GOVERNOS E DESGOVERNOS

Até certo ponto é desconcertante o paradoxo histórico pelo qual todos os grupos humanos necessitam de governantes. Propriamente a pessoa é considerada adulta quando consegue sua autonomia. Isto é, quando é capaz de se governar a si mesma. O fato de ainda hoje os homens necessitarem que outros os governem significa que a humanidade ainda não se tornou adulta. Como esta situação já foi constatada há milênios, ao que parece, a humanidade nunca se libertará de sua infantilidade, e também no futuro se submeterá a governantes.

Somente utopistas extremos propõem o fim de todos os governos. Em contraposição a estes, a maioria dos pensadores, minimamente realistas, em vez de negarem a necessidade de governo, preferem analisar qual seria o melhor sistema de Governo. Neste sentido, são clássicas as considerações do filósofo Platão, no IV século a.C., sobre as formas de governo. Para Platão, as formas básicas de Governo são: democracia, aristocracia e monarquia. Mas estas formas, com o tempo, costumam degenerar: democracia em anarquia; aristocracia em oligarquia; monarquia em tirania. Claro, estes três sistemas de governo, e seus desgovernos, admitem variantes e formas mistas.

Desde o Renascimento, e principalmente a partir do Iluminismo, a civilização ocidental optou pela democracia. Ou, ao menos, pelas monarquias constitucionais. Isto não significa que os desgovernos não tenham sido frequentes, com rupturas democráticas, anarquias, ditaduras e tiranias. Mas, mesmo neste redemoinho histórico, a aspiração da humanidade é por uma vida adulta, em que o indivíduo busca uma autonomia responsável, confiando que os governos não sejam dominadores, mas coordenem a solidariedade dos cidadãos. No entender de hoje, a função da democracia seria justamente isto. E, na medida em que esta função não é mais cumprida se multiplicam os problemas. É nesta coesão solidária que se fundamenta o contrato social (a constituição) de qualquer país, coordenado por seus governantes. O Governo destes governantes apenas se legitima na medida em que conseguem firmar a solidariedade entre os cidadãos.

A partir deste princípio de solidariedade, perguntemos até que ponto o nosso Governo se legitima. O Brasil é um país solidário? É solidário um país em que falta saúde, educação, justiça social? Um país em que a maioria dos salários são de fome, em que grande parte vive em favelas miseráveis, em que a violência é uma chaga social, em que não há segurança, em que os assassinatos parecem endêmicos, em que as prisões são um vexame para qualquer humanista, em que a justiça é uma vergonha, em que reina a impunidade, em que as elites políticas e empresariais são corruptas ao extremo, em que os governantes mentem descaradamente ao povo?

É democraticamente legítimo um governante que iludiu votantes ingênuos e ignorantes, através de objetivas mentiras? É ético exigir de um cidadão que obedeça e respeite um chefe mentiroso?

Cada qual poderá, aqui, acrescentar as mazelas da falta de solidariedade que empestam a convivência nacional.

Oh tempos! oh costumes! já proclamava o senador romano Cícero, no 1º. Século, a.C.

Em nosso tempo, brasileiros de todas as cores e de todas as ideologias, é oportuno perguntar: quem deveria fazer a reforma social e política necessária para fundamentar uma vida solidária em nosso País? Com certeza, é urgentíssimo encontrar caminhos que superem nosso desgoverno. Ser governado por mentirosos, corruptos e incompetentes, é lasca!

Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife- PE.