O Recuo Político do Planalto e a Promulgação da Lei Complementar Inconstitucional

Foi publicada no Diário Oficial da União, edição de 4 de dezembro de 2015, a Lei Complementar n.º 152, de 3 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a aposentadoria compulsória por idade, com proventos proporcionais, nos termos do inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, promulgada pela Presidente da República, Dilma Rousseff, após a rejeição do veto integral que fora oposto ao respectivo projeto de lei. O projeto de lei, à época do veto, foi considerado formalmente inconstitucional pela Presidência da República por ser da iniciativa de parlamentar, já que projeto de lei sobre aposentadoria de servidores da União é da iniciativa privativa do Presidente da República.

O veto foi publicado na edição de 23 de outubro de 2015 do Diário Oficial da União, comunicadas ao Congresso Nacional, pela Mensagem n.º 441, de 22 de outubro de 2015, as razões do veto nos seguintes termos: "Por tratar da aposentadoria de servidores públicos da União, tema de iniciativa privativa do Presidente da República, o projeto contraria o disposto no art. 61, § 1º, inciso II, da Constituição."

O Congresso Nacional, aproveitando-se da instabilidade política, ignorou a Constituição da República e rejeitou o veto. Feito isso, caberia à Presidente da República promulgar a lei dentro de quarenta e oito horas, como fez: se ela não a promulgasse, deveria o Presidente do Congresso Nacional fazê-lo. Não deu outra: a Presidente da República, encurralada pela situação política, mais do que depressa, promulgou a lei formalmente inconstitucional. Pequeno exemplo das horrendas coisas da política (melhor dizendo: politicagem) das quais até o diabo duvida.

O projeto de lei complementar realmente era (e agora a lei respectiva é) formalmente inconstitucional, por vício de iniciativa. O art. 61, § 1.º, incisos I e II e respectivas alíneas, estabelecem a maioria dos casos em que a iniciativa das leis – ou seja, o envio do projeto de lei ao Poder Legislativo – é da competência privativa do Presidente da República, embora da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo também sejam os projetos previstos no art. 165, incisos I ao III (plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais). Com efeito, são da iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre aposentadoria de servidores públicos da União e Territórios, por previsão expressa do art. 61, § 1.º, inciso II, alínea “c”, da Constituição de 1988.

Ao leigo pode até parecer coisa simples e sem importância a questão da formalidade de iniciativa das leis, mas não é. A Constituição da República precisa ser defendida e respeitada neste ponto como em qualquer outro ponto do seu longo e analítico texto. A Constituição não contém palavras nem comandos inúteis.

A derrubada do veto e a consequente promulgação da lei não têm o efeito de convalidar a iniciativa, ou seja, não retira a inconstitucionalidade formal. A lei continuará sendo inconstitucional e restará ao Procurador-Geral da República ou à Ordem dos Advogados do Brasil, dentre outros legitimados universais para a propositura de ações do controle concreto de constitucionalidade, propor ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

A iniciativa privativa das leis não é um privilégio do mandatário, é uma garantia da ordenação jurídica no interesse do Estado. O Presidente da República ou qualquer outro mandatário não pode jamais abrir mão da iniciativa, que – repita-se – não é privilégio pessoal, é interesse da República. Ainda mais em situações como esta, em que fica público e notório a promulgação ter sido forçada por interesses pessoais escusos.