OS AGENTES DO CAPETA
 
Um dos maiores acontecimentos culturais da história da humanidade foi, sem dúvida, a chamada Reforma Religiosa. Desencadeada pelo monge alemão Martinho Lutero, em 1517, com a publicação das suas 95 teses contra a doutrina, os sacramentos e os vícios da Igreja de Roma, essa reforma provocou uma verdadeira revolução no pensamento religioso ocidental, até então profundamente maculado pelos vícios de um clero ignorante e corrupto, que justamente por deter o monopólio do poder eclesiástico, se julgava acima de qualquer outro poder.
Martinho Lutero não era, pelos padrões morais e humanísticos de hoje, um santo. A maioria de suas biografias mostra um homem dividido entre a sua fé em uma igreja decadente e o anseio de uma mente torturada pela necessidade de reconhecimento pessoal. Ordenou-se padre, mas nunca aderiu, de corpo e alma, ao credo católico. Tanto que logo tornou-se ácido crítico da doutrina da igreja romana, o que lhe valeu a excomunhão e  posterior expulsão dos quadros da Ordem dos Agostinianos. Segundo se sabe, Lutero era um místico, que á semelhança dos filósofos gnósticos dos primeiros anos do cristianismo, tinha mais fé do que religião. Por isso, muitos autores o colocam na categoria de um rosacruciano, ou seja, um inspirador das ideias dos pensadores rosa-cruzes, que no início do século XVI provocaram um grande reboliço na história do pensamento ocidental com seus misteriosos manifestos.
Se é verdade que o velho Martinho Lutero não era um modelo de moral e santidade, pelos padrões modernos, o fato é que ele lançou para o mundo um novo padrão de ética e moralidade que até então era desconhecido (ou pelo menos estava esquecido) no nosso mundo ocidental. Essa ética foi desenvolvida depois por outros reformadores, especialmente o monge francês João Calvino e foi, segundo alguns filósofos liderados por Max Weber, a principal inspiradora da chamada ética do capitalismo.
A ética protestante, segundo essa corrente de pensamento weberiana explicaria, por exemplo, por que os países que aderiram, em sua maioria, á Reforma Protestante, se tornaram países desenvolvidos economicamente, enquanto aqueles que permaneceram aferrados á suas raízes católicas ficaram para trás nesse quesito. Exemplo disso seriam Espanha e Portugal, por exemplo, com suas ex-colônias, que até hoje não conseguiram alcançar o nível econômico de uma Inglaterra, uma Alemanha ou Holanda. Os Estados Unidos da América, a Austrália e outras colônias inglesas, em comparação com as colônias latino-americanas seriam outro exemplo.  A chamada ética protestante, que baniu do espirito dos adeptos da nova doutrina o conceito de que a aquisição de riqueza e bem estar econômico é pecado - como a igreja medieval pregava- foi a responsável pelo espirito empreendedor que deu origem ao capitalismo, mas também abriu portas para a detestável doutrina da negociata, do fim que justifica os meios , do poder a qualquer custo, que acompanha a prática do capitalismo irresponsável..
Tudo isso vem á baila quando vemos o que está acontecendo no Congresso Brasileiro hoje. Parece que a velha ética calvinista está sendo aplicada lá em sua pior concepção. Pois se o Cunha e sua turma são evangélicos, então Lutero, Calvino, Wicleff, Wesley e outros doutrinadores, que lutaram para trazer para a sociedade uma doutrina nova, capaz de afastar o obscurantismo e o uso da religião como instrumento de riqueza e poder, devem estar se revirando no túmulo. Tudo bem que todas as doutrinas, por mais sinceras e virtuosas que sejam, sempre são passíveis de deturpação e utilização indevida. Até Jesus Cristo ficaria aterrorizado se voltasse hoje e visse o que foi feito da sua maravilhosa mensagem.
Mas se o Eduardo Cunha e os membros da bancada evangélica do Congresso Nacional fossem, de fato, uma amostra da ética e da moral que hoje, a população evangélica do Brasil professa, então os ossos dos nossos bons reformadores deveriam ser desenterrados e queimados na fogueira da Inquisição, como antigamente a Igreja de Roma fazia com os condenados por heresia.
Felizmente temos motivos para acreditar que esse bando de delinquentes que estão se armando para defender o mandato do Cunha não tem nada a ver com a verdadeira comunidade evangélica. Esta, tanto quanto eu sei, ainda cultiva a boa ética e a sadia moral que livrou o espirito ocidental de um dogmatismo obscurantista e escravizador. Claro, não falo dos Edires Macedos da vida, mas das congregações sérias que não fizeram da religião uma fábrica de ilusões para enganar os incautos.
Infelizmente sabemos que o Capeta não dorme e não é o opositor de Deus á toa. Mesmo nos campos semeados com as mais puras sementes ele sempre consegue jogar um pouco de semente ruim. Essa turma do Cunha é joio em meio ao trigo. Estão mais para agentes do Demo do que para adeptos do Evangelho. Serão, com certeza, queimados no fogo do inferno um dia, mas até lá é bom que a gente fique de olho para que a podridão que eles hospedam não acabe contaminando tudo de bom que a comunidade evangélica representa.