O Ministro, a ética e o idiota....(II)

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A paciência anda escassa diante do descalabro desse arremedo de governo. Os dedos, como pombos a catar milho, preguiçosos, recusam-se ao desafio do tic-tac constante e cadenciado de outrora para comentar a agonia. As teclas embirram frente ao impulso da escrita; a decepção e a desesperança são fiéis companheiras do dia a dia. O país desmorona como barrancos à beira-rio fruto de um governo inepto e inapto. A irresponsabilidade do seu passado recente cobra a conta. A verborragia chula e palanqueira perdeu-se ao caminhar com as pernas curtas da mentira; os discursos bêbados, desencontrados e sem nexo, andam sem público. O pão com mortadela já não mais preenche as cadeiras vazias dos eventos bancados pelo partido, aquele que se dizia paladino da ética e da moral. Alguns de seus fundadores o renegam; outros foram recolhidos às instituições penais depois de um convescote pela PTbras e pelas instituições financeiras. Sobraram os oportunistas de plantão a fuçarem no lixo das sobras. Os braços erguidos e os punhos fechados foram sugados pelo lamaçal da corrupção.

Mas, o assunto não é esse. O assunto não é esse governo atônito, catatônico, desesperado, bipolar e esquizofrênico, onde o ministro Renato Janine Ribeiro, professor de Ética da USP e habitual crítico da lambança governamental, resolveu dar o ar de sua graça ajoelhando-se em ato de profunda contrição.

Abro o jornal e me deparo com a manchete: “Disputas políticas, greves e cortes paralisam Ministério da Educação”(*). Lembro-me do artigo escrito lá pelos idos de abril, sob o mesmo título, e me animo a abusar da paciência e da abnegação de alguns leitores. Pinçarei algumas passagens visando preservar aqueles raros que acessaram o artigo. Uma segunda leitura seria uma olimpíada para a paciência; quero crer, dos leitores também escassa.

Lá, está: “Mangabeira Unger, professor em Harvard, filósofo, ex-guru de Ciro Gomes, transitou leviano por alguns partidos políticos, corrosivo e contumaz crítico de Lula enquanto colunista do jornal Folha de SP, não se poupava em degradá-lo como um dos mais corruptos governantes do país. Assim mesmo, sem meias palavras”.

“O tigre de papelão, ao ser brindado com o cargo de ministro de uma arranjada pasta de “assuntos estratégicos de longo prazo”, ou alguma bobagem por aí, tornou-se um gatinho de estimação ou um coelhinho de pelúcia. De terno e gravata, com suas abotoaduras de esmeraldas, deu um rolé pela floresta amazônica, disse uma meia dúzia de bobagens e se aquietou dando paz ao governo e ao Lula. Se foi capaz de fazer alguma coisa, não se tem notícia”.

“Estaria entre os melhores nomes para assumir o tal “ministério”? Inequivocamente, não. Nem o assumido, nem qualquer outro por uma questão simples de caráter, de ética e decência jogadas no lixo ao engolir suas críticas no escambo pelo cargo expletivo. É da cota pessoal da presidente”.

Uma curiosidade: recentemente, em Harvard – fato inusitado, talvez jamais ocorrido – uma limousine se encontrava estacionada em frente ao prédio de administração daquela Universidade. Dizem que seria coisa de brasileiro. (**)

Por que retornar ao Unger? Porque estamos a falar sobre ministros, moral e ética. Não porque as cultivem, mas, sim, porque delas vergonhosamente abdicaram. Unger, que do alto de seu arranjado “ministério para assuntos estratégicos de longo prazo” e apoiado por Lula, nosso simpático Pixuleco 171, seu antigo desafeto e símbolo mor da corrupção, meteu o bedelho na área de Janine que se sente desprestigiado e emburrado no cantinho de sua pasta também expletiva e comandada, de fato, pelo ministro Mercadante. Mercadante, como se sabe, é o mais longevo papagaio de pirata desde que o Tenente General Francisco Rufino de Souza Lobato pousou nos ombros de D. João VI, a quem prestava favores homoeróticos manuais.

Unger, não sem tempo, foi defenestrado. Agora, cabe-nos aguardar seu retorno aos jornais retomando, em perfeita sintonia com seus padrões de moral, decência e ética, suas contundentes e ácidas críticas ao governo onde serviu como felpudo capacho.

Sobre Janine, ainda no mesmo artigo:

“Renato Janine Ribeiro, Professor de Ética e Filosofia Política na USP, visitante da Universidade de Colúmbia, Doutor em Filosofia pela USP e PhD pela British Library, ideologicamente à esquerda, sem filiação partidária, severo e contumaz crítico do governo e da presidente em particular”.

“Estaria entre os melhores nomes para assumir o ministério da Educação? Certamente sim, eis que dono de invejável formação acadêmica, expoente de larga experiência tácita e explícita, notório saber e pelos seus reconhecidos valores éticos e morais”.

“Um abismo ético os separa, mas o que aproxima Mangabeira Unger de Renato Janine? O simples fato de terem sido severos críticos dos governos e seus governantes e, pelo sim, pelo não, agraciados com seus ministérios”.

“Unger é figura irrelevante, histriônica. Despiciendas, pois, quaisquer considerações. A pergunta que se insinua e instiga é: o que levaria um educador do porte de um Renato Janine, profícua vida acadêmica, professor de Ética, permitir sua absorção por um governo reconhecidamente antiético, atolado em corrupção em todos os quadrantes e responsável pela prática do mais escabroso e escancarado estelionato eleitoral praticado pós-Collor? “

Eis aí a questão desfiada no referido artigo.

“O recém-empossado ministro já nos deu alguma sinalização. Disse – e que fique claro, disse – que se sentia confortável ao assumir o cargo, pois o governo – ou a presidente - o conhecia bem, assim como sua posição política e pessoal francamente críticas ao governo”.

“Em seu livro “Política Para Não Ser Idiota”, em parceria com o também filósofo Mário S. Cortella, tratando da importância da transparência (página 78, “in fine”), o então Professor de Ética e atual ministro, disse o seguinte:

“Uma demanda ampla de transparência faz o que era escondido ficar visível. Penso que vivemos um momento de transição em que as pessoas percebem a sujeira, têm asco por ela, desprezo pelos que a exercem, tédio eventualmente por terem de participar disso – citando os conceitos que você empregou, Mário – mas, isso tudo é quase como uma dor de parto. Chegará o momento de pensar que será preciso limpar essa sujeira”.

Assim escreveu o Professor de Ética Renato Janine Ribeiro.

O que encontramos na reportagem que açulou o ânimo de retornar ao assunto?

Lá está: “A greve nas universidades federais, o corte de R$10,2 bilhões no orçamento e as disputas políticas dificultam a gestão do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, há cinco meses no posto”.

“Além da possibilidade de ter seu comando alterado na reforma administrativa em estudo, a pasta tornou-se palco de disputa por espaço entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante”.

“Em conversa com aliados, segundo relatos à Folha, Janine tem reclamado da falta de autonomia e da influência da Casa Civil”. Leia-se: Mercadante.

“Para marcar posição, Lula indicou para a chefia de gabinete de Janine um assessor próximo (....) Cezar Alvarez”.

E por aí vai comentando que Dilma estuda tirar Mercadante da Casa Civil e colocá-lo no lugar de Janine, entre outras intrigas e futricas. Segundo a reportagem, até o Unger meteu o bedelho harvardiano por lá.

Vem a pergunta: que raios faz um professor de Ética gerenciando, sem poder, um bordel desses?

Pelo que se depreende, o então ministro e professor manda, sem cerimônia, a ética passear, esmaga a decência com a sola do sapato, tripudia sobre seus princípios e se agarra como um desesperado ao poder. Tudo nos leva a crer que o professor não percebeu a sujeira, não sente asco por ela, não demonstra desprezo pelos que a exercem e muito menos demonstra tédio por participar de um governo reconhecidamente corrupto e que levou o país para a bancarrota. Incauto, extasiado pelo reluzir do falso brilhante, não percebe que o ato de defenestrá-lo é uma simples questão de tempo.

No artigo, vou além:

“E, aqui, residem as nossas esperanças sobre o novo ministro: ciente da imundície que permeia um governo corrupto e ao qual se integra, apologista da ética matéria da qual é professor, empenhar-se e investir na construção de um Estado comprometido com a ética e com a coisa pública”.

Ainda mais longe, quando apelo para a extraordinária Fernanda Torres reproduzindo parcialmente seu artigo sobre Joseph Fouché, ministro de Napoleão: (...) “Calmo, Fouché responde que faria tudo para apagar seu histórico bonapartista, procurando servir àquele que alcançasse o poder. É assim que se faz política!; conclui Napoleão com um sorriso admirado”.

A escritora crava: ”Pedir a cabeça de Dilma é fácil, difícil é se livrar dos Fouchés”.

Assim, encerrei:

“Separei o livro do professor, escritor, filósofo e agora ministro Renato Janine a quem muito admiro e, dentro do viés da ética comportamental, pretendo doá-lo tratando-o como fonte de conhecimento. No caso em que o ministro venha a se travestir de Joseph Fouché, assim como Unger o fez, pretendo descartá-lo no lixo dos materiais inservíveis e não recicláveis, lamentar pelo tempo perdido com sua leitura e penitenciar-me por ser mais um dos perfeitos idiotas que ainda nutrem esperança por um país melhor, mais digno e, sobretudo, mais ético”.

“No aguardo e a conferir, senhor ministro. Afinal, temos uma Pátria Educadora pela frente”!

Penitenciando-me concluo, nobre ministro Renato Janine Ribeiro: descartei seu livro, não sem antes destruí-lo, tornando-o impróprio para um eventual uso. Cuido, com afinco e extremado zelo, para que não caia nas mãos de incautos transformando-os em mais alguns idiotas, assim como eu e seus alunos. Patético, Janine! Lamentável, Professor! Bem-vindo pois, Fouché!

16/09/15

Bellozi

* Reportagem FSP de 14/09.

**Nota de Elio Gaspari.

bellozi
Enviado por bellozi em 17/09/2015
Código do texto: T5385260
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