Presidencialismo de coalizão em crise?
O sistema de governo no Brasil é conhecido como presidencialismo de coalizão. Este se baseia na formação de uma base de governo com vários partidos que controlam ministérios, cargos e verbas em troca de apoio ao governo no legislativo. Portanto, trata-se de um modelo híbrido.
Há duas eleições que devem ser vencidas pela coalizão que apresenta um projeto hegemônico para a sociedade: as eleições para o executivo e as eleições para o legislativo. A partir do resultado das eleições legislativas pode-se traçar a força do governo, que ganhou as eleições para o executivo, para apresentar sua agenda política e controlar a pauta de votação.
Se a coalizão de governo conseguir uma sólida maioria qualificada de 308 votos na Câmara dos Deputados (três quintos dos 513 membros) e 49 votos no Senado Federal (três quintos dos 81 membros) pode apresentar propostas de emenda à constituição (PECs). Não tendo este quórum, normalmente uma coalizão de governo deve formar uma sólida maioria absoluta de 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado Federal para governar o país, o que permite aprovar tanto leis ordinárias como, principalmente, leis complementares.
Uma coalizão de governo pode estar em minoria, em uma das casas do Congresso Nacional ou em ambas, e assim depender de votos de bancadas independentes ou da oposição para conseguir aprovar leis complementares que exigem a maioria absoluta nas duas casas do Congresso Nacional. Neste caso, se o governo controla a pauta de votação e não consegue os votos necessários para aprovação de alguma matéria que exija a maioria absoluta, fica caracterizado que houve derrota do governo.
Finalmente, uma coalizão de governo que ganhou as eleições para o executivo pode sofrer uma derrota nas eleições legislativas e o governo ficar em minoria. Neste caso, o controle da presidência da Câmara dos Deputados é uma questão chave. A formação de uma coalizão, contrária aos interesses do executivo, pode eleger um presidente da Câmara dos Deputados que apresente uma agenda política autônoma e defina a pauta de votação. Trata-se de um governo de coabitação. O executivo administra o governo com os ministros, mas o legislativo define as pautas de votação. Há, portanto, um conflito de interesses entre o executivo e o legislativo. As pautas de votação seguem o interesse da coalizão que é maioria absoluta no legislativo e não o que seria de interesse da coalizão que controla o executivo.
Governo de coabitação ocorre normalmente quando há sistema misto de governo (eleição direta para presidente como chefe de estado e formação de maioria absoluta para primeiro-ministro como chefe de governo). Uma coalizão de centro-esquerda apoia o presidente e uma coalizão de centro-direita apoia o primeiro-ministro ou vice-versa. No caso brasileiro, por analogia ao sistema analisado pelo cientista político francês Maurice Duverger (1917-2014), embora com algumas ressalvas, pois não há primeiro-ministro ou possibilidade de convocação de eleições para superar os impasses políticos, o país pode estar diante de uma diarquia de poder (a presidente que controla o executivo versus o presidente da câmara dos deputados que controla a agenda política e a pauta de votação no legislativo) pelos próximos dois anos ou, em caso de uma crise de coabitação (confronto aberto entre os poderes), pode estar diante de uma grave crise política a partir dos desdobramentos das manifestações de março.
Luiz Roberto Da Costa Júnior, 46 anos, é mestre em ciência política (IFCH/Unicamp) com dissertação de mestrado sobre sistema de governo.