Um texto sobre aborto
Certo dia, passando as postagens em meu Facebook, encontrei uma publicação bastante interessante e resolvi expô-la neste artigo. Pensei muito antes de decidir comentar essa publicação. Mas, como meu senso crítico falou muito mais alto, então, lá vai.
Curiosamente, a autora da dita publicação começou a mesma demonstrando receio em polemizar: “Eu pensei em não postar, pra evitar a polêmica, mas polêmica, aqui estou!”. E continuou: “Por que legalizar o aborto é importante?”. Tenho essa frase como um título. Desde já, adianto que a autora se mostrou favorável à descriminalização da prática de aborto. Assim ela introduziu: “Entre o debate que se deu entre a ‘proteção a vida’ e a ‘liberdade do corpo’, fico refletindo porque seria importante legalizar o aborto. Os argumentos são os mais distintos para ambos os lados, mas o que me faz pender para a legalização são motivos que pouco vejo levantadas as bandeiras. O primeiro deles é a condição do bebê após o parto. Por mais que sim, existam métodos contraceptivos de fácil acesso, nós não podemos nos esquecer de que TODOS, TODOS eles tem uma margem de erro (exceto o celibato). Em um país onde os adolescentes consideram uma brincadeira divertida entrar na farmácia para furar os pacotes de camisinha, o percentual de falhas aumenta muito. Outro detalhe importante é que a contracepção não é responsabilidade apenas da mulher - essa é uma visão machista que não deveria ser perpetuada - é uma responsabilidade do casal (esteja ele casado há 20 anos ou um encontro fugaz de carnaval).”.
É bem verdade que, na maioria das discussões sobre aborto, pouco se aborde a condição da criança após o parto. A autora, responsavelmente, aponta que há uma falta de responsabilidade entre os jovens (especialmente em época de carnaval), e que a criança obtida a partir de um ato sexual consentido diz respeito tanto ao homem quanto à mulher, afinal, a menos que por abiogênese, a criança existe a partir de seus progenitores, cabendo a ambos o encargo natural dos cuidados básicos para com o recém-nascido. Sendo assim, até aqui nenhuma crítica. O “bicho pega” a partir deste parágrafo:
“O ponto é que, depois de concebida, a criança filha de pais desempregados, com família sem condição financeira, nem sempre é desejada. Na verdade, na maioria dos casos ela passa a ser vista como um estorvo, e desde antes mesmo do nascimento começam os abusos. Trabalho infantil, agressões, negligência... Daí o Conselho Tutelar e a Assistência Social são chamados para tentar resolver a situação da criança. Dependendo do caso, a criança será retirada do lar e, talvez, encaminhada para a adoção. Os abrigos brasileiros não suprem a demanda de crianças que precisam de atendimento, os casais não querem, na sua maioria, adotar crianças com alguma doença grave, maiores de 3 anos ou afro descendentes. Todo mundo quer ter seu filho branco de olhos azuis, mas essa não é a maioria das crianças que estão em abrigos, que muitas vezes sobrevivem graças a doações da população. Logo, a criança não é retirada de uma situação de vulnerabilidade, mas colocada em uma diferente.”
A autora mostra aqui uma preocupação nítida: a condição dos recém-nascidos em famílias pobres. Mas, vale aqui ressaltar que o desemprego não é uma condição, e sim, uma situação. Ou seja, o fato de os pais estarem desempregados, por si só, não os torna permanentemente incapazes de cuidar da criança. Até porque, uma vez admitindo “incapacidade financeira”, os pais estariam justificando a irresponsabilidade condenada pela autora em seu introdutório. Quando um erro é justificado, deixa de ser erro. Segundo a autora, a criança “passa a ser vista como um estorvo, e desde antes mesmo do nascimento começam os abusos.”. O que deve ser posto em questão até esse ponto é: a criança jamais fora indagada sobre em qual família ela deveria nascer e, jamais se achara capaz de responder a tal questionamento, mas sem sombra de dúvida, se pudesse escolher, não optaria por um lar em que fosse vista como um estorvo. É óbvio que a criança tem direito a uma vida digna, mas estaria esse direito acima do próprio direito a vida em si? Nossa exímia autora responde:
“Ah, mas essa criança tinha o direito de viver! Concordo, mas você ei de concordar comigo que acima de um direito a vida por si, ela tinha direito a uma vida com dignidade, e isso os pais dela não são capazes de propiciar, muito menos o Estado.”
Então, analisemos de novo: a criança tem o direito de viver, MAS antes do direito à vida, ela tem o direito a “uma vida com dignidade”. Ou seja, partindo desse pressuposto, enquanto na pobreza, a família tem todo o direito de acabar com quantas vidas fetais quiser, até que chegue a um patamar socioeconômico melhor, e assim, a vida “sorteada” possa ser concebida e aceita, sem ser um “estorvo”. A criança tem direito a vida, mas, a uma vida digna. Ou seja, a menos que a família possa proporcionar a criança um “berço de ouro” ou, no mínimo, um lar de classe média, o direito ao abortamento estará legitimado. Ademais, vemos aqui uma controvérsia: que dignidade teria um feto abortado? Continuando:
“O ponto é, legal ou não, o abordo (transcrevo exatamente como está no texto original) acontece, e a falta de regulação é a GRANDE responsável por certas distorções. E legalização significa isso: REGULAÇÃO. Você impede que mulheres morram enquanto realizam o procedimento, assim como você impede que crianças nasçam vivas, mas com consequências nefastas de um aborto que não deu certo. Você impede que uma mulher, aos sete meses de gravidez, tente um aborto clandestino que vai matar mãe e feto (ou bebê, como preferir), porque ela não conseguiu arrumar um aborto antes.”
Em primeiro lugar, o fato de um país legalizar a prática de aborto não elimina a existência das vias clandestinas. Na verdade, ocorre o contrário. O Uruguai é o grande exemplo: é cada vez menor o número de abortos nas redes de saúde legais (queda de quase 80%), o que significa um aumento brutal do uso de redes clandestinas. Em segundo lugar, a descriminalização do aborto não asseguraria necessariamente um serviço médico de qualidade às gestantes, principalmente se tratando do SUS.
“Você é contra o aborto? Tudo bem! É seu direito, eu respeito os seus motivos, mas você também tem que respeitar os motivos e condições de outra mulher que não seja. Você é contra? Não faça um aborto. Legalizar o aborto não significa que o Estado vai forçar você a fazer um (como tudo que se fala em legalizar neste país parece, que vão forçar você a fazer/usar/ter), e sim que as mulheres que entendem essa como uma opção não sejam presas e maltratadas no sistema de saúde por uma escolha individual, quando nem você, nem o médico que a assiste depois de um procedimento mal feito, fariam nada para ajudar a mãe, que tomava pílula e está desempregada, mas ainda assim aconteceu e ela não viu outra saída.”
Aqui, infelizmente, há uma apelação ao crime mais bárbaro que um ser humano pode cometer: o assassinato de vidas indefesas. É bem verdade que LEGALIZAÇÃO não é o mesmo que OBRIGATORIEDADE, mas o fato da gestante possuir dificuldades financeiras, por si só, não justifica essa barbaridade. A autora coloca um ultimato às pessoas que são contra o aborto: só podem se opor se estiverem dispostos a ajudar a mãe. Honestamente, não posso negar que há uma lógica nesse argumento. Mas, a menos que em um caso de gravidez por estupro, a mãe escolheu praticar sexo sem responsabilidade. “Você é livre para fazer escolhas, mas prisioneiro das consequências.”. Ademais, temos aí uma forma bem mascarada de justificar a eutanásia, ou até mesmo, o homicídio em alguns casos. Por exemplo, uma jovem mulher pobre vive com a sua mãe, uma velha senhora que possui muitos problemas de saúde, e a jovem mulher não tem condições financeiras para conseguir sustentar a mãe de forma adequada. Não tem dinheiro para tratamentos médicos, nem para medicamentos, nem para fraudas geriátricas. Vive em um barracão, ganha mal no trabalho, sequer tem uma televisão para o mínimo entretenimento. Nesse caso, se a jovem mulher resolvesse matar sua mãe, alegando não ter condições de proporcionar uma vida melhor à idosa, só poderia ser questionada por quem estivesse disposto a ajudá-la com as despesas. Ou seja, entre o aborto e o assassinato: qual a diferença?
“Eu sou contra o abordo? Não sei. Mas eu sou a favor de uma regulação que determine até quando a mulher pode se submeter a este procedimento, que a esta mulher seja oferecido auxílio psicológico antes (vai que ela desiste, não?) e depois do procedimento. Sou a favor que a dignidade da mãe e do feto, ainda que abortado, sejam preservadas.”.
Essa última frase foi ótima: “a dignidade da mãe e do feto, ainda que abortado, sejam preservadas.”. Que dignidade tem um feto abortado? Um morto tem dignidade em quê? A ilustre autora ainda defende um atendimento psicológico. Mas...não era apenas quem estivesse disposto a ajudar (financeiramente) que poderia palpitar? A própria autora admite que o aborto pode ser traumático para mãe, pois defende o atendimento psicológico mesmo após o procedimento.
Em suma, posso apresentar aqui bastantes outros argumentos dos movimentos pró-aborto, mas mesmo sem citá-los, posso afirmar com toda propriedade: não há nenhum que justifique o aborto sem legitimar o homicídio. O texto da autora aqui explanado pode ser avaliado por outros pontos de vista, favoráveis ou não. A insensibilidade de muitos que defendem o aborto é o que mais surpreende, contudo, não se nega uma boa polêmica sobre esse tema, por mais frios que sejam os indivíduos que levantam essa bandeira.