HIRSCHMAN E A RETÓRICA REACIONÁRIA
(Condensado de um texto de Cláudio Salm em www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/hirschman_e_a_retorica_reacionaria.pdf)
Advertências feitas por Albert Hirschman quanto às armadilhas do discurso reacionário:
1. Tese da perversidade: Quando as propostas progressistas encontram consenso e apoio popular – pode ser a abolição do trabalho infantil ou a elevação do salário mínimo – o discurso reacionário não as ataca de frente, ao contrário, tende a apoiá-las, sinceramente ou não, para, em seguida, tentar demonstrar que perseguir tais teses, por mais meritórias que pareçam ser, acabará por provocar o efeito oposto ao pretendido devido a uma série de consequências não previstas ou não desejadas. Esta é a tese da perversidade ou do efeito perverso.
2. Tese da futilidade: É a que afirma que qualquer proposta de mudança será abortada, é ilusória ou meramente cosmética enquanto as questões estruturais não forem equacionadas. Ou seja, não vai adiantar nada. Para ele esta tese é mais deletéria do que a da perversidade, na medida em que pretende humilhar e desmoralizar as propostas progressistas.
3. Tese da ameaça ou do risco: Ainda mais sofisticada que as anteriores, é usada como sofisma para nos fazer crer que duas alternativas são excludentes ou que competem entre si e, portanto, a nova proposta ameaça ou põe em risco uma conquista já existente que não vale a pena sacrificar. Para ilustrar essas teses entre nós basta observar, no campo da proteção ao trabalho e, neste, a questão do salário mínimo. Os chamados economistas do trabalho, pródigos no uso da retórica reacionária, têm-se dedicado a denunciar os efeitos perversos da nossa legislação trabalhista sobre as relações de trabalho, responsabilizando-a pela alta rotatividade, baixa produtividade, baixos salários, extensão do tempo de desemprego e menor disposição em contratar. Assim, aquilo que foi pensado para proteger o trabalhador reverte em seu prejuízo, num exemplo perfeito da tese da perversidade. O raciocínio básico pode ser assim resumido: para as empresas, os dispositivos legais de proteção ao trabalhador representam elevação do custo da mão-de-obra e maiores custos de demissão. E, para os trabalhadores, representam incentivos a que promovam a própria demissão para que possam apropriar-se daqueles encargos. O resultado é que empresas e trabalhadores desenvolvem perspectivas antagônicas quanto à estabilidade e à qualidade do emprego, o que leva ao desinteresse pelo investimento em capital humano específico. A consequência é baixa produtividade, logo baixos salários. Ora, se fosse assim, seria lógico observar resultados opostos no setor informal, não sujeito aos altos custos impostos pela legislação trabalhista: as relações de trabalho seriam mais estáveis, o capital humano específico mais desenvolvido, a produtividade maior e os salários mais elevados. Uma bobagem. Vê-se que a reação às propostas de recuperar o valor do salário mínimo contém todas as artimanhas enumeradas por Hirschman. Todos concordam que o salário mínimo brasileiro é dos mais baixos do mundo, tanto em termos absolutos (poder de compra) como em relação à renda média. Argumentar que a recuperação do valor do salário mínimo ao invés de melhorar a situação dos trabalhares só faz piorá-la na medida em que aumenta o desemprego é a tese da perversidade. Dizer que, além disso, não diminui o nosso grau de pobreza é a tese da futilidade. Finalmente, argumentar que ao pesar sobre os gastos previdenciários, o aumento do SM coloca em risco o equilíbrio fiscal e implicaria ter que sacrificar investimentos em saneamento básico e que beneficia as criancinhas enquanto que o aumento do SM só beneficia os velhos aposentados (que certamente gastariam o ganho extra em cachaça e fumo de rolo) é a tese da ameaça ou do risco.
(Albert Otto Hirschman, notável economista, professor e cientista social alemão nascido em Berlim, Alemanha, em 07 de abril de 1915 e falecido em New Jersey, EUA, em 10 de dezembro de 2012).
(Condensado de um texto de Cláudio Salm em www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/hirschman_e_a_retorica_reacionaria.pdf)
Advertências feitas por Albert Hirschman quanto às armadilhas do discurso reacionário:
1. Tese da perversidade: Quando as propostas progressistas encontram consenso e apoio popular – pode ser a abolição do trabalho infantil ou a elevação do salário mínimo – o discurso reacionário não as ataca de frente, ao contrário, tende a apoiá-las, sinceramente ou não, para, em seguida, tentar demonstrar que perseguir tais teses, por mais meritórias que pareçam ser, acabará por provocar o efeito oposto ao pretendido devido a uma série de consequências não previstas ou não desejadas. Esta é a tese da perversidade ou do efeito perverso.
2. Tese da futilidade: É a que afirma que qualquer proposta de mudança será abortada, é ilusória ou meramente cosmética enquanto as questões estruturais não forem equacionadas. Ou seja, não vai adiantar nada. Para ele esta tese é mais deletéria do que a da perversidade, na medida em que pretende humilhar e desmoralizar as propostas progressistas.
3. Tese da ameaça ou do risco: Ainda mais sofisticada que as anteriores, é usada como sofisma para nos fazer crer que duas alternativas são excludentes ou que competem entre si e, portanto, a nova proposta ameaça ou põe em risco uma conquista já existente que não vale a pena sacrificar. Para ilustrar essas teses entre nós basta observar, no campo da proteção ao trabalho e, neste, a questão do salário mínimo. Os chamados economistas do trabalho, pródigos no uso da retórica reacionária, têm-se dedicado a denunciar os efeitos perversos da nossa legislação trabalhista sobre as relações de trabalho, responsabilizando-a pela alta rotatividade, baixa produtividade, baixos salários, extensão do tempo de desemprego e menor disposição em contratar. Assim, aquilo que foi pensado para proteger o trabalhador reverte em seu prejuízo, num exemplo perfeito da tese da perversidade. O raciocínio básico pode ser assim resumido: para as empresas, os dispositivos legais de proteção ao trabalhador representam elevação do custo da mão-de-obra e maiores custos de demissão. E, para os trabalhadores, representam incentivos a que promovam a própria demissão para que possam apropriar-se daqueles encargos. O resultado é que empresas e trabalhadores desenvolvem perspectivas antagônicas quanto à estabilidade e à qualidade do emprego, o que leva ao desinteresse pelo investimento em capital humano específico. A consequência é baixa produtividade, logo baixos salários. Ora, se fosse assim, seria lógico observar resultados opostos no setor informal, não sujeito aos altos custos impostos pela legislação trabalhista: as relações de trabalho seriam mais estáveis, o capital humano específico mais desenvolvido, a produtividade maior e os salários mais elevados. Uma bobagem. Vê-se que a reação às propostas de recuperar o valor do salário mínimo contém todas as artimanhas enumeradas por Hirschman. Todos concordam que o salário mínimo brasileiro é dos mais baixos do mundo, tanto em termos absolutos (poder de compra) como em relação à renda média. Argumentar que a recuperação do valor do salário mínimo ao invés de melhorar a situação dos trabalhares só faz piorá-la na medida em que aumenta o desemprego é a tese da perversidade. Dizer que, além disso, não diminui o nosso grau de pobreza é a tese da futilidade. Finalmente, argumentar que ao pesar sobre os gastos previdenciários, o aumento do SM coloca em risco o equilíbrio fiscal e implicaria ter que sacrificar investimentos em saneamento básico e que beneficia as criancinhas enquanto que o aumento do SM só beneficia os velhos aposentados (que certamente gastariam o ganho extra em cachaça e fumo de rolo) é a tese da ameaça ou do risco.
(Albert Otto Hirschman, notável economista, professor e cientista social alemão nascido em Berlim, Alemanha, em 07 de abril de 1915 e falecido em New Jersey, EUA, em 10 de dezembro de 2012).