a lei, e judiciário, guardião da Constituição que não determinou que ela fosse feita, prescreve que recebida a denúncia, verificado se é juridicamente válida, será submetida a deliberação por uma comissão de impeachment para decidir se é acusação admissível e procedente.

Será, pela decisão do STF, formada na Câmara uma comissão de impeachment?

Se o STF veta haver segunda deliberação para deliberação sobre o mérito da acusação, o que fará esta comissão? O STF, por considerar válido o sofisma criado para retirar da Câmara a pronunciação quanto ao mérito da acusação, anula o prescrito na lei 1.079, por considerar ser uma segunda deliberação sobre a acusação, não tendo havido a primeira. A prescrição legal é: em primeira votação por maioria simples a Câmara vota deliberações sobre a denúncia, que, não rejeitada, é levada a assembleia para a PRIMEIRA, e única, deliberação sobre o mérito da acusação. O sofisma joga com o sentido de “acusação” que o termo “denúncia” pode tomar. Um cidadão faz uma denúncia (popular) de que algo ou alguém cometeu ilícito legal, e cabe a um agente jurídico determinar se o que denuncia é uma acusação juridicamente válida, ou seja, capaz de autorizar a instauração de processo contra o acusado. São entidades distintas a denúncia e a acusação, embora toda denúncia deva conter uma acusação. Aproveita-se para montar-se o sofisma o fato de que deliberar sobre o mérito da acusação é deliberar se a denúncia contém uma acusação que tenha o mérito de ser admissível e procedente.

A decisão do STF, fundando-se em um voto que aponta a falta de clareza na Constituição, não deixa explicitamente claro que não se fará uma segunda deliberação ao determinar que cabe à Câmara “apenas esclarecer a denúncia” que será encaminhada ao Senado, omitindo o conhecimento de que, não havendo uma segunda deliberação, não se forma uma comissão especial.

Não é, portanto, a Constituição quem revoga em parte a Lei 1.079, é o STF quem legisla e o faz.

De outro lado a decisão do STF deixa claro que “o recebimento da denúncia no processo de impeachment ocorre apenas após a decisão do Plenário do Senado Federal”. Ora, assim fica determinado que todas as denúncias populares de impeachment devam ser encaminhadas ao Senado, destituindo a Câmara do papel constitucional de as receber: anuladas estão todas as rejeições de denúncias populares havidas até o momento, exceto as rejeitadas por inépcia ou defeito jurídico. Ao mesmo tempo, a decisão do STF deixa apenas sugerido que não haverá formação, na Câmara, de comissão de impeachment que procederá às deliberações necessárias para decidir por 2/3 dos deputados se a acusação é passível de processo, e assim decidir pela autorização ou não de instauração de processo pelo Senado. Continua, no entanto, a prescrever recomendações de como será formada a comissão que tornou desnecessária, e prescreve que, se a Câmara só podia autorizar a instauração de processo por 2/3 dos membros, o Senado pode autorizar a si mesmo a instauração de processo por maioria simples.

A má interpretação de que a Câmara não tem poder probatório, o STF, entendendo ter enxergado na Constituição uma lacuna, procura resolvê-la dando este poder ao Senado, ferindo frontalmente a Constituição que determina que tais poderes são dados às duas Casas legislativas, em CPIs, analogia que precede a aplicação de lei anterior pela inexistência de lei complementar, mas dado à Câmara pela Lei 1.079 que ocupa seu lugar.

Dar este poder exclusivamente ao Senado só pode ser feito por uma argumentação que embaralhe os conceitos na mente de todos fazendo-os concluir que o raciocínio está claro e correto, sem que esteja, para o que é necessário deixar de lado o preceito de que uma denúncia só conterá acusação no campo semântico jurídico se for provado que ela procede o suficiente para ser admissível. Isto tem de ser do conhecimento de qualquer advogado que queira passar nas provas da OAB. Ou a Câmara busca provas para admitir a acusação ou fundamenta-se única e exclusivamente nos argumentos de acusadores e defensores, os quais nunca apresentam provas e provado está que todo o sistema político e jurídico está contaminado pela leniência com falácias, sofismas e mentiras. É um jogo político e buscar provas controla manipulações dialéticas, sempre possíveis.

Em suma, o STF não pode dar exclusividade ao Senado no direito investigativo, o direito de buscar e compilar provas de culpabilidade, pois este direito constitucionalmente pertence às duas Casas legislativas, tendo o texto constitucional primazia ante qualquer texto a ela estranhos no que concerne buscar interpretações e analogias. Cabe ao STF refugar todas as interpretações a partir do que da Constituição se leia e compreenda e que esteja contaminado por interesses particulares, partidários ou ideológicos, principalmente por meio de falácias e sofismas, quando provará perante a nação a sua imparcialidade nos julgamentos. Refugar argumentos falaciosos e sofismas é o que se espera de juízes e não construí-los.

O STF, “por maioria, deferiu integralmente o pedido para declarar que não foram recepcionados pela CF/88 os arts. 23, §§ 1º, 4º e 5º; 80, 1ª parte; e 81, todos da Lei nº 1.079/1950, porque estabelecem os papeis da Câmara e do Senado Federal de modo incompatível com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, da CF/88.

O STF aceita acriticamente o sofisma da revogação da Lei 1.079, adotando por sua vez a falácia de omitir ser de conhecimento de ministros supremos que a cada DIZER corresponde um FAZER de atos necessários que o concretizem, e que os atos que concretizam “admitir uma acusação” e “autorizar a instauração de processo” estão descritos na Lei 1.079, e em outras instâncias e momentos jurídicos, consistindo nos atos necessários para se determinar se uma denúncia é uma acusação juridicamente válida, ou seja, se a denúncia contém uma acusação admissível e procedente de atos ilícitos, ou que, sendo-o, não estão protegidos por excludentes de ilicitudes vigentes.

A decisão do STF transfere para o Senado a função da Câmara

O STF,

"por maioria, deferiu parcialmente o pedido para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 24 da Lei nº 1.079/1950, a fim de declarar que, com o advento da CF/88, o recebimento da denúncia no processo de impeachment ocorre apenas após a decisão do Plenário do Senado Federal". Em primeiro lugar, o artigo 24 é cristalino, o Senado “recebe o decreto de acusação com o processo enviado pela Câmara dos Deputados”, ou, a Lei 1.079 não determina tratar-se de “um decreto de denúncia”.

Interpreta o STF, movido pelo sofisma do VMLB, que o Senado recebe autorização para autorizar ou não a instauração de processo, e, assim, transfere para o Senado o que é determinado ser função constitucional da Câmara. Dá ao Senado a tarefa de analisar a denúncia para verificar a admissibilidade, e se procede ou não, para então autorizar ou não a autorização de instauração de processo dada pela Câmara. Isto em essência significa perturbar a relação que deve existir entre as duas casas legislativas, dando o direito ao Senado de desautorizar decisões emitidas pela Câmara. Lógico é ser necessário ao Senado efetuar a verificação se a Câmara cumpriu corretamente suas funções de analisar denúncias e admitir uma acusação. Pode a Câmara autorizar a instauração de processo de impeachment a partir de uma acusação inadmissível e improcedente? Pode, uma vez que não lhe é permitido "grande ônus probatório", locução que deixa perceber ter sempre algum ônus probatório. A Câmara, pelo FAZER os atos necessários pode encontrar evidências de admissibilidade e procedibilidade de acusações que, pelos atos necessários ao processar e julgar, não se provem ser admissíveis e procedentes. Contudo, a decisão da Câmara é de acusação e não de culpabilidade, não determina provas de culpa, mas indícios/evidências de que pode haver culpa.

O Senado passa a ter o direito de absolver o acusado sem o processar

O VMLB transfere ao Senado o direito de fazer um "juízo inicial" se instaura ou não o processo. Dar ao Senado o direito de desautorizar a autorização de instauração de processo parece correto, mas não o é, pois equivale a dar o direito de julgar a acusação improcedente e absolver o acusado sem a instauração do processo e julgamento. Cabe ao Senado só autorizar a instauração de processo se julgar a acusação procedente, ou seja, se decidir pelo impeachment. Uma distorção não cabível por ser em processo que se absolve ou condena o acusado. É claro que os atos necessários ao FAZER processar e julgar abrem duas possibilidades, culpado ou inocente. A inocência é dada quando o Senado, como agente jurídico, julgar o acusado não culpado falta de provas. A Culpa é dada quando o julgamento considera o acusado culpado por "grande ônus probatório". Contudo, é perturbar o Direito omitir que o atos e as decisões referentes ao Senado para determinar absolvição ou culpa só terão valor jurídico se o julgamento se der sob a presidência do presidente do Senado. É também perturbar o raciocínio, um estratagema de sofismas, usar os termos “admissível” e “procedente” para qualificar a acusação na fase de julgamento em que não se trata mais de admissibilidade e procedibilidade, mas de culpa ou inocência.

Lógico é que o Senado possa absolver o acusado, mas mantendo-se analogia com o Código Penal, art. 415, em que o juiz absolverá sumariamente quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Pelos itens I, III e IV o processo não seria autorizado são excludentes de ilícitos; o item II fica em dependência de o Senado Processar e Julgar: a autorização de instauração de processo deve ser cumprida previamente para se provar ser ou não autor ou partícipe do fato. Dada a natureza do processo é não senso pretender que o Senado possa usar este direito, o que exige o pressuposto que a Câmara autorizaria irresponsavelmente a instauração de processo. É, no entanto, uma probabilidade a não ser esquecida quando um sistema que se rege por mentiras, falácias e sofismas.

Fica, patente, então, que a inserção da fase de desautorização da autorização de instauração de processo se deve a senadores terem se sentido prejudicados no fato de não terem sido ouvidos para a emissão da autorização. Primeiro que os seus partidos estarão representados na Comissão de Impeachment que emite a autorização; segundo que, não se trata de uma CPI, mas de um processo de impeachment, cabendo à Câmara apenas aceitar a denúncia e acusar, e ao Senado o prato principal, que é processar e julgar. Insistir na prerrogativa de que os senadores devam se pronunciar a respeito da autorização ou não de instauração de processo é desconhecer o processo como um todo: a admissibilidade dada pela Câmara é apenas de “algum ônus probatório”, e ela será revista, no processo (conjunto de atos) de processar e julgar. Não há sentido em propor-se uma emenda constitucional que inclua o Senado na fase de pronúncia da admissibilidade da acusação transformando aquele que julga em também o que acusa.

Ainda a Constituição estabelece que a autorização para instauração de processo dada pela Câmara necessita de estar aprovada por 2/3 dos seus membros e a decisão do STF dá o direito ao Senado de absolver ou não o acusado por votação com maioria simples, e que apenas pode autorizar a instauração do processo por 2/3 dos membros, se concordar que a acusação procede e que é aplicável a pena de impeachment.

Desautorização de abertura de processo

O STF, seguindo quase à risca o VMLB, dá ao Senado o direito de julgar a acusação e proferir que não abrirá o processo, absolvendo o acusado sem submetê-lo a julgamento, mas não o faz sem usar os termos constitucionais, pensando não ter ferido o que está constitucionalmente estabelecido. A Constituição não prescreve que o andamento do processo se constitui das fases, autorização de abertura do processo, julgamento da validade da autorização de instauração de processo e "processar e julgar" o acusado apenas se julgar a acusação procedente. Em conclusão, a Constituição prescreve que a Câmara autoriza a instauração do processo e a decisão do STF permite ao Senado julgar a validade da autorização de instauração de processo, que, em essência é criar o instituto de desautorização de abertura do processo. O STF autoriza, deste modo, o Senado a ferir a autonomia da Câmara, desautorizando suas decisões. O Senado tornado agente jurídico não pode decidir se abre ou não o processo, é-lhe obrigatório abrir para que possa emitir juízos sobre o que contém e a forma como expressa o que contém, devendo emiti-los sob presidência do presidente do STF.

Desautorizar a instauração de processo é julgar

De outro lado, se a Câmara autorizou abertura do processo jurídico de impeachment, ela decidiu pelo impeachment, mas não o pode fazer; a decisão do STF, em essência, dá, portanto, ao Senado o direito de julgar se haverá ou não o impeachment, refazendo os passos que devem ser próprios da Câmara. Se os Senadores recomendarem que haja impeachment não o podem fazer, têm de abrir um processo jurídico sob a presidência do STF. Ocorre que, se o Senado determinar que não haverá impeachment, não recebendo a autorização dada pela Câmara, o fará por omitir a prescrição constitucional de que o processo está em andamento, entra na fase jurídica e que a decisão se haverá ou não impeachment deve ser tomada sob a presidência do STF: emitir um juízo sobre a autorização de instauração de processo só terá valor se este FAZER se der na forma prescrita, na transformação do Senado em agente jurídico.

A decisão tomada pelo STF, se aceita, faz emenda à Constituição

É emendar a Constituição dar ao Senado a autorização para desautorizar a instauração do processo. Quando o STF decide que "a Câmara exerce, assim, um juízo eminentemente político sobre os fatos narrados, que constitui condição para o prosseguimento da denúncia" e reduz o papel da Câmara no processo de impeachment. A Constituição prescreve que a Câmara admite a acusação e autoriza a instauração de processo, e não é lógico que este papel possa ser exercido pelo Senado, incumbido que está de processar e julgar.

O STF aceita acriticamente o VMLB e altera a Constituição para dar ao Senado o direito de rever a autorização de instauração do processo, “decreto de acusação”, e denuncia saber que esta autorização não está sujeita a revisão, ao usar o termo "denunciado", sendo óbvio que a denúncia, nesta fase, se transformou em acusação, e o denunciado adquiriu o estado de "acusado". Contudo, autorizada a abertura do processo, o Senado deve "processar e julgar", cujo FAZER ser refere a atos aplicáveis juridicamente a acusados e nunca a meros denunciados.

O sofisma montado exigiu que se transformasse a "recebimento da autorização de abertura de processo" em "recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara", que procura esconder a fraude. É cristalino na Constituição que a Câmara autoriza o Senado a PROCESSAR E JULGAR e não a apreciar a denúncia e dela extrair uma acusação juridicamente válida.

Não se autoriza instauração de processo para julgar denúncias

A Câmara autoriza a instauração de processo, como preceito de Direito, pois não se autoriza a instauração de processo para analisar denúncias, mas para processar e julgar acusações, e, assim, a Câmara, deve formular acusações que serão processadas e julgadas pelo Senado. As interpretações feitas à Constituição por interpretação falaciosa de seu texto e da Lei 1.079 pelo STF não as torna válidas diante do princípio primeiro que não cabe ao Poder Judiciário legislar, pois representam emendas à Constituição. Não se autoriza instauração de processo para julgar denúncias e disto os ministros do STF parecem não saber: é inadmissível supor que não saibam lhes ser vedado retirar da Constituição que a Câmara envia ao Senado uma autorização para abertura de processo, mas decidem que a Câmara não envia ao Senado uma acusação, mas apenas a denúncia. O STF nega a constitucionalidade de a Câmara autorizar ao Senado a instauração de processo e cria a figura de autorização de apreciação da denúncia. Não é tarefa de o Senado julgar se a denúncia procede ou não, é lhe dado o dever de julgar se a acusação recebida da câmara leva ou não a culpabilidade passível da pena que se pede, o impeachment, isto é FAZER um processo jurídico, como deixa cristalino a Constituição em "processar e julgar", cujo primeiro FAZER é instaurar o processo. A decisão do STF, adotando o que o VMLB deturpa, dá ao Senado o direito "de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara".

É ponto pacífico que a Câmara faz recebimento da denúncia e que, admitindo a acusação, autoriza a instauração do processo. Só se pode compreender que o Senado recebe uma acusação e não uma denúncia. Se conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito são encaminhadas ao Ministério Público para emitir um juízo se autorizam o STF a instauração de processo, agora o STF legisla, transferindo funções de Ministério Público para o Senado, sem mesmo o transformar em agente jurídico, enquanto dá o direito aos Senadores votarem se aceitam ou não a incumbência constitucional de processar e julgar o acusado pela Câmara.

O STF decide por um julgamento injusto

É esdrúxulo o acusador ser o próprio que processará e julgará o acusado. Tem-se como ponto pacífico que a decisão do STF é irrevogável, e, sendo, deve-se perceber que o STF emenda a Constituição transferindo para o Senado a aceitação ou não da denúncia e dando a si próprio o direito de solicitar a não abertura do processo de impeachment. Ao Senado cabe, agora, admitir a acusação, ou seja, transformar a denúncia em acusação e autorizar a si mesmo a instauração do processo, e a seguir, o próprio Senado processar e julgar o acusado.

A Constituição determina a Câmara FAZER os atos necessários para admitir a acusação e autorizar a instauração de processo, e, agora, o Senado, pela decisão do STF, recebe a acusação e reinicia o processo a partir da denúncia, verificando a admissibilidade e procedibilidade da acusação nela contida, tornando-a juridicamente válida e delibera pela abertura do processo por maioria simples. Se não abre o processo significa que o acusado foi absolvido pelo Senado, significa que os defensores do acusado estando em maioria simples absolvem o acusado; se é votado abrir o processo será o próprio Senado quem julgará e decidirá por impeachment por 2/3 dos membros, dos quais a metade mais um, no mínimo, já decidiu pelo impeachment na votação anterior. Quem vota pelo impeachment só pode ser o acusador e quem vota contra necessariamente é o defensor do acusado. Instaura-se um processo em que o presidente do STF preside uma situação em que a acusação é maioria previamente determinada e o STF preside um julgamento previamente sabido não justo. Argumentar que haverá discursos de acusação e de defesa é esquecer que o processo não é meramente jurídico, é também político, o que torna menos provável mudança de opinião depois de ouvidos os discursos. Pela analogia do Senado como agente jurídico com o júri popular, deste modo, a decisão do STF é pela instauração de um processo de impeachment injusto em sua essência, como se em um júri popular fosse feito primeiro necessário FAZER reuniões para se saber se os candidatos são previamente a favor ou contra a condenação, selecionando para o júri uma maioria de acusadores. É absurdamente esdrúxulo o acusado ser absolvido, sem processo, por uma maioria simples, e ser condenado, apenas com processo por 2/3 dos membros. Os defensores do acusado têm mais direitos que os acusadores? É inovação jurídica o acusado ser absolvido por maioria simples e condenado por 2/3 dos membros.

É constitucional o Senado processar e julgar juridicamente os crimes de responsabilidade do presidente, mas determinar a culpabilidade ou não de uma acusação e sua punição pertence a um FAZER jurídico. Portanto, não instaurar o processo é absolver por não reconhecer a culpa, não instaurar o processo. Se não se prescreve a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e posterior andamento do processo para o Ministério Público e deste para o STF, a Constituição complementada pela Lei 1.079 transforma Senadores em agentes jurídicos para sob a presidência do STF processar o acusado e julgar se a pena de impeachment se aplica ou não aos atos por ele cometidos. É esta a forma possível pela qual o Senado pode cumprir os atos necessários ao FAZER "processar e julgar", permitindo a adoção de leis antigas, no caso a Lei 1.079. O que se determina historicamente é adaptação da lei antiga ao que prescreve a Constituição. Esta adaptação não pode ser feita por meio de falácias. Sendo uma adaptação, não pode modificar, no entanto, a lei, considerando revogados seus artigos concernentes, por não se ter função legislativa. Disto necessariamente tem ciência o autor do VMLB, mas recomenda poder o Senado decidir por maioria simples pela aceitação ou não da denúncia, e transfere as deliberações prescritas na lei 1.079 para o Senado, o que modifica a lei: deliberar sobre a admissibilidade e procedibilidade da acusação é FAZER os atos necessários para se admitir uma acusação provando-a procedente, embora sem "grande ônus probatório, mas sempre com algum". Esta alteração da lei é endossada pelo STF, que a prescreve em sua decisão final.

O Senado agente político não pode absolver o acusado

Omite-se na argumentação ser o presidente do STF, portador do direito sentencial jurídico, quem absolve ou condena, e, em essência, o Senado decide pelo impeachment e o presidente do STF sentencia, é ele quem bate o martelo da lei. Se o presidente se deixa manipular por interesses particulares, partidários ou ideológicos, perde a sua essência de juiz, que é a imparcialidade. Por interesses particulares, não seria nem ao menos juiz, se descoberto a tempo. As decisões de juízes por interesses partidários ou ideológicos levantam a suspeita de não democracia, de estarem eles vinculados a uma ditadura já existente, ou em vias de se estabelecer, ao mesmo tempo em que ferem outra essência de um juiz, que é a imparcialidade.

Um juiz não consegue ser imparcial quando julga permitindo-se juízos políticos. Cientes de que não podem emitir juízo político em seu julgamento, os ministros, imbuídos de espírito político, optam por aceitar os sofismas construídos no VMLB, aceitando-o praticamente na íntegra, sendo, assim, induzidos aos erros ora apontados.

Consequentemente o STF decide politicamente por um paradoxo

As alterações feitas à Constituição por interpretação falaciosa de seu texto e da Lei 1.079 pelo STF não as torna válidas diante do princípio primeiro que não cabe ao Poder Judiciário legislar, pois representam emendas à Constituição.

O rito de impeachment decidido pretende substituir a Lei 1.079, e substituindo-a, considerando revogados alguns artigos, a altera, ao mesmo tempo em que altera a Constituição ao transferir para o Senado a função constitucional da Câmara. O STF legisla sendo vedado ao Judiciário legislar.

Não cabendo ao STF a prerrogativa de retirar da Constituição os artigos 51, 52 e 86, e parágrafos citados, que estão necessariamente em vigência e, como consequência, o STF decidiu então por um paradoxo:

A Câmara deve autorizar a instauração de processo de impeachment, por direito constitucional, mas, por decisão jurídica, não poder exercer os atos que a conduzam a esta autorização.

Corolário: o sofisma do crime comum

A manutenção da decisão do STF sem considerar o paradoxo construído por falácias bem articuladas, permite seja válido o seguinte raciocínio: “os delitos de responsabilidade são crimes comuns no governo atual. Sendo crimes comuns devem ser encaminhados diretamente para julgamento pelo STF, de acordo com o disposto no art. 86 da Constituição”.

Sofisma do papel dos líderes partidários: voto secreto

A decisão do STF ratifica o papel dos líderes de partido como tem sido por eles exercido. O papel de líderes de partido como atualmente interpretado anula a exigência de maioria simples para a aceitação da denúncia em caso de impeachment e de maioria de 2/3 dos membros, na Câmara e no Senado, para a aceitação da acusação, bem como a anuência de 2/3 dos membros para a declaração de culpa e aplicação da pena de impeachment por garantir que uma maioria de dois terços nas casas legislativas é facilmente obtenível, desde que encontre leniência com a fraude. Não está prescrito na Constituição decisões de impeachment por voto de liderança ou por 2/3 dos votos, mas por maioria de 2/3 dos membros, significando dizer que cada membro deve manifestar sua anuência ou não para que seja computado, tendo ficado, portanto, implícito tratar-se de manifestação voto nominal. Há uma confusão com um processo de votação, no entanto. Cada um dos membros deve manifestar-se a favor ou contra a autorização para instauração de processo e haverá autorização pela aprovação de 2/3 dos membros. Os líderes e partido não podem instruir como os seus liderados devem se manifestar. A prática tem interpretado tratar-se de votação o processo de cada membro aprovar ou não aprovar e contar a aprovação ou desaprovação. O FAZER de votar é dizer “sim ou não”, o FAZER de aprovar é aprovar realmente o que se escolhe entre duas opções, de tal forma que um membro pode votar a favor mesmo quando desaprova, ou contra mesmo quando aprova, quando, então deve se manifestar com o DIZER “aprovo” ou “não aprovo”. Da mesma forma como o partido penaliza o político que não vota de acordo como por ele determinado, não se importando se ele aprova ou desaprova o que se determina pelo voto, deve ser penalizado o deputado ou senador que vota contra ou a favor em desacordo com sua aprovação ou desaprovação como pessoa humana.

Parece lícito que os líderes partidários determinem como seus liderados devem votar, mas não é. Não está prescrito na Constituição e nos regimentos internos que os líderes partidários sejam donos da consciência de seus liderados e qualquer interpretação neste sentido deve ser denunciada e banida. Nenhum homem pode se submeter a outro homem que o faça decidir e votar de forma contrária à sua consciência, privando-o de seu livre arbítrio. Nenhum "líder" é líder quando não respeita as liberdades individuais dos liderados e os obriga a votos contrários à sua consciência. Isto é atributo de ser chefe, e quando o que se pede aos liderados é contrário à Ordem Moral e Ética, incluindo as Leis, é ser chefe de quadrilha. Nem mesmo a Constituição, se democrática, pode prescrever a instituição de chefes e muito menos de chefes de quadrilhas.

Enquanto esta interpretação prevalecer, o Líder partidário ditar aos liderados o voto que deva ser dado a cada oportunidade, fica patente que o número de representantes de partidos nas casas legislativas não necessita ser maior que um, o líder do partido, principalmente quando líderes de partido são chefiados por líderes de governo e têm suas consciências submetidas a eles como marionetes.

O papel de líder de partido não é garantir a impunidade

O papel de líder seja de governo, de partido, de maioria ou de minoria, se transformou na prática diária do viver legislativo em um dos mais poderosos instrumentos que dão a certeza de impunidade. Basta, deste modo, que o governo conte com a maioria de dois terços dos membros nas casas legislativas ou com a conivência de líderes, de governo ou de partido coligado, capazes de seguirem ordens superiores sem as submeter ao julgamento de suas consciências. É esta maioria de marionetes, pessoas que cederam suas consciências a chefes, que tem permitido o voto vencedor às propostas governamentais que trouxeram o país à situação atual. É esta forma de governar por meio de marionetes que frutificou o chavismo na Venezuela e levou aquele país à bancarrota: a maioria deu ao presidente o papel de ditador e todos engoliram o sofisma de que se trata de democracia, pois tudo se fez mediante o voto, voto popular para eleger os representantes nas casas legislativas e votos de líderes de partido para impor aos chefiados a vontade do líder de governo, no caso da Venezuela o próprio presidente da república, cujo desejo se concretiza na obediência cega de chefiados, que votam mesmo contrariamente a suas consciências.

É este o mecanismo que permitiu o país chegar ao caos e estar à beira da bancarrota. Todos fazem de conta que não enxergam os mecanismos de corrupção presentes nos governos nos últimos doze anos. O Programa Mais Médicos foi aprovado por voto de liderança, e segue o princípio básico de todo processo de corrupção: pagar mais pelo que se recebe. O Mais Médicos paga ao governo cubano por três médicos para cada um que dele recebe, e todos fingem acreditar no sofisma de que este programa é necessário, pois criado para prover de médicos as regiões brasileiras mais carentes e distantes, fingem acreditar mesmo depois que o Estado mais rico do país recebeu o maior número de médicos cubanos e que médicos brasileiros de regiões carentes foram demitidos para seus lugares serem ocupados por médicos cubanos. Este disparate que se criou mediante os princípios básicos da corrupção, pagar mais pelo que se recebe, mau uso da coisa pública, malversação dos recursos financeiros do país, produto de arrecadação de impostos, por políticos inescrupulosos capazes de tudo fazer para se manter no poder. Se o Mais Médicos foi criado no mandato anterior, foi denunciado neste e praticamente todos os políticos se calam como se corrupção não fosse. É outro instrumento do sistema de impunidade montado nos três poderes constituídos, a conivência com a corrupção e com os ilícitos legais.

O governante só é punido se não tiver a maioria nas casas legislativas

Os ministros do STF, previamente alertados, insistem na manutenção da interpretação consuetudinária do papel dos líderes de cada instância previstos na Constituição, o papel de serem chefes de bandos e não de partidos, e assim um mecanismo de imposição de decisões governamentais. Ao mesmo tempo este mecanismo se mostra instrumentos do sistema de impunidade instituído nos três poderes constituídos, executivo, legislativo e judiciário: o governante se torna ditador quando garante que sua vontade seja desta forma vencedora e tem garantido que esta mesma maioria de chefiados, votando mesmo contra sua consciência, impedirá a punição de seus erros e crimes de responsabilidade. O sistema de impunidade é de tal forma inerente à forma de governar nos últimos anos a ponto de surgirem defesas de que não houve crime de responsabilidade. É a prova cabal de desonestidade.

O governante só é punido por traição de líderes de governo e de partido

É falácia o argumento de que os líderes de partido, quando a ele mancomunados em coligações que permitiram sua eleição, são representantes da vontade do governo para a impor a cada um de seus liderados substituindo qualquer decisão individual devida ao livre arbítrio. O líder, recebendo a ordem – absolva! – descumprindo-a é considerado traidor do governo ou do partido, mas quando o governante não for punido por conivência de líderes, de governo e de partido, estes traíram a sua função parlamentar e ao país.

Este mecanismo tem sido tão acintosamente utilizado que muitas das decisões das casas legislativas se fazem exclusivamente por voto de líderes de partido e, assim, decisões governamentais por meio de Medidas Provisórias conduziram o país à situação caótica atual. A manutenção deste sofisma de que possam existir líderes que comandam a consciência de seus liderados, obrigando-os a votar como determina o partido, mesmo que seja votar contra o que determinam suas consciências e livre-arbítrio permite que o presidente acusado, desde que tenha a conivência do líder do governo nas casas legislativas, possa absolver a si mesmo das acusações havidas. O governante manda seu líder votar pela absolvição, este líder de governo obedece e manda que os lideres dos partidos cuja coligação apoia o governo votem pela absolvição; os líderes de partido obedecem e mandam que seus liderados nas Casas Legislativas votem a favor da absolvição, mesmo que todos votem contra sua consciência e privados de livre arbítrio. Qual falácia permite isto?

A transformação de “2/3 dos membros” em “2/3 dos votos”

Desta forma, não tendo sido computados os votos de consciência e de livre arbítrio de nenhum dos liderados o governante, tendo cometido ilícitos, pode absolver-se mesmo que a maioria de 2/3 dos membros exigida pela Constituição tenha na consciência, por livre arbítrio, que deve o governante ser declarado culpado e sofra o impeachment. É desta forma que o voto de líder da maneira como foi interpretado e tem sido aplicado pode anular o que está prescrito na Constituição. O voto de líder é um mero mecanismo para se conseguir que se vença uma vontade de governo ou de partido mesmo que haja maioria absoluta ou de 2/3 de liderados que pensem de forma contrária, cujas consciências votam contra o governo ou o partido.

O voto secreto e a liberdade de votar

A Constituição prescreve que as casas legislativas, cada uma em seu momento, decidam por 2/3 dos membros e não dos votos, muito menos por votos de lideranças partidárias, que podem simular uma maioria de 2/3. O que falta na Constituição é prescrever punição contra os partidos que ofereçam represálias a seus políticos quando votarem contra a orientação partidária. Como é vício político recorrente os partidos oferecerem punição a quem vote contrário a suas determinações, mesmo quando determinam atos lesivos à Coisa Pública, têm o direito os representantes de cada uma das casas legislativas proteger-se destas punições, por mecanismos que se ponham a encoberto, como o voto secreto, sendo direito constitucional ninguém produzir provas contra si mesmo. O júri popular não vota se o acusado é culpado ou inocente, apenas conclui.

Não há prescrição de voto de liderança na Constituição.

As funções de líderes de partido prescritas na Constituição são compor e participar do Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República, para opinar sobre "intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio (e) questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas" (Art. 89). Contudo, "os partidos políticos devem respeitar o funcionamento parlamentar de acordo com a lei, respeitando o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana" (Art. 17). Apenas a necessidade dos homens públicos de usar falácias e sofismas impõe que se lembre: não há Lei, em regime democrático, que imponha a vontade do liderado ao líder de partido e que votar de acordo com a própria consciência é direito fundamental da pessoa humana.

Cabe constitucionalmente aos partidos "estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária" e não há nenhum termo na constituição que permita a inferência de que fidelidade partidária implique a obedecer a ordens contrárias à própria consciência.

Um regime democrático e de direito não comporta partidos políticos impondo uma vontade única a seus filiados. Já no preâmbulo a Constituição reza a instituição de "um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias". Os afiliados de partidos políticos estão inclusos, como cidadãos brasileiros, nas garantias constitucionais de sua liberdade e de seus direitos individuais. Qualquer regimento interno de instituições governamentais que ferir direitos constitucionais, inclusive os direitos da pessoa humana, não tem valor constitucional e não deve ser observado.

Em suma, o STF não pode ser leniente com voto de liderança para decidir se uma acusação merece o veredito culpado ou inocente, e, embora a comissão de impeachment na Câmara não tenha esta função jurídica, é ali que se inicia a conceituação de culpa ou inocência. O acusado, sendo governante, pode interferir no processo "mandando" seu líder "mandar" aos líderes de partido que o absolva, enquanto anula a prescrição constitucional de decisão por 2/3 dos membros das casas.

O voto de liderança assim interpretado é imoral. A saída dada pelos descontentes com votar contra sua consciência foi aprovar voto secreto para formar a comissão de impeachment mediante candidaturas avulsas, prevenindo-se de represálias pelo partido. É direito inalienável do homem, qualquer ser humano, usar de todos os recursos necessários para garantir a liberdade de expressão de sua consciência, cristalinamente dada pela Constituição. Nenhum homem é líder, mesmo se assim o declarado, quando não respeita o que decide a consciência de todos os seus liderados. É direito inalienável do homem de recusar o papel de marionete da consciência de outros homens.

Comissão especial: indicada por líderes partidários e eleita com voto aberto

A decisão do STF derrubou a eleição da comissão especial da Câmara, realizada em 8 de dezembro. No pedido, o PCdoB questionou o rito adotado pelo presidente da Câmara. Ele permitiu a participação da chapa avulsa, formada pela oposição e dissidentes da base e eleita por 272 votos contra 199 em votação secreta. Ficou patente que o mecanismo que se procura é o voto de líder que manda na consciência de cada membro das casas legislativas. Neste caso, impedido o membro legislativo de votar como manda sua consciência, procurando-se uma CONSCIÊNCIA ÚNICA DE PARTIDO, os únicos membros que podem ser computados são o líder de partido e os dos membros legislativos que ousarem votar contra a determinação do partido, que necessariamente será sempre menor que os 2/3 de membros constitucionalmente necessários. O termo “membro da casa legislativa” reporta ao que nele está implícito, “cada uma das pessoas que formam uma comunidade ou associação” e, assim, cada uma das consciências que formam a câmara. De outro lado, o voto dado por marionetes da vontade do líder de partido, facilmente conseguirá 2/3 dos votos, mas não necessariamente 2/3 dos membros. Na situação atual, com a votação de chapa por indicação de líder perdendo para a votação de chapa avulsa, em processo que respeitou a pessoa humana de cada membro da Câmara, sua consciência, sua consciência ética e moral, e seu livre arbítrio.

Que todo brasileiro aprenda a ler a ponto de saber identificar mentiras, falácias e sofismas, e se prontifique a denunciá-las, como pré-requisito necessário para a reconstrução do Brasil como um país justo e livre de corrupção.