A IDEOLOGIA DO ÓDIO
 
Muito se fala sobre os motivos que levaram os nazistas a promover o chamado holocausto, a grande tragédia do século XX, que ceifou a vida de mais de seis milhões de judeus na Europa, antes e durante a segunda guerra mundial, De onde viria o terrível ódio racial que os nazistas tinham dos judeus? É um sentimento inexplicável, que não pode ser computado apenas á questões políticas e econômicas, como aquelas que foram expressas no sinistro livro escrito pelo fürher Adolf Hitler, o Main Kampf.
Hitler, aliás, não inventou o antissemitismo alemão. Ele o absorveu já na sua adolescência e juventude quando viveu como um retirante desempregado na Viena do início do século XX, conforme nos mostra William Shirer em sua obra “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”. Embora o sanguinário ditador alemão seja uma das mais biografadas personagens de todos os tempos, pouco se sabe da vida dele nesses anos de adolescência e juventude, quando, segundo ele mesmo denuncia no seu sinistro livro, “forjou os alicerces de um conhecimento que lhe serviria por toda a vida”.
Pelo que aconteceu depois, quando Hitler se tornou o líder do partido nazista, e mais tarde quando ele assumiu o governo da Alemanha, esse “conhecimento” a que ele se refere, incorporava um profundo ódio racial pelos judeus, que ele considerava como os principais responsáveis por todos os problemas vividos pelos alemães nos anos que se seguiram á primeira guerra mundial. Era um ódio entranhado, que era compartilhado por uma boa maioria do povo alemão, a se julgar pela literatura antissemita que rolava solta naquela época, e era largamente divulgada, inclusive pela mídia, nos países de maioria germânica.
Muito mais que os problemas políticos e econômicos que a Alemanha estava sofrendo na época, eram as questões de cunho antropológico, filosófico, histórico e principal-mente espirituais, que estavam nas raízes do ódio alemão pelos judeus. E era coisa que já vinha de muito longe. Mais propriamente da Idade Média, quando a Alemanha e os países da Europa central, habitados, em sua maioria, por uma população de origem germânica, começaram a receber grandes contingentes de judeus E estes, por estarem livres da influência da doutrina católica, que condenava a prática do comércio, da indústria e especialmente da atividade financeira com finalidade lucrativa, começaram a dominar a economia dos reinos europeus.
A xenofobia em relação aos judeus já era intensa nos dias de Lutero, por exemplo, cujo antissemitismo era notório. E como se nota em seus escritos, ela tinha razões bem mais explícitas do que a mera questão política e econômica, pois integrava não só a histórica querela religiosa (oriunda do fato de os judeus terem crucificado Jesus), mas também um estranho ódio racial que parecia ter raízes antropológicas bem mais profundas.
 
Um dos maiores inspiradores de Hitler, como se sabe, foi um historiador inglês chamado Houston Steward Chamberlain. Esse curioso inglês, apaixonado pela cultura germânica, escreveu uma obra chamada “ Os Fundamentos do Século XIX”, na qual ele dá contornos históricos e pretensamente científicos ao mito do super-homem, criado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em sua obra mais famosa “Assim Falava Zaratustra."
Nessa obra ele reivindica para os alemães uma descendência direta do patriarca Noé, através de seu neto Gomer, filho de Jafét. Segundo esse historiador, a origem dos povos teutônicos (germânicos) está situada na Ásia Central. Depois do Dilúvio, um dos filhos de Noé, o seu caçula Jafét, juntamente com sua esposa e filhos teriam migrado para a Ásia Central, dando origem á diversas tribos, que mais tarde se tornaram conhecidos como germânicas, celtas, indos, jônios, aqueus, e outros povos. Esses povos, chamados geralmente de arianos (de Ário, nome grego Jafet), de raça branca, ocuparam as planícies da Europa Central e várias regiões da Ásia, dali de se espalhando por toda a terra.

Segundo o citado Chamberlain, esses povos, os arianos, eram os responsáveis por tudo de bom que havia na civilização. Especialmente os germânicos, que constituíam a “raça pura”, que não havia se contaminado na mestiçagem ocorrida durante o domínio romano.
Além dos germânicos, diz Chamberlain, somente outra raça havia mantido a pureza do sangue: os judeus. Mas estes haviam se tornado uns degenerados morais, que perverteram a história e os grandes mitos do passado para justificar os crimes que praticaram contra a humanidade. O crime dos judeus consistia principalmente na divulgação de mitos religiosos incompatíveis com o desenvolvimento do espírito humano, pois submetia a mente humana a uma escravidão psicológica, representada pela imposição de um Deus ciumento, intolerante, preconceituoso e castrador de todas as esperanças de grandeza do homem.
Dessa forma, o deus de Israel era inimigo do verdadeiro humanismo e conspirava contra o desenvolvimento da raça humana. Por isso, a verdadeira religião era aquela que valorizava os grandes mitos do passado, especialmente a saga dos heróis arianos, entre os quais se encontravam os mitos gregos e germânicos.
Para Nietschze, por exemplo, um dos filósofos mais influentes do século XIX, os judeus haviam deformado a história da humanidade, transformando-a numa involução. Na opinião dele, o cristianismo, que nada mais era que uma continuação do judaísmo, não passava de uma religião de escravos espirituais que se conformavam com a pobreza, a escravidão e a ignorância, em troca da promessa absurda de outra vida num paraíso inexistente. Os cristãos eram larvas e seu deus um “pastor de larvas”, que ensinava o homem a ser compassivo e fraco, gerando personalidades benevolentes e permissivas, próprias de pessoas fracas de caráter.
 
Não resta dúvida que as teorias raciais de Chamberlain, que foram a principal inspiração de Hitler, têm raízes no pensamento de Lutero e principalmente de Nietzsche. Foi este último o autor que melhor transmitiu a idéia de superação das virtudes cristãs pelas qualidades guerreiras do povo alemão, que ele entendia ser o que de melhor existia no homem. Na tonitruante linguagem bíblica que ele utilizou para escrever o seu mais famoso livro, "Assim Falava Zaratustra", ele diz textualmente: “ Deveis amar a paz como um motivo para novas guerras, e mais a curta paz que a prolongada/ Não vos aconselho o trabalho, mas a luta. Não vos aconselho a paz, mas a vitória. Seja vosso trabalho uma luta, seja vossa paz uma vitória!./ Não é possível calar-se e permanecer tranquilo senão quando há flechas no arco; não sendo assim, questiona-se. Seja vossa paz uma vitória./ Dizei que uma boa guerra é a que santifica também a guerra? Eu vos  digo: a guerra justa é a que santifica todas as coisas/A guerra e o valor realizaram coisas mais grandiosas do que o amor ao próximo. Não foi a vossa piedade mas a vossa bravura que até hoje salvou os náufragos/ Que é bom? – perguntais. Eu digo – Ser valente. Deixai as moças dizerem: “ Bom é o belo e o meigo”/ Chamam-vos gente desapiedada; mas o vosso coração é sincero, e a mim agrada-me o pudor da vossa cordialidade. Envergonhai-vos do vosso curso, e os outros se envergonham do seu regresso./ Sois feios? Pois bem, meus irmãos; envolvei-vos no sublime, o manto da fealdade./ Quando a vossa alma cresce, torna-se arrogante, e há maldade na vossa ascensão. Conheço-vos.” 
Assim, nada estranho que os alemães, a raça pura, quisessem eliminar os judeus, a outra raça pura, pois esta era, no entender dos doutrinadores antissemitas, a única que poderia, num confronto cultural (e talvez bélico) vencer os alemães. Isso ficou bem explícito nas diatribes de Hitler contra os judeus, que segundo ele dominavam o governo inglês e americano, e seriam, na hipótese de uma guerra, os principais inimigos da Alemanha. E nisso, como em muitas outras coisas ele estava certo, pois foram exatamente a Inglaterra e os Estados Unidos os seus grandes adversários.
Isso mostra o que uma ideologia espúria, fundamentada no ódio racial pode fazer. E pelo visto, ainda não conseguimos superar essas sandices intelectuais. Ainda estamos matando e morrendo por idiotices como essas. Ontem, em Paris, tivemos mais um claro exemplo disso.