Democracia: conflitos e manifestações
Novamente tivemos a organização de mais algumas manifestações por todo o Brasil. Uma parte da população, em pleno domingo do dia 12 de abril, voltou às ruas para gritar em favor de muita e pouca coisa. Só de pensar em algumas reivindicações sinto mal-estar e percebo o pouco que nossa democracia avançou ou o muito do que ela produziu de insatisfação fascista, haja vista que a democracia por definição comporta conflitos e contraditórios multifacetados e uma polifonia de gritos capazes de derrubar ditadores. De todo modo, as novas manifestações - as quais no passado vieram acompanhadas por jantares com panelinhas ao vento - receberam razoável apoio. O governo apontou para a diminuição da participação dos bípedes humanos e comemorou com exaltação. Já a oposição, a qual prometeu a presença do senador Aécio Neves (PSDB), ficou quietinha porque poucos foram as autoridades que deram a cara à tapa. O fato que entre “direita” ou “esquerda”, oposição ou situação, algumas questões devem (ou deveriam) estar bem claras na cabeça dos participantes.
1 - A senhora Dilma Rousseff (PT) ganhou uma eleição democraticamente. As regras do jogo eram claras: os candidatos tentaram o seu lugar ao sol da política, mostraram os projetos e a população se rendeu às urnas, logo cumpre aos perdedores o papel de oposição e de críticos vorazes ao projeto da vencedora.
2 - É óbvio que as manifestações merecem respeito. Contudo, é perigoso quando um partido, sindicato ou organização se dizem os arautos da verdade e do caminho certo a seguir. Neste caminho sempre se produz o “efeito manada” e lá se vão os carneirinhos a balançar sininhos atrás de outros carneirinhos. Detalhe importante: lideranças falam e bradam, mas poucas aparecem de fato na rua. Liderar grupos consomem tempo e trabalho e a continuidade de uma exposição não raro produz cansaço e dúvida nas lideranças. Outro detalhe: em todo movimento existe o efeito “carona”, como é de graça muita gente vai, os que vão por ideologia, logo ficam sem ela porque viram massa na manobra diária que não comporta a liberdade de pensamento.
3 - O pedido de impeachment da senhora Dilma Rousseff (PT) é uma palhaçada que determinados deputados não cansam de fazer. Compará-la ao Fernando Collor (PTB) - e a mídia ignorante gosta disso - é pior ainda. A defesa de um impeachment não vem sem provas de um crime - e um crime perfeito - e jogar a responsabilidade do petrolão e de outros “aõs” nas costas de um presidente que não governa longe do legislativo e do judiciário é absurdo.
4 – É bom saber que democracias devem ter o mínimo de organização. A história do Brasil é a história de um lento e necessário fortalecimento das instituições (instituições fortalecidas diminuem o poder dos indivíduos e espantam as personalidades autoritárias). Há tempos vemos as relações entre os poderes mais ou menos transparentes (a oposição conservadora até ganhou no senado e no congresso) e a mídia está mais livre do que nunca. Logo, essa ideia de "golpe" é ridícula. Detalhe: a mídia no Brasil é produto do conelismo político e midiático e é bom ter muito cuidado com o que ler e ver. Nossos meios de comunicação não são de dar voz ao contraditório.
5 – Por último, somente para economizar linhas, democracia é conflito, um conjunto de argumentos que muitas vezes não estão em sintonia. Democracia é lugar do convencimento e perde quem não convence ou que parte para o ódio ou para a violência sem fim. Penso que esta onda contra o governo, legítima até certo ponto, é o resultado de lutas e interesses políticos que não se rendem aos convencimentos ou a perda deles pelo voto. Neste campo, ou aprendemos a lidar com os conflitos e suas manifestações ou sempre teremos a possibilidade de perder uma democracia que – apesar de manca – ainda tem como andar por longos caminhos.