No inicio dos anos oitenta fui a Brasília de carro pela primeira vez. Cheguei lá quase moído, depois de quinze horas ao volante do meu Passat. Meu destino era a Escola de Administração Fazendária, onde eu iria participar de um curso internacional sobre técnicas alfandegárias. Como era a primeira vez que eu ia para aqueles lados de carro – já havia passado três meses e meio na ESAF por ocasião do meu treinamento para auditor da Receita Federal ─ eu simplesmente errei a entrada da Escola e fui parar lá na Papuda, que fica alguns quilômetros depois, na mesma estrada, que é a rodovia Brasilia - Unaí.
Logo percebi o erro e dei meia volta. O complexo da Papuda nem de longe lembrava o da ESAF, embora o sentimento de solidão, claustrofobia e retiramento seja o mesmo, em relação aos dois edifícios. A ESAF parece um convento, e passar um mês ali dá a impressão que a gente fica pelo menos um ano recluso. Mas era o local onde as melhores cabeças da burocracia brasileira costumava ser formada.
Diferente da penitenciária da Papuda, onde as piores cabeças do centro oeste do Brasil são confinadas. Ou melhor, não as piores, mas talvez as mais perversas. Lembro-me que, nas horas de folga do meu curso eu, com mais alguns colegas, costumávamos correr pela estrada de Unaí, á guisa de exercício. Ás vezes íamos até o Lago Paranoá, e ás vezes, no sentido inverso, costumávamos chegar até próximo da Papuda. Da estrada podíamos ver a Esplanada dos Ministérios, com seus imponentes edifícios, que pareciam caixotes empilhados em fila. Naqueles feios blocos de cimento frio, os destinos do país eram decididos por burocratas insensíveis. A ditadura militar estava no fim e o irascível general Figueiredo contava os dias para se livrar do fardo presidencial e voltar a cuidar dos seus cavalos.
Não sei se ainda dá para ver a Explanada dos Ministérios da estrada de Unaí. Brasília mudou muito desde então. Tornou-se uma metrópole de grandes proporções. Naquela época era até agradável morar lá. A gente ia da ESAF até o Conjunto Nacional em quinze minutos de carro. Da última vez que fui lá, em 2006, o meu táxi levou quarenta minutos do Hotel da Torre, onde eu estava hospedado, até o velho conjunto Gilberto Salomão, onde eu havia marcado encontro com um velho amigo.
Brasilia hoje tem outra face urbana. O que não mudou nada foi o Congresso Nacional. É o mesmo prédio, embora tenha ganho mais anexos. Aliás, minto. O Congresso Nacional mudou sim. Para pior, acho. Lembro-me que nos anos finais da ditadura a gente ia lá para assistir algumas seções e ver como funcionava a casa. Conhecemos alguns parlamentares que mereceram o nosso respeito. Ulisses Guimarães, Mário Covas, Pedro Simon... Naquele tempo os políticos tinham um projeto e uma razão pela qual lutar: o restabelecimento da democracia.
Hoje, ao ver o nível dos nossos parlamentares fico pensando onde nós erramos, desde então. Naquela época, um terço do Congresso era preenchido por indicação do governo militar. Claro que havia muitas excrecências nessas indicações. Tranqueiras como Paulo Malluf, Jader Barbalho, José Sarney e outras indecências políticas fizeram carreira na sombra da ditadura. Mas hoje, que todos são eleitos pelo voto popular, será que temos menos ou mais excrecências? A impressão é que temos mais, pois agora existe maior visibilidade e os trambiques dessa gente ficam mais expostos. Essa é uma das coisas boas da democracia. Não é a toa que o velho Brutus, senador romano que deu a estocada fatal no ditador Júlio César, justificou o seu desesperado ato dizendo que preferia uma república com um pouco de corrupção do que uma ditadura sem nenhuma liberdade para denunciá-la.
Por isso, de tudo que está acontecendo no Brasil de hoje, há uma coisa de bom. As entranhas desse antro de corruptos e corruptores, que se hospeda no Congresso Nacional está sendo exposta como nunca antes na história deste país.
Comecei este artigo falando da ESAF e da Papuda por causa disso. Espero que a ESAF volte a ser um centro destacado de treinamento dos melhores técnicos do serviço público federal, como reconhecidamente era naqueles tempos. E que a Papuda tenha muitas vagas para hospedar essa turma que anda envergonhando o nosso país. Por que o lugar deles não é lá no Planalto, mas sim, na solidão daquele sinistro edifício da estrada de Unaí.
Logo percebi o erro e dei meia volta. O complexo da Papuda nem de longe lembrava o da ESAF, embora o sentimento de solidão, claustrofobia e retiramento seja o mesmo, em relação aos dois edifícios. A ESAF parece um convento, e passar um mês ali dá a impressão que a gente fica pelo menos um ano recluso. Mas era o local onde as melhores cabeças da burocracia brasileira costumava ser formada.
Diferente da penitenciária da Papuda, onde as piores cabeças do centro oeste do Brasil são confinadas. Ou melhor, não as piores, mas talvez as mais perversas. Lembro-me que, nas horas de folga do meu curso eu, com mais alguns colegas, costumávamos correr pela estrada de Unaí, á guisa de exercício. Ás vezes íamos até o Lago Paranoá, e ás vezes, no sentido inverso, costumávamos chegar até próximo da Papuda. Da estrada podíamos ver a Esplanada dos Ministérios, com seus imponentes edifícios, que pareciam caixotes empilhados em fila. Naqueles feios blocos de cimento frio, os destinos do país eram decididos por burocratas insensíveis. A ditadura militar estava no fim e o irascível general Figueiredo contava os dias para se livrar do fardo presidencial e voltar a cuidar dos seus cavalos.
Não sei se ainda dá para ver a Explanada dos Ministérios da estrada de Unaí. Brasília mudou muito desde então. Tornou-se uma metrópole de grandes proporções. Naquela época era até agradável morar lá. A gente ia da ESAF até o Conjunto Nacional em quinze minutos de carro. Da última vez que fui lá, em 2006, o meu táxi levou quarenta minutos do Hotel da Torre, onde eu estava hospedado, até o velho conjunto Gilberto Salomão, onde eu havia marcado encontro com um velho amigo.
Brasilia hoje tem outra face urbana. O que não mudou nada foi o Congresso Nacional. É o mesmo prédio, embora tenha ganho mais anexos. Aliás, minto. O Congresso Nacional mudou sim. Para pior, acho. Lembro-me que nos anos finais da ditadura a gente ia lá para assistir algumas seções e ver como funcionava a casa. Conhecemos alguns parlamentares que mereceram o nosso respeito. Ulisses Guimarães, Mário Covas, Pedro Simon... Naquele tempo os políticos tinham um projeto e uma razão pela qual lutar: o restabelecimento da democracia.
Hoje, ao ver o nível dos nossos parlamentares fico pensando onde nós erramos, desde então. Naquela época, um terço do Congresso era preenchido por indicação do governo militar. Claro que havia muitas excrecências nessas indicações. Tranqueiras como Paulo Malluf, Jader Barbalho, José Sarney e outras indecências políticas fizeram carreira na sombra da ditadura. Mas hoje, que todos são eleitos pelo voto popular, será que temos menos ou mais excrecências? A impressão é que temos mais, pois agora existe maior visibilidade e os trambiques dessa gente ficam mais expostos. Essa é uma das coisas boas da democracia. Não é a toa que o velho Brutus, senador romano que deu a estocada fatal no ditador Júlio César, justificou o seu desesperado ato dizendo que preferia uma república com um pouco de corrupção do que uma ditadura sem nenhuma liberdade para denunciá-la.
Por isso, de tudo que está acontecendo no Brasil de hoje, há uma coisa de bom. As entranhas desse antro de corruptos e corruptores, que se hospeda no Congresso Nacional está sendo exposta como nunca antes na história deste país.
Comecei este artigo falando da ESAF e da Papuda por causa disso. Espero que a ESAF volte a ser um centro destacado de treinamento dos melhores técnicos do serviço público federal, como reconhecidamente era naqueles tempos. E que a Papuda tenha muitas vagas para hospedar essa turma que anda envergonhando o nosso país. Por que o lugar deles não é lá no Planalto, mas sim, na solidão daquele sinistro edifício da estrada de Unaí.