México: Crônica de uma Tragédia Anunciada
As portas do inferno no México foram abertas em 2004 quando o presidente George W. Bush não renovou a proibição de vendas de armas semiautomáticas para uso civil. A lei de 1994 do presidente Bill Clinton banira por dez anos a produção e venda destas armas nos EUA. Há duas lojas de armas a cada quilômetro de fronteira, de acordo com a Universidade de San Diego, e mais de 250 mil armas são contrabandeadas por ano para o México. Mais de 80% desse tipo de armamento está nas mãos dos cartéis que controlam as drogas no país.
A guerra contra as drogas empreendidas pelo governo Felipe Calderón (2007-2012) resultou em mais de 60 mil mortos e houve uma alta de 30% no número de homicídios durante o seu mandato de seis anos. O governo Peña Nieto (2013-2018) tem focado na reforma econômica e têm deixado o tema das drogas em segundo plano.
A morte dos 43 estudantes em Iguala, Estado de Guerrero, no sul do México pode colocar o tema das drogas em primeiro plano, assim como a corrupção e o envolvimento de autoridades no crime. A crise política desencadeada já levou à prisão do prefeito José Luis Abarca e da primeira-dama María de los Ángeles Pineda. O prefeito tem ligações com narcotraficantes e era apelidado pelos estudantes de “narcoprefeito” por sua ascensão política e econômica apoiada pelo crime organizado.
Iguala tem enorme importância histórica. Foi nesta cidade que foi elaborada em 1821 o Plano de Iguala que estabelecia a independência do México em relação à Espanha, formou-se o Exército Trigarante e criou-se a bandeira mexicana. Não houve sequestro dos estudantes, pois estes não foram levados de ônibus de um lugar para outro. Houve o Massacre de Iguala que só é comparável em tragédia ao Massacre de Tlatelolco, em 2/10/1968, quando houve repressão policial contra manifestantes. Os 43 estudantes mortos em Iguala, ao anoitecer de 26/09/2014, planejavam uma marcha em 2/10/2014 para lembrar aquele acontecimento histórico que manchou a imagem do país, poucos dias antes dos Jogos Olímpicos realizados na Cidade do México.
A crônica de uma tragédia anunciada começa em 30/05/2013, quando três líderes da organização de esquerda Unidade Popular foram torturados e mortos em Iguala. As acusações recaíram sobre o prefeito, pois estes ativistas lutavam pelo direito dos camponeses e haviam tido conflito com o prefeito. Os estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos de Ayotzinapa, a cerca de 120 quilômetros de distância, foram fazer um protesto em Iguala e depredaram a prefeitura. Estas escolas em tempo integral se transformaram em redutos de organizações de esquerda. Os estudantes bloqueavam estradas e exigiam dinheiro e estavam em campanha de arrecadação para a marcha de 2/10/2014, quando foram mortos em 26/09/2014.
Naquela noite, a primeira-dama María de lós Ángeles Pineda organizava o lançamento de sua candidatura, à sucessão do marido José Luis Abarca, como prefeita de Iguala. Os três ônibus que traziam os estudantes foram interceptados para não perturbar o evento. Houve um grande tiroteio por mais de uma hora com gritaria, correria e tentativa de fuga pelas ruas da cidade, que terminou na perseguição e morte dos 43 estudantes. Os corpos foram transportados em caminhonetes e queimados no lixão de Cocula, a 20 quilômetros de Iguala.
O trágico destino dos estudantes, que queriam lembrar os esquecidos acontecimentos de 1968, despertou uma repulsa da sociedade mexicana ao narcotráfico, à violência, à corrupção e ao envolvimento de autoridades com o crime organizado. Passeatas diárias na Cidade do México pressionam o governo Peña Nieto para atender as demandas sociais da sociedade e não apenas às demandas econômicas de interesse do mercado (as 11 reformas econômicas aprovadas). Os 43 estudantes mortos em 2014 não podem ser esquecidos, assim como os manifestantes mortos em 1968 devem ser lembrados, para evitar uma nova crônica de uma tragédia anunciada.