Um pressuposto pouco mencionado...
Um pressuposto pouco mencionado.
Publicado no Correio Riograndense de 4/2/2015
Assusta-me verificar que a responsabilidade ética pessoal é assunto não mencionado nas discussões sobre as tumultuadas sociedades contemporâneas. O óbvio é esquecido como se, por ser óbvio, não precisasse ser lembrado como variável determinante na solução dos vários problemas que nos afligem. A crise global, a crise do Humanismo, nos conduz a tentar recuperar o debate sobre a ética como elemento também de responsabilidade individual e não apenas como ingrediente histórico de Leis, resultado de lutas sociais do passado.
No contexto atual parece que a questão ética – “fazer o bem e evitar o mal”- se resolve em não ser flagrado na violação de uma lei e preso. Não foi assim que a humanidade evoluiu: a crença em determinados valores éticos permitiu a existência de um ambiente social, com densidade moral suficiente, para que prevalecesse o bem e o processo civilizatório avançasse.
Por mais que se providencie leis punitivas, por mais que a polícia e as instituições responsáveis pela sua observância sejam aperfeiçoadas, muitos cidadãos sempre encontrarão formas de contornar as leis e se beneficiar de atos ilícitos. Viveríamos a ditadura de sistemas políticos com legislação abundante, cada vez mais detalhada, com vistas a punir os malfeitores flagrados. A honestidade deixaria de ser o estado de vida humana naturalmente correta, mas uma maneira de viver condicionada pelo medo de ser surpreendido em erro e punido.
Não me ocorre alternativa para o caos moral em que vivemos, a não ser um radical processo de conversão e convencimento individual, que deve ser providenciado, como historicamente aconteceu, pelas religiões. Aderir aos ensinamentos pregados requer coragem e fé. Tal comprometimento, nos dias atuais, não é visto como uma atitude “politicamente correta”, pelo contrário, é considerado um não amadurecimento intelectual ou um escapismo psicológico. Tem-se vergonha de justificar uma opção política, um estilo de vida, como decorrência de uma crença religiosa.
Os cidadãos e cidadãs, no Brasil e nas várias sociedades, não podem deixar de refletir sobre a responsabilidade de cada um na construção de um mundo melhor, regido por Leis mas também pela determinação ética da cada um de respeitar o próximo, irmãos e irmãs de uma mesma caminhadas. Mais do que a maciça propaganda dos “trios elétricos”, que incitam à aceitação e ao apoio de idéias políticas vazias de conteúdo humano e de competência operacional, voltemos a escutar, por alguns instantes, os inspiradores antigos sinos das igrejas...
Eurico Borba, escritor, 74, ex-professor da PUC RIO e ex Presidente do IBGE, mora em Ana Rech.