A NÃO-VIOLÊNCIA ATIVA DE MARTIN LUTHER KING

No ano passado foi lançada no Rio de Janeiro a autobiografia de Martin Luther King (1929-1968). Foi um lançamento concorrido, principalmente pelos engajados na promoção dos negros brasileiros.

Luther King, como líder da causa negra nos Estados Unidos, sem dúvida, mereceu o Prêmio Nobel da Paz. Por meios não violentos conseguiu superar a política e a consciência de discriminação e segregação racial, principalmente nos Estados do Sul da América do Norte.

Embora os Estados Unidos, há um século, tivessem abolido a escravidão; tivessem passado por uma Guerra de Secessão, ainda praticavam um abominável sistema de segregação racial. Anda depois da II Guerra Mundial, depois da proclamação dos Direitos Universais do Homem (1948), grande parte dos Estados no Sul dos Estados Unidos praticava uma bárbara segregação entre brancos e negros.

Os negros eram conservados em guetos favelados desumanos nas periferias das cidades; eram obrigados a viajar segregados nos ônibus e nos trens; havia segregação nas escolas, nas igrejas, nos parques públicos, nos restaurantes, nos teatros, nos cinemas, nos shopping-centers... A injustiça, a opressão, a falta de liberdade, a discriminação política estavam institucionalizadas. Um vexame para um país que se pretendia portador de uma missão cristã para civilizar o mundo. Abriam missões religiosas por todo mundo.

Gilberto Freyre, em uma de suas crônicas, escritas quando estudante de teologia nos Estados Unidos, pois queria se preparar para ser missionário na Amazônia, relata que se decepcionou profundamente com seus colegas seminaristas durante um passeio por uma cidadezinha no Sul do país. Conta Gilberto Freyre que passando por uma cidadezinha sentiu um forte cheiro de carne queimada. Querendo saber de seus colegas teólogos de que se poderia tratar, eles lhe explicaram, com a maior cara-de- pau: “Estão queimando um negro por aí”. Isto acabou com a “teologia” de Gilberto Freyre! E assim perdeu a vocação missionária.

Era assim mesmo! Até Martin Luther King o negro, nos Estados Unidos, passava por isto: sem justiça, uma peça, um objeto, uma mercadoria. King, como pastor de uma igreja batista, vivendo a agrura de seus fiéis, não permaneceu insensível. Frente aos esquadrões assassinos impunes da ku-klux-klan, que aterrorizavam e matavam aos que defendiam a integração racial, King iniciou um movimento não-violento de contestação da segregação.

A Autobiografia de Martin Luther King deveria ser lida principalmente pelos políticos e religiosos. De forma mais enfática pelos religiosos, pelos pastores de todas as igrejas. No Brasil, não somente por causa da questão racial, mas por causa do exemplo de vida cristã do pastor King. Ele é exemplo de uma vida cristã autêntica. Para ser cristão, não basta cantar, dançar, gesticular, orar e murmurar uma linguagem incompreensível e frequentar igrejas.

É verdade, o cristianismo é um sistema de vida que agradece e louva a Deus pelas maravilhas da criação, mas não ignora que a criação é imperfeita e está à disposição do homem para que ele a aperfeiçoe e organize em seu favor. Isto custa trabalho, dedicação e vida de acordo com as leis da natureza. Por isto, entende-se que Deus não pode ser invocado magicamente para, a toda hora, fazer milagres. Com este conhecimento, Martin Luther King se engajou na luta pela libertação dos negros oprimidos e injustiçados. E isto exigia a superação da compreensão alienada do cristianismo por parte de pastores, padres, religiosos e fiéis que se denominavam cristãos. Nenhum verdadeiro cristão pode ser opressor, preconceituoso, fanático, fundamentalista, intolerante, racista, mentiroso, assassino, escravagista... Cristianismo somente existe onde houver liberdade, justiça e solidariedade.

A Autobiografia de Luther King se torna especialmente oportuna em nosso tempo histórico da dita “globalização”, quando, na verdade, por toda parte eclodem novas violências, terrorismos, fanatismos, xenofobias, opressões, intolerâncias, injustiças e mazelas de toda ordem. Talvez, referências a homens que lutaram pelo bem da humanidade com meios não violentos eficazes, inclusive de desobediência civil, nos tornem um pouco mais humanos num mundo desumano e injusto.

Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife- PE.