Tremblez, tyrans et vous perfides; (Tremei, tiranos! e vós pérfidos)
L'opprobre de tous les partis; (O opróbrio de todos os partidos)
Tremblez! vos projets parricides; (Tremei! vossos projetos parricidas)
Vont enfin recevoir leurs prix ! (Vão finalmente receber seu preço!)
Tout est soldat pour vous combattre,; (Somos todos soldados para vos combater.)
S'ils tombent, nos jeunes héros,; (Se tombarem os nossos jovens heróis),
La terre en produit de nouveaux; (A terra novos produzirá,)
Contre vous tout prêts à se battre !; (Contra vós, todos prestes a lutarem!)
 
Aux armes, citoyens,; (Às armas, cidadãos),
Formez vos bataillons,; (Formai vossos batalhões)
Marchons, marchons!; (Marchemos, marchemos!)
Qu'un sang impur; (Que um sangue impuro)
Abreuve nos sillons!; (Banhe o nosso solo)
                                                  ***
Lembro-me de ter aprendido a cantar a Marselhesa em um breve curso de francês que fiz na Aliança Francesa. Não cheguei a aprender bem a língua de Voltaire e Victor Hugo, mas recordo com saudade a emoção que a letra e o tom marcial desse hino me inspirava.
Nos eventos oficiais é cantado somente a primeira estrofe e o estribilho desse sensacional hino. Mas a letra dele é tão comprida quanto o nosso glorioso Hino Nacional Brasileiro. Aliás, acho que deveríamos fazer a mesma coisa por aqui. Nas comemorações oficiais cantar apenas a primeira estrofe e o estribilho. Fica mais emocionante.
Da letra oficial da Marselhesa, o que mais gosto é o trecho que transcrevi acima. Porque retrata bem o momento histórico em que esse hino foi composto. Era a época da Revolução Francesa, momento ímpar na história politica do Ocidente em que o povo foi ás ruas para mudar um estado de coisas que o incomodava tanto que se tornara insuportável.
A França que emergiu daquela revolução não foi a que o povo desejava. A pobreza e a opressão continuou por quase um século ainda, mas aquele movimento fundou os alicerces do país que os franceses têm hoje. Foi a mesma coisa com os Estados Unidos da América, país nascido da luta de um povo e com um projeto de nação que estava na cabeça das pessoas que moravam naquela terra, e não apenas nas cabeças de uma elite vagabunda e descomprometida com os destinos da terra de onde tiravam suas riquezas.
Olho a triste realidade que vivemos hoje no Brasil e no resto da América Latina. Vejo os povos latino-americanos reclamando de seus governos, esperando deles a solução para os males que eles mesmos criaram. É como delegar aos lobos a tarefa de reconstruir o rebanho de ovelhas que eles dizimaram. Não me admira este novo surto caudilhista que assola os principais países da América Latina. Eles vêm hoje travestidos de lideranças populares de ideologia esquerdista, mas não são nada diferentes dos caudilhos do passado.  
 
Pergunto-me: onde estão os nossos manifestantes, que em 2013 ocuparam as ruas, exigindo mudanças substantivas na nossa política, punição aos corruptos, transparência na administração pública e outras atitudes, que implementadas, fariam do Brasil um país sério. Essas mobilizações foram tão enganosas quanto as campanhas politicas que se seguiram a elas. Prometeram tanto quanto a Dilma e só ficaram nas promessas. Não aconteceu nada. Aliás, piorou. Os políticos continuam tão ou mais sem-vergonhas do que antes. Pudera. Nós votamos nos mesmos que já estavam lá.
O Brasil é um país cuja administração política sempre veio de cima para baixo. A nossa independência foi feita por um príncipe português. Na prática, Don Pedro I apenas deu continuidade á dinastia que nos governava. A nossa república nasceu muito mais em consequência da falta de um herdeiro confiável para ocupar o trono depois da morte de Don Pedro II, do que da vontade política de um povo.
O Brasil é o típico protótipo dos país onde o povo não tem uma consciência de nacionalidade forte, que o faz sentir-se responsável pelos destinos da nação. O povo vai ás ruas quando se sente incomodado, mas volta para casa logo que encontra alguém que promete resolver os seus problemas. Sempre foi assim. A mobilização popular só consegue levantar caudilhos mais nunca verdadeiros líderes que saibam, de fato, organizar a nação, dando-lhe um espirito livre, independente, comprometido, capaz de autogerir-se sem precisar, a cada crise, apelar para um “Messias” que venha para salvá-lo. Que no fundo nada mais são que vampiros ideológicos que se valem dos anseios populares para construir carreiras pessoais, onde fazem verdadeiras fortunas sem trabalho.
Esse problema está nas nossas raízes históricas. Recebemos dos nossos colonizadores um modelo de Estado já pronto. Era um modelo fundado no principio do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Assim, uma elite vagabunda e predadora, que construía ricas igrejas com altares folheados á ouro, cunhou uma nação onde o trabalho escravo era a base. Uma elite que ia á missa confessar-se, receber comunhão e outros sacramentos e quando voltava para casa mandava chicotear um escravo até a morte ao menor sinal de rebeldia. Tudo abençoado pelo pároco local.
Essa elite de nobres (no império) e de coronéis (na república),  pouco ou nenhum comprometimento tinha com o país, pois que tudo que possuiam fora obtido a custo do suor alheio. E foi essa elite que escreveu as nossas constituições, moldou a nossa filosofia politica, outorgou as nossas leis trabalhistas, e continua, ainda hoje, a nos dizer o que é certo e o que é errado.
E fazem tudo para que as coisas continuem desse jeito. Por isso pregam e induzem o povo a crer que o Estado deve prover tudo, que o Estado é responsável por tudo, o Estado deve intervir em tudo. Quanto mais Estado na vida do cidadão, melhor. Doar pão e circo para manter o povo no redil. O velho curral nordestino. Hoje isso tem outro nome(bolsas-famílias, vale-gás, quotas raciais, etc).
E é isso mesmo que os nossos novos coronéis querem. Que o povo continue sempre dependente do Estado.  Sempre é mais fácil manipular quem é dependente.
Vejo, por exemplo, muita gente se mobilizar contra a reforma administrativa que o governo paulista está promovendo na educação, realocando escolas. É salutar essa mobilização. Mas não vejo nenhuma associação de pais e mestres ou sindicato de professores, ou qualquer outra mobilização de classe no sentido de assumir, por si mesmos, a responsabilidade pela melhoria da qualidade do ensino. Só temos a responsabilidade de deixar os nossos filhos na porta da escola. O que eles aprendem (ou não aprendem) é responsabilidade do Estado.
Vejo nossos sindicatos se mobilizando para garantir cada vez mais benefícios para suas classes. É bom e é direito deles. Mas não vejo ninguém lutar por mais liberdade de negociação entre patrões e trabalhadores. Vejo as pessoas reclamarem dos serviços de saúde. Elas têm razão. São mesmo deficientes. Mas não vejo as comunidades se mobilizarem para salvar suas Santas Casas, por exemplo.
Enfim, buscamos sempre mais tutela do Estado, e com isso nos entregamos, cada vez mais nas mãos desses vampiros ideológicos, que se travestem de ativistas sociais e líderes messiânicos, para se aproveitar dos sonhos alheios e acumular verdadeiras fortunas, sem nenhum trabalho.  Não adianta falar mal da Dilma, do Lula, do Cunha, do Maduro, da Cristina Kirchner. Eles são apenas a resposta aos nossos desejos. E á nossa acomodação como cidadãos.
Hoje a França está cantando de novo o estribilho da Marselhesa, por outro motivo. Quiçá, nós pudéssemos cantar algo semelhante, para, mesmo tão tardiamente, realizar uma verdadeira mobilização transformadora.
Mas antes disso precisaríamos ter consciência que não precisamos de mais Estado em nossas vidas. Precisamos sim, de mais participação das nossas próprias vidas na vida do Estado. É a único remédio eficiente contra o vampirismo ideológico que suga o sangue do nosso povo.