HUNGRIA: CRISE, IMIGRAÇÃO, HISTÓRIA E DIA-A-DIA
Ontem um colega meu, brasileiro, postou uma selfie num protesto que aconteceu anteontem aqui em Pécs, cidade do interior, ao sul da Hungria. O evento reclamava sobre a implantação de um campo de refugiados para 1000 pessoas num vilarejo de apenas 200. Os países ex-comunistas da Europa oriental e central entraram no capitalismo tardiamente, carregando um delay econômico considerável em relação aos outros países europeus. Com a crise recente e episódios como o afluxo de refugiados, têm se intensificado nestes países os sentimentos xenofóbicos e nacionalistas. Na Hungria, especificamente, ganham força grupos políticos conservadores e de extrema-direita, com discursos revisionistas (em relação ao Tratado de Trianon, quando a Hungria perdeu grande parte de seu território após a 1a guerra), anti-União Européia, anti-ciganos, antisemita e anti-imigração.
Dentre os alunos dos Ciência Sem Fronteiras, programa de intercâmbio acadêmico do governo federal, que residem ou residiram na Hungria, parece haver um consenso de que os húngaros em geral não são tão amigáveis a estrangeiros – ou certos estrangeiros –, ao menos não tanto quanto seriam, p.ex., os brasileiros em geral. Uma questão que carece de dados concretos, até porque a sensação de ser “mal-recebido” muitas vezes não se dá para medir, mas, tomando essas opiniões e a minha própria experiência – principalmente comparando com outros países pela Europa –, eu afirmaria isso. Não estou falando dos amigos húngaros, pessoas que, até mesmo por serem amigos, seria contraditório que fossem pessoas que te tratam mal, me refiro ao tratamento dado por pessoas em geral nas relações do dia-a-dia.
Um dia desses fui pagar minhas compras num caixa de supermercado, não encontrei a pilha de cestas onde deveria pôr a minha. Olhei aqui e lá procurando antes de pagar, segundos depois a caixa, uma senhora, me dá um grito em húngaro como se eu tivesse cometido o pior pecado do mundo. Em alguns restaurantes já fui mal atendido. Na Universidade também tive também alguma pouca experiência de antipatia. Nos lugares de socialização também é difícil a relação com os húngaros. A deslealdade do locadores que tentam, e passam, a perna nos seus inquilinos. Estas são algumas situações, com certeza não representam a maioria, mas acontecem com alguma frequência. A língua por vezes, raras vezes, é um problema, mas o que dizer da impaciência e arrogância daqueles que não têm a mínima paciência de tentar entender o que você gentilmente tenta falar na língua deles?
Pois bem, a história não trouxe muita sorte aos húngaros, perderam guerras, tiveram o território aparado, foram tomados pelos nazistas e depois, com a “liberação” soviética, foram incorporados ao bloco comunista. A “Terror Háza”, ótimo museu de Budapeste, mostra muito dessa história, mas, ao mesmo tempo, expõe a complexidade dos “sujeitos históricos” digamos assim. Um vídeo mostra a “troca de roupas” que aconteceu quando os nazistas foram expulsos pelos soviéticos ao final da guerra: pessoas partidárias do “Cruz Flechada”, – versão húngara e subsidiária do Partido Nazista durante a ocupação –, simplesmente aderiram, – por vezes assinando ridículas declarações –, ao Partido Comunista Húngaro, um outro totalitarismo. Segundo o Museu, as eleições pós-liberação foram fraudadas, maqueando a preferência dos húngaros por partidos menores e democráticos, porém, de toda maneira, a tentação de hegemonia e domínio contamina as pessoas, que compõem as sociedades e os estados, de forma que é realmente difícil atribuir culpa ou mérito a estas entidades de forma tão clara.
Todas as atrocidades da “era dos extremos”, o século XX, não parecem suficientes porém para provar o quão erradas são as ideologias de culpalização de grupos e sua exclusão, o nacionalismo, a recusa a relações assistência e aceitação além das relações estritamente econômicas (e vantajosas). A demagogia parece imperar: a culpa do “não-desenvolvimento” da Hungria é dos ciganos, é dos judeus, é dos imigrantes, é dos países da Europa Ocidental, é do tratado de Trianon, mas as apostas históricas de tentativa de domínio, as altas taxas de corrupção do governo húngaro, das empresas e das pessoas, nada disso tem parcela de culpa? O mote é a limpeza étnica/ética, a rotulamento dos grupos inimigos e a exclusão, a exaltação dos “éticos” e puros etnicamente e o tratamento profitável de tudo.
De nós, brasileiros, eu já ouvi e li coisas do tipo “A Hungria é um país lindo, é somente tirar os húngaros” ou “húngaro é uma raça que não deveria existir”. O que é um discurso tão idiota, extremo e generalista quanto quando os húngaros, com a mesma naturalidade, falam e ensinam seus filhos a odiarem os ciganos do país. Olhar para seus próprios erros, respeitar as individualidades, ter paciência, humildade, procurar entender as complexidades e estender a mão são coisas que o século passado deveria nos ter ensinado a praticar – na escala pessoal e de estado. Não é uma questão de tratar os problemas como se eles não existissem, mas é atentar-se aos dados e fatos, à complexidade dos grupos, à individualidade das pessoas, aos próprios erros, é ter consciência de que numa democracia nem sempre as questões se resolvem de forma rápida, mas tende a ser de forma mais justa, é saber balancear perdas econômicas e sociais.
Através da história, principalmente após a Primeira Guerra os húngaros têm emigrado, como durante a Revolução de 1956, que abalou o controle das fronteiras, e muitos húngaros aproveitaram para fugir do país. Exceto por aqueles que por um acidente histórico se viram fora de seu território político (pós-Trianon), há, hoje, cerca de 5 milhões de húngaros fora. A população do país foi de 9,897 milhões em 2013. Não é difícil encontrar universitários húngaros cujo o plano é sair do país e trabalhar na Alemanha, na Áustria ou no Reino Unido, tanto quanto pessoas menos qualificadas. Desejam uma vida melhor diante das dificuldades de seu país de origem, das mesma forma agem os imigrantes que objetivam ou não a Hungria.
Embora os impactos de imigrantes não sejam sempre economicamente negativos – eu apenas ensaio um pensamento sobre esses importantes e complexos detalhes – receber as pessoas em seu próprio país e oferecer-lhe melhores condições, – que por vezes, como no caso dos imigrantes afegãos e sírios, é apenas a paz –, deve ser algo levado em consideração por qualquer estado. A chegada de muitos imigrantes, e de uma vez só, ou um alto número de imigrantes não suportado pela robustez de uma economia frágil, também o controle sanitário (doenças trazidas ou com as quais os imigrantes podem se deparar), controle documental, esses sim são problemas de fato. Que devem ser tratados sob aqueles termos dos quais falei.
Segundo a Eurostat, dados de 2013, o País abrigava apenas 1,4% de imigrantes em relação à sua população total, taxa mais alta que apenas 6 de 32 países europeus (U.E. 28 + 4) (1). Nos últimos anos têm aumentado o afluxo de refugiados em direção à Europa que entram pela Hungria a partir da Sérvia. Segundo o governo, 60 mil pessoas cruzaram o país em 2015. A Convenção de Dublin, tratado da União Européia, determina que as pessoas demandante de asilo político são de responsabilidade dos países pelos quais elas entraram no bloco, o que é de fato uma preocupação a ser considerada. É preciso analisar a dimensão do problema e o que pode ser feito.
Entretando, isso tem sido tratado da pior das formas pelo governo conservador aportado pela crescente onda de conservadorismo entre a população. A demagogia tem trazido o problema para o primeiro plano e o risco de se tornar o bode expiatório de todos os problemas do país cresce em cada ato. Esse ano o governo fez uma campanha com outdoors nas ruas das cidades húngaras direcionados aos imigrantes, com frases como “se vierem a meu país, respeitem nossa cultura” ou “se vocês vêm para a Hungria, não deveriam roubar nossos empregos”. Além disso está construindo uma cerca de arame farpado na fronteira com a Sérvia, mostrando como exatamente é a visão, ao menos do governo, em relações a tais problemas humanitários. O presidente do país disse: “Eu não considero correto isso de eles nos enviarem refugiados, nós achamos que eles devem ser parados na Sérvia.”(2) Fazendo eco, agora pessoas saindo às ruas com camisas da Hungria e cartazes contra a imigração. Não tenho dúvida de que o governo e os setores conservadores estão gostando de que a população pense que realmente esse é um dos grandes problemas do país.
1. Gráfico da população imigrantes nos países da União Européia e outros europeus [http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/File:Non-national_population_by_group_of_citizenship,_1_January_2014_(%C2%B9)_YB15.png]
2. http://www.rt.com/news/269236-hungary-immigrants-suspends-rules/
3. Artigo completo da Eurostat: [http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Migration_and_migrant_population_statistics#Migration_flows]
4. [http://bigstory.ap.org/article/0cab3da6a95e43c1880d6289bbf38db4/radicals-hungary-vows-series-anti-immigrant-protests]