2015 no Ar
As imagens de 2015 nos mostram um mundo distante. Esse mundo que estará dando lugar a outro daqui a pouco. Tudo deverá se repetir, com nuances imperceptíveis, embora às vezes distintas. Um ou mais modelos de iPhone deverão aparecer. Novos carros zero logicamente surgirão. Possivelmente um acréscimo no número de comportamentos bipolares será observado...
Mas, em essência, continuaremos sumariamente alienados, com comportamentos e atitudes previsíveis. Que nunca conseguimos descartar. Sobretudo se nos inserimos nesse tipo de lógica urbana eficaz e onipresente. Apple, Microsoft, computadores, ultra sensores digitais – toda essa parafernália quase que com a mesma capacidade multiplicadora dos vírus e bactérias que nos consomem sem que o percebamos. Dando-nos a impressão de que, no fundo, nada inventamos. Colocando-nos em situação bem diferente do homem interiorano, para quem talvez não sejam tão significativos ainda os reflexos condicionados.
Situação que não nos permite que nos ocupemos – nós do chamado Terceiro Mundo, esse das Américas Central e do Sul – com a aura de corrupção que assola os países que ironicamente não admitimos que sejam mais nossos irmãos que os desenvolvidos. Que em grande parte enriqueceram com base na nossa colonização.
Não se tratam de prognósticos para 2015, mas se olharmos para 2014 certamente não veremos um ano muito diferente desse que ora se inicia. Vamos ver que continuaremos a usar as redes sociais, por exemplo, para nos divertirmos ou divertirmos nossos amigos ou outras pessoas; nos promovermos e destilarmos um pouco da vaidade que todos temos – porque ninguém é de ferro –; para nos depararmos e mostrarmos como “é fantástico esse show da vida”, com cenas pouco comuns em nossa vida diária. O que é normal, ou não seríamos os seres que somos, submetidos a condicionamentos que se apresentam com indumentárias diferentes ao longo das décadas ou mesmo séculos, mas que no fundo são os mesmos.
No caso da América Latina, não nos parece que exista por aí algo similar a uma Frente Latino-Americana Contra a Corrupção, precipitada a partir, por exemplo, do nosso país. Onde qualquer deputado, com o salário básico de 27 ou 30 mil reais, na realidade percebe mais de 100 ou 150 mil por mês, face às diferentes vantagens de que dispõem (auxílio isso, auxílio aquilo), contidas na excrescência maior que é a prerrogativa de poderem determinar o próprio aumento de seus rendimentos. Situação que nos indigna a todos, mas que ao mesmo tempo nos anestesia, pois se acha inserida num status quo ao qual já estamos inteiramente habituados e esquecidos de que é absurdo.
Quando, na verdade, a solução seria simples. Bastaria que exigíssemos leis que acabassem com essa prerrogativa ultrajante, também estendida a desembargadores, juízes e outras categorias com foro privilegiado. Coisa que nenhum trabalhador possui.
Enquanto isso, preferimos dar dois ou três reais ao menino ou homem feito que, no sinal fechado, levanta a camisa para mostrar que não está armado e vem limpar o nosso para-brisa. Por que assim nos sentimos melhor. E quanto ao que nos faz sentir mal, como faz mal também a todo o país, nada conseguimos fazer.
Santiago, Chile, 01/01/2015