A crise hegemônica e as eleições de 2018
O país enfrenta atualmente uma crise de representatividade em decorrência das manifestações e protestos nas ruas, a partir de junho de 2013, que se espalharam por todo o país. O distanciamento entre representantes e representados começou a afetar o presidencialismo de coalizão, pois há um deslocamento entre os desejos e aspirações de amplas camadas da sociedade e o exercício real do poder nas mãos dos políticos. Há uma crise hegemônica que afeta a legitimidade do sistema político e a necessidade de redefinição do polo hegemônico. A agenda política deixa claro que há tanto a necessidade de investimento em infraestrutura em todo o país como uma pressão social por demandas reprimidas nas áreas da saúde, da educação, do transporte, da segurança pública e da política, com mais transparência, melhor representação e menos corrupção.
O Polo Hegemônico no Presidencialismo de Coalizão forma-se através de ideias e projetos que sustentem e atraiam apoiadores para esta hegemonia. A cada eleição de presidente da República forma-se um polo hegemônico que se faz representar através do apoio majoritário na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Os partidos que apoiam o governo recebem cargos e verbas em troca do apoio parlamentar.
Em contraposição ao polo hegemônico há o polo anti-hegemônico que busca a cada eleição presidencial atrair apoios para transformar-se em um novo polo hegemônico. O polo hegemônico vitorioso com o PSDB defendeu a estabilidade econômica e reformas do Estado nas eleições de 1994 e 1998. O polo hegemônico vitorioso com o PT defendeu avanço nos gastos sociais nas eleições de 2002, 2006 e 2010. A polarização eleitoral nas cinco eleições não permitiu o surgimento de um tertius independente (terceira força) capaz de romper a lógica do sistema do presidencialismo de coalizão que se baseia na formação do polo hegemônico e do polo anti-hegemônico.
O surgimento do tertius independente (terceira força) é capaz de desestabilizar o sistema de presidencialismo de coalizão por causar instabilidade política com desfechos imprevisíveis. Em 1992, antes da gênese do atual funcionamento do presidencialismo de coalizão, houve uma grave crise hegemônica onde o presidente não conseguiu atrair um apoio parlamentar suficiente para se manter no poder. O tertius independente, de origem parlamentar, foi atraído para formar um polo hegemônico. No caso em questão, houve a aprovação do impeachment do presidente Collor em 1992 e um amplo apoio ao presidente Itamar em 1993/1994.
A constituição estabelece que os poderes são independentes e harmônicos. O presidencialismo clássico funcionou desta maneira apenas durante a República Velha até 1930. O presidente Campos Salles deixou clara a implantação deste sistema de governo em seu livro Da Propaganda à Presidência. Tanto sob a égide da Constituição de 1946 como da atual Constituição de 1988, na verdade, há o presidencialismo de coalizão cuja terminologia foi consagrada por Sérgio Abranches. Há a formação de uma coalizão de partidos para apoiar o presidente em negociações que envolvem cargos, verbas e ministérios.
O presidente da República acumula os poderes de chefe de estado e de chefe de governo no sistema presidencialista. Há a necessidade de formação de uma coalizão de governo por causa do sistema multipartidário. A assimetria de poder entre executivo e legislativo é consequência do presidente estabelecer a agenda política e a pauta de votação no legislativo, tanto com o envio de projetos de lei como principalmente por causa das medidas provisórias. O funcionamento do presidencialismo de coalizão depende muito da forma como atua o presidente da República (para manutenção do polo hegemônico) e também das circunstâncias que o cercam durante seu mandato.
O controle das presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal mostra-se importante para o executivo ditar seus interesses no legislativo, como visto desde o governo Itamar Franco (1993/1994), Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), Lula (2003/2010) até Dilma Rousseff (2011/2014). Entretanto, após a reeleição da presidente para o quadriênio 2015/2018, houve a perda do controle da presidência das duas casas legislativas. O presidencialismo de coalizão com o poder concentrado na presidente passou para um presidencialismo de coabitação com o poder compartilhado com o legislativo. A presidente continua com os poderes de chefe de estado, mas sofreu um esvaziamento de seus poderes de chefe de governo. O legislativo ganhou autonomia e independência em contraponto à presidente que controla o executivo, mas não controla mais a agenda política e a pauta de votação no legislativo, pois perdeu seu poder hegemônico na coalizão de governo.
Por analogia com o governo de coabitação – estabelecido pelo cientista político francês Maurice Duverger na análise do sistema misto de governo – surgiu um presidencialismo de coabitação que pode durar durante todo o biênio 2015/2016. Por um lado, a trajetória da economia e da política, até o início de 2017, será decisiva para definir não apenas se a presidente conseguirá retomar o controle das duas casas legislativas para restaurar seu poder no presidencialismo de coalizão ou se continuará sob o presidencialismo de coabitação no biênio 2017/2018, mas principalmente pela influência das eleições municipais de 2016 e das eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para as articulações políticas visando as eleições de 2018. Por outro lado, não se pode descartar que a instabilidade política provoque um desfecho imprevisível dado o agravamento da crise econômica com o aprofundamento da recessão no segundo semestre de 2015. A crise hegemônica colocaria o próprio presidencialismo de coalizão em xeque por causa da necessidade de uma maior autonomia federativa em decorrência da pauta de reivindicações da sociedade ser mais heterogênea devendo ser direcionada para os estados e para os municípios com a descentralização da verba e do poder excessivamente concentrado na União, visando atender as demandas sociais da população.
Luiz Roberto Da Costa Júnior, 46 anos, é mestre em ciência política (IFCH/Unicamp) com dissertação de mestrado sobre sistema de governo.