Por onde estiveram vocês?

Sem dúvida, foi um fim de semana histórico na capital paulista. Em dois dias, 1.100.000 pessoas – segundo as especulações mais otimistas – tomaram a Avenida Paulista. Ela, tão famosa, tão emblemática, tão histórica e tão importante para a maior cidade brasileira, sempre foi um símbolo financeiro do progresso bandeirante e acostumou-se a receber multidões. Por tudo isso, e mais um pouco, é a preferida de todos para as grandes reuniões e manifestações que ocorrem na cidade de São Paulo.

Ao longo de sua história, a mais rica das avenidas presenciou os mais variados tipos de pessoas e acontecimentos. Em seu asfalto e em suas calçadas, já andaram barões de cafés e banqueiros, manés e roqueiros, miseráveis e honoráveis, marginais e policiais, damas e putas, cavalheiros e filhos-das-putas; todos em suas labutas. Por ela, se viram desfiles e passeatas, gays e carreatas, evangélicos e tanques bélicos, torcedores campeões e também os brigões. Infelizmente, ela também já vivenciou tragédias. Sofreu com prédio queimando e gente pulando, ambulância correndo e paciente morrendo, carro destroçado e jovem sem braço. Cantada em versos ou xingada pelos avessos, todo dia acompanha o Sol acordar esperto em uma ponta e deitar cansado em seu outro extremo. Nas noites, não se incomoda com as variadas frequências que percorrem suas incontáveis antenas, enquanto guarda grandiosas e valiosas obras; às centenas. Para muitos, ela é o paraíso. Para outros, ela é doce brigadeiro. Para alguns, ela é consolação.

Avenida de muitas cores, nos dias 13 e 15 de março de 2015, ela – sempre exibida - se viu vestida em duas cores. Em dias diferentes, vermelhos e amarelos a invadiram, gritaram e cantaram com ela. Arregimentados e decididos vibraram, choraram e sonharam. Certos e errados mostraram opiniões e reclamaram posições. Secos e molhados pediram o que queriam e o que desconheciam. Afortunados e desafortunados desejaram o que não tinham e desprezaram o que já tinham. Calados soltaram a voz e falantes estouram alto-falantes. O trem do seu ser profundo não parou de descarregar gente, e assim; o senhor trouxe a senhora que trouxe a filha que trouxe o namorado que trouxe a criança que trouxe o cachorro que trouxe a pulga que não trouxe ninguém. Do alto, em helicópteros, de minuto em minuto, matemáticos malucos tentaram contar quantas cabeças cabiam nas multidões. Os malucos de cá, nunca compreendem como chegam aos resultados, e sempre fica a dúvida de quem é que realmente acerta a conta. Como nunca há consenso no que se vê na mídia, melhor sempre optar pela média.

A Paulista, eternamente convencida de seu status, certamente gostou e não reclamou da grande visitação, mas no seu íntimo deve ter se perguntado uma infinidade de vezes: Por onde estiveram vocês quando suas cidades foram tomadas de assalto e os cidadãos indefesos foram mortos nas ruas, nos bares e em seus lares? Por onde estiveram vocês enquanto recém-nascidos, crianças, jovens, homens, mulheres, idosos, idosas, brancos, negros, pobres e ricos eram friamente assassinados? Por onde estiveram vocês enquanto perdiam a liberdade de andarem seguros nas ruas a qualquer hora do dia? Por onde estiveram vocês quando diferentes foram barbaramente espancados por serem apenas diferentes? Por onde estiveram vocês quando rios, lagos, represas e canos secaram? Por onde estiveram vocês enquanto seus filhos e professores mal pagos sofriam com a deterioração do sistema público de educação? Por onde estiveram vocês quando souberam que seus filhos estudavam em salas superlotadas? Por onde estiveram vocês quando os leitos hospitalares ficaram lotados de pacientes recebendo atendimento precário em hospitais em péssimas condições? Por onde estiveram vocês quando centenas de presos foram mortos dentro de suas celas? Por onde estiveram vocês enquanto centenas de policiais eram caçados e sumariamente fuzilados? Por onde estiveram vocês enquanto as ruas eram engolidas por drogas, drogados e traficantes? Por onde estiveram vocês enquanto torcedores, a cada gol, cruelmente matavam? Por onde estiveram vocês enquanto suas favelas queimavam e seus moradores ardiam em chamas? Por onde estiveram vocês enquanto andavam, como sardinhas enlatadas, nos ônibus e trens absurdamente lotados? Por onde estiveram vocês enquanto aceitavam pagar tarifas e pedágios abusivos? Por onde estiveram vocês quando pessoas eram torturadas, vozes eram caladas, almas e liberdades eliminadas? Por onde estiveram vocês quando eu aqui, no mesmo lugar estava, mas não existiam permissões para se manifestar?

A Avenida Paulista, como sempre fez, continuará no mesmo lugar e ficará grata, emocionada e terá um enorme prazer em ser uma ótima anfitriã e recebê-los novamente. Mas antes, ela gostaria de ter sua principal pergunta respondida. Afinal, por onde estiveram vocês?