Getúlio Vargas

Quem acha que Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva são dois grandes estadistas de nossa história política com certeza não entendeu o sentido da advertência que Compadre Washington faz naquele famoso comercial: “Não sabe de nada, inocente”. Getúlio Dornelles Vargas é que foi o grande estadista brasileiro do século XX, ainda sem par no início do século XXI.

Ser estadista é muito mais que uma postura. É a obra, é o legado. FHC estabilizou o país ao controlar a inflação e privatizou a economia outrora estatal (uma das heranças do período getulista); Lula promoveu uma grande inclusão social, econômica e educacional. Entretanto, quem consolidou o Brasil, de um país de economia agrária, para um país em franca industrialização, foi a aliança de poder por ele personificada, processo que depois Juscelino Kubitschek deu prosseguimento (porém, por via das dúvidas, transferindo o governo federal do Rio de Janeiro para Brasília...).

Domingo fez 60 anos de seu suicídio. Ontem, em Tela Quente, a Globo passou o filme Getúlio. Entrou mesmo para história, como escreveu na Carta Testamento, mas nem foi por seu ato derradeiro. Os oito anos de Estado Novo (1937 – 1945), gestados após a tomada do poder central com a Revolução de 1930 (dia 3 de outubro completar-se-ão 84 anos do seu início) mudaram os rumos do país. Só para citar algumas realizações do período, num legado para lá de conhecido, podemos mencionar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Justiça do Trabalho, o salário mínimo, a estabilidade no emprego para os trabalhadores após dez anos de serviço (substituída posteriormente pela criação do FGTS), férias remuneradas, limitação da jornada de trabalho, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e o Conselho Nacional do Petróleo.

No campo dos avanços trabalhistas, lembremos que esse era o tempo das mobilizações da classe trabalhadora em ascensão, fruto do novo modelo econômico fabril do país e das revoluções comunistas mundiais do fim do século XIX e início do XX. Anarquistas, comunistas e socialistas hegemonizavam esses movimentos (coincidentemente, os mesmos grupos ideológicos dos protestos de junho de 2013). Vale recordar que a criação do Partido Comunista Brasileiro é de 1922, mesmo ano da Revolta Tenentista que trouxe à cena política o “Cavaleiro da Esperança” Luis Carlos Prestes.

Assim, a Revolução de 1930, ao corporificar uma dissensão nas elites dirigentes do país, também era uma resposta alternativa ao avanço de tais movimentos operários. Todavia, essa resposta que Getúlio e seus aliados deram àquele processo histórico-social, “amparando” a classe trabalhadora emergente e sedenta de direitos, selou sua popularidade, legitimou seu governo e fortaleceu o Trabalhismo como doutrina política.

Depois de quinze anos à frente de um poder administrativamente centralizador e politicamente ditatorial, Getúlio voltou à presidência pela via democrática, em 1950. Político habilíssimo, conseguiu apoio dos comunistas de Prestes (mesmo tendo os perseguido duramente após a Intentona de 1935 e, inclusive, entregando aos naziztas alemães a esposa deste, Olga Benário) e dos paulistas ligados a Adhemar de Barros (outro antigo desafeto político, o homem do “rouba, mas faz”). Quem hoje se “espanta” com as alianças de Lula com Maluf, igualmente “não sabe de nada”.

Por fim, Getúlio Vargas disse, quando fortemente acossado pelas elites e pela imprensa em agosto de 1954 (ano em que criou a Petrobrás), que só sairia morto do Palácio do Catete, então sede do governo federal. Nunca foi homem de blefes ou de meias palavras. A Carta Testamento está aí para não nos deixar esquecer.


Texto publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notíciashttp://www.portaldenoticiais.com.br