PROCURA-SE HONESTOS E PUROS
Terça feira, 14 de Setembro de 2010
PROCURA-SE HONESTOS E PUROS
362 – POLÍTICA – Quem dos atuais candidatos a presidente do Brasil se atreve a dizer que foi encontrado pela lanterna de Diógenes? Quais dos candidatos a vice-presidente, senador, deputado ou governador, da sigla que for, pode bater no peito e dizer que é honesto? Salvo alguns poucos miseráveis, que nem tem o que comer, mas que aparecem na televisão se dizendo honesto e trabalhador, raramente se poderá escutar algo sobre retidão que soe com pureza da garganta de qualquer um destes...

Talvez o mundo não seja tão grande quanto parece e cada lugar seja o ponto certo para discutirmos a retidão do ser humano, pois enxergamos claramente, sem o auxílio da lanterna especial, que a maioria mente, porque deseja um lugar ao sol para saciar sua sede particular de poder e se der; encher o bolso de dinheiro, na primeira oportunidade de se vender a alguém ainda mais imundo do que ele próprio.

Diógenes de Sínope, o grego que também ficou conhecido por Diógenes o Sínico, viveu na Grécia antiga e tudo que se sabe de sua vida é conhecido através de pilhérias e chistes de baixo valor, mas, ainda assim, ele deixou um legado importante, sobretudo para os que conseguem discernir entre o negro e o alvo.

Livros afirmam que Diógenes vivia andando a esmo pelas ruas na mais completa desventura até que um dia foi aprisionado por piratas para, posteriormente, ser vendido como escravo. Um homem com boa educação chamado Xeníades o comprou. Logo ele pôde constatar a inteligência de seu novo escravo e lhe confiou tanto à gerência de seus bens quanto a educação de seus filhos.

Diógenes levou ao extremo os preceitos cínicos de seu mestre Antístenes. Foi o exemplo vivo que perpetuou a indiferença cínica perante os valores da sociedade da qual fazia parte. Desprezava a opinião pública e parece ter vivido em um barril. Conta à lenda que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela, sendo ele conhecido também, talvez pejorativamente como o cão, pela forma como vivia.

A felicidade - entendida como autodomínio e liberdade - era a verdadeira realização de uma vida. Sua filosofia combatia o prazer, o desejo e a luxúria, pois isto impedia a auto-suficiência. A virtude - como em Aristóteles - deveria ser praticada e isto era mais importante que teorias sobre a virtude.

É famosa, por exemplo, a história de que ele saía em plena luz do dia com uma lanterna acesa procurando por homens verdadeiros e honestos; igualmente famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para Alexandre, disse: "Não me tires o que não me podes dar!". Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombar de Diógenes, disse: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes."

Outra história famosa é a de que, tendo sido repreendido por estar se masturbando em público, simplesmente exclamou: "Oh! Mas que pena que não se possa viver apenas esfregando a barriga!". Outra história ainda é a de que um dia Diógenes foi visto pedindo esmola a uma estátua. Quando lhe perguntaram o motivo de tal conduta ele respondeu "por dois motivos: primeiro é que ela é cega e não me vê, e segundo é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de alguém." Predecessor do anarquismo e quase o inventor do cinismo, atribui-se a Diógenes de Sínope a célebre frase: "Na casa de um político não há lugar para se cuspir, a não ser em sua cara."

Podemos dizer que Diógenes é o próprio povo; segregado de sua família, assim como milhares de atuais; vendido como escravo, da mesma forma que todos nós nos sentimos diante da atrocidade do Estado; pouco mudou entre a época da Grécia antiga e os dias atuais; quem tem muito poder quer sempre mais, custe o que custar; quem nada tem se contenta com o nada e ainda dá Graças a Deus pela vida; seria isso alguma piada enfadonha de mau gosto?

Na temática do cão Diógenes acreditava que os humanos viviam artificialmente e de maneira hipócrita e poderiam fazer bem ao estudar os cães, afinal o cão é capaz de satisfazer suas funções corporais naturais em público sem constrangimento; um cachorro comerá qualquer coisa, até mesmo o lixo, e não fará estardalhaço algum se seu dono lhe der o relento para dormir. Cachorros vivem o presente sem ansiedade, e não possuem as pretensões da filosofia abstrata. Somando-se ainda a estas virtudes, cachorros aprendem extintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferente dos humanos que enganam e são enganados uns pelos outros; cães reagem com honestidade frente à verdade e o ser humano, com subserviência!

Pode parecer incrível que alguém que tenha nascido por volta do ano 400 Antes de Cristo, ou seja, quase 2.500 anos atrás, tenha tão sabiamente discernido entre o povo e o poder; que alguém que sequer tenha conhecido a palavra Brasil tenha correspondido ao resto do mundo, ainda naquela época, sobre este canto da América que hoje moramos; eu arriscaria dizer que Diógenes é o Nostradamus da história política moderna e nada, nenhuma obra, senão a sua, pode se equiparar a nossa realidade com tanta clareza e tanta exatidão.

Esqueçamos os nomes próprios, os partidos e os poderes; em qualquer esfera, administrativa, judicial ou legislativa; podemos encontrar pessoas que vivem da carcaça do povo; pessoas que imaginam que os demais são animais em currais a beira da morte e que qualquer migalha que lhes dêem é na verdade uma obra de altruísmo e uma oportunidade de vincular a vida; só não sabemos ao certo se é de fato uma vida ou uma quimera obtida através de ácidos!

O poder é divido entre armas, canetas e fé, excluindo-se qualquer outro grupo que queira penetrar neste círculo vicioso. Por mais que se acredite que seja efêmero, ninguém que esteja em um ou outro grupo quer que de fato haja um limite entre a entrada e a saída do elemento influente e prestigioso; se há a força para domar é porque há os que são domados e mesmo quando há a menor indício de democratismo, como nosso caso, quem deveria promover dorme em berço majestoso; refazendo o apontamento que eles têm a vida e isso já lhes basta!

Mesmo tendo sido escravo e tendo tido a sorte de ter um dono menos covarde do que a maioria, Diógenes não dormiu o sonho dos acomodados e estudou, criou e deixou uma obra. Dizem que viveu num barril apenas para provar a sua teoria mais célebre, assim como os cães; sua pertinácia levou-lhe diante de gigantes e o fez um expropriado da época e um herói pós- moderno, porque falava a verdade com conhecimento e experiência. Mesmo tendo tido a liberdade como prêmio pelo seu valor intelectual, preferiu as ruas, local onde ele, através de puro cinismo, tentava combater a concupiscência, a luxúria e a corrupção, no mais amplo sentido. Por acreditar que a virtude era mais bem revelada na ação do que na teoria, sua vida consistiu duma campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais do que ele via como uma sociedade corrupta.

No resumo geral da obra de Diógenes, ele traduziu aquilo que sabemos tão amplamente e que custamos a enxergar; que somente os que sentem na pele a dor da expiação são os que podem escrever uma obra realística, pois são estes os que fazem a prática da dor de viver a submissão dos poderosos; quem faz leis, quem as executa; quem as cobra; quem administra o Estado ou quem rege a orquestra da fé, geralmente já estão corrompidos e mesmo que alguém tenha saído da valeira e se infiltrado no poder, raramente conseguiria voltar a pensar como antes.

Meu discurso não é socialista, muito menos comunista; não espero que o Estado, muito menos a Fé, doe seus dotes e seus quinhões de forma igual para o povo, mas que ele proporcione ao desapropriado material, principalmente os expropriados de intelecto, uma oportunidade para refazerem a vida. Todos os que pensam que sabem de tudo, estão completamente enganados; assim sendo, porque não podemos fazer uma teia firme onde a maioria pudesse se agarrar para não cair no abismo da desgraça?

Como fazer isso? Talvez seja simples, talvez seja mais complexo do que meu discurso teórico; mas se não tentarmos ao menos nos acautelar de associações públicas em busca de soluções, eliminando com rigor a tirania e a corrupção; quiçá jamais saibamos a resposta a alternativa correta!

Um hospital mantido pelas obras da igreja não atende os miseráveis, mas sobrevive deles, quando estes mesmos arrastados lhes dão esmolas, inclusive para manter o mesmo hospital; pode ser que a igreja cure a alma, coisa que duvido, e que o hospital cure a moléstia, mas são os homens que fazem as regras e estes são déspotas diante do fraco e do desvalido. O estado também usa dos mesmos artifícios quando arrecada de todos e somente favorece uma minoria; se os mais miseráveis não fossem obrigados a pagar nenhum dos tantos impostos, no Brasil, o Estado ficaria derruído.

É em parte por causa do comportamento escandaloso de Diógenes, que seus escritos de caíram no quase total esquecimento. Com efeito, a política que ataca numerosos valores do mundo grego, preconizando, entre outros, a antropofagia, a liberdade sexual total, a indiferença à sepultura, a igualdade entre homens e mulheres, a negação do sagrado, a supressão das armas e da moeda; e o repúdio à arrecadação em prol da cidade e de suas leis. Por outro lado, Diógenes considerava o amor como sendo absurdo: não se deve apegar-se a outra pessoa da forma poética como se vivia e ainda se vive. Certos estóicos, portanto próximos da corrente cínica de Diógenes, parecem ter preferido dissimular e esquecer essa herança julgada "embaraçosa”.

Nem tudo Diógenes acertou; na sua época poderia ser um padrão a ser seguido e esquecido, mas hoje, parte de seus cinismos filosóficos são desusados e não pretendido perpetuá-los, mas tudo em que é citado como hipócrita e tartufo, do ponto de vista do falso, com certeza merece mais estudo, compreensão e validade!


Carlos Henrique Mascarenhas Pires
WWW.irregular.com.br
(TRANSCRIÇÃO DE ARTIGO DE CARLOS H.M.PIRES)