Os Filhos do Golpe
O Brasil é um lindo país, como todos sabemos. Ainda é celeiro de inúmeras riquezas minerais, apesar da usurpação desse patrimônio, em sua maior parte, pelo colonizador português. Nossas invejáveis extensões de terras agriculturáveis nos colocam em posição de destaque no ranking dessa especialidade em todo o mundo. Somos também talvez o país mais rico em reservas de água doce. E o quinto maior produtor de leite, à frente de muitos dos chamados países desenvolvidos.
Nos últimos anos, durante os governos petistas, o Brasil alcançou posição de relevo no cenário mundial, formando com Rússia, Índia, China e África do Sul o chamado BRICS, grupo de países emergentes. Apesar de uma série de denúncias de corrupção, ao que parece todas comprovadas, creditadas a membros desse partido, dentre eles lideranças do próprio Governo Federal.
Não obstante essas considerações, há graves questões que afligem a sociedade brasileira. Destacando-se entre elas a certeza da impunidade. Que tem todo o jeito de se tratar de prática herdada do autoritarismo militar, implantado a partir de 64 e vigente durante vinte longos anos. Onde as garantias e direitos do cidadão eram institucionalmente desrespeitados, ficando seus autores à margem de qualquer punição. Nas manifestações de hoje, mesmo ordeiras e pacatas, é comum a truculência policial, não raro ocasionando óbitos cujos autores jamais serão identificados.
Nos confrontos entre policiais e traficantes, nunca serão elucidadas as mortes, em muitos casos de crianças, provocadas por balas perdidas, muitas delas oriundas das forças de segurança.
Por outro lado, ainda a certeza da impunidade recentemente fez com que políticos, petistas ou não, cometessem irregularidades abusivas, como desvio de dinheiro e utilização indevida de verbas públicas, certos de que dificilmente seriam incriminados. Razão pela qual o chamado processo do Mensalão chegou a ganhar notoriedade no exterior. Pelo fato de pela primeira vez neste país políticos correrem o risco de ir para a cadeia. Assim mesmo depois de um processo substancioso (mais de 50 mil páginas e cerca de sete anos de duração), de respeitados todos os direitos de defesa pertinentes aos réus e da ajuda de alguns ministros do próprio STF, que praticamente funcionaram como advogados dos réus.
A condenação dos acusados teve como consequência, nos dias de hoje, essas abomináveis campanhas nas redes sociais destinadas à arrecadação de recursos para o pagamento das multas que lhes foram imputadas com as penalidades. Campanhas que nada mais representam do que o inconformismo dos réus diante das penas a eles impostas. Simplesmente porque não previram que isso pudesse acontecer. Ou seja, contavam com a certeza da impunidade.
Junto com a adoção do voto facultativo, com o qual o mau político pode não ter condição de saber se será eleito, a questão da impunidade é uma das mais preocupantes para o cidadão. Por se constituir no instrumento de consolidação da injustiça, tradicionalmente relacionada aos mais inferiorizados. Devendo por isso mesmo o fim da impunidade, a todos estendido, ter em princípio maior ênfase ou aplicação imediata a partir da elite ou classe dominante, pela sua força exemplar. Assim, estariam também sujeitos às penas da lei, em igualdades de condições aos cidadãos comuns, quaisquer políticos, juízes, desembargadores, ministros de tribunais, militares de alta patente, sacerdotes, etc. Prevendo-se inclusive a extinção de tribunais especiais ou de exceção, para que realmente todo cidadão estivesse ao alcance da lei.
Aí, sim, possivelmente chegássemos a realizar um movimento revolucionário. Longe de quarteladas tipo 1964. E não nos envergonhássemos depois dos nossos filhos do golpe. Ou “filhotes da ditadura”, como já nos dizia um saudoso e conhecido político.
Rio, 21/01/2014