CHOQUE DE REALIDADE

Ao ver o desânimo e a tristeza se abatendo sobre os rostos e corações dos brasileiros, após a derrota na Copa das Copas para a Alemanha, e logo depois o Brasil elogiando a filantropia europeia (em detrimento à nossa pilantropia, onde milhões foram desviados em estádios super faturados – o jeitinho brasileiro), abraçando índios, doando milhões para os mesmos, fazendo resorts luxuosos e deixando para os ilhéus (só que o lucro vai para o capital estrangeiro, de investidores – coincidentemente, ou não? – alemães- mas está lá, não está?) sendo na verdade uma cutucada de que o Brasil não tem acomodações suficientemente sofisticadas para acolher a equipe que veio para ser a campeã mundial, o que infelizmente se realizou...

Fica o recado discreto de que quem quer ganhar uma Copa do mundo, ansiada pelo mundo todo, atrativa de investimentos estrangeiros, e royalties em imagem pública, deve investir na discrição e no segredo quanto ao seu treino, suas táticas de jogo, sua ofensiva, e que todo jogador pode jogar em qualquer posição, independentemente da posição em que foi escalado; que nem tudo são flores, que o Sul está gritando por socorro com os alagamentos, (por mais que a mídia não esteja “cobrindo”), e que o ano é de eleição; o gigante adormeceu, acordou e voltou a dormir, hipnotizado pelo canto da sereia que é a arma secreta de todo governante: o carnaval e o futebol.

Se a religião era o ópio do povo, segundo Karl Marx, a maior das armas embriagantes e inebriantes, capaz de adormecer qualquer um ainda é o velho pão e circo; pão simbolizado pelo Fome Zero, hoje ridicularizado pelas bolsas de estudo, onde a pessoa ganha por meritocracia, e a hipocrisia brasileira é tão flagrante que as pessoas comparam uma bolsa de iniciação científica – ganha pela competência, não pelo clientelismo - com um programa escancaradamente assistencialista, clientelista e garantia do curral eleitoral; vida de gado, povo feliz! Tudo isso foi inspirado na frase: “se a vida começa depois da Copa, vamos trabalhar, né?” que acabei de ler no Facebook; a vida deve dar uma parada novamente durante as eleições, e no pós eleitorado, a depender do resultado, o país vai dar uma volta ao passado ou avançar rumo a um futuro incerto; se Deus é brasileiro, o Papa é argentino... como diziam Vinícius e Toquinho, ainda retornando à máxima do pão e circo, em sua música “Marcha da quarta-feira de cinzas”: Acabou nosso carnaval/Ninguém ouve cantar canções/Ninguém passa mais/Brincando feliz/E nos corações/Saudades e cinzas/Foi o que restou...

Enquanto o país estava antenado na sua vitória, se arvorando em penta campeão, e se achando o único que sabe jogar bola no mundo, o restante do mundo mostrou que o Brasil tem Neymar, Portugal tem Cristiano Ronaldo, a Argentina tem Messi, e a Alemanha tem um time. Se não se faz uma Copa sem estádios, sem hospital o cidadão comum, pagador dos impostos que custearam a construção dos estádios, também não vive; e as majestades imperiais que se machucaram em campo, foram embora de helicóptero, tiveram atendimento VIP em hospitais de ponta, foram para a fila do SUS? Recorreram ao cartão da Bolsa Família para bancar seu almoço no bar da esquina?

Não se faz Copa quando a realidade do cidadão comum é viver sem segurança (ou carros blindados e condomínios fechados), educação, infra estrutura, hospitais sim, seu Ronaldo! A Copa se faz sem Galvões (ou gaviões) Buenos comentando e denunciando todo nosso esquema tático; o Brasil mereceu tomar esse choque de realidade, de que não é infalível ou onipotente, e acordar de seu berço esplendido, para a realidade atroz de sua guerra civil por um mínimo de civilidade e direitos civis primários, pelos quais pagamos (e caro).

Se o país é o único país do mundo capaz de transformar um ritmo estrangeiro em um novo e exporta-lo misturado a um ritmo que já existia, outros países por aí não riem das próprias desgraças, não culpam o outro pelas suas mazelas, cobram resultados dos governantes, têm um padrão de vida e uma coleção de prêmios Nobel invejável, investem em ciência, tecnologia e educação de qualidade, inovação e empreendedorismo; aqui, se for falar em meritocracia, é falar de quem não consegue aprender, tem deficiências, precisa de um tradutor do Google para os termos empolados, difíceis de digerir e chatos dos textos acadêmicos (melhor o curtir e compartilhar – sem ler ou analisar das redes sociais, né?); é exclusão social, é valorização do capitalismo, em detrimento do comunismo (se for para ter em comum a mediocridade prefiro viver num mundo real, capitalista mas de oportunidades, onde a way of life seja ditada por mim, e o know how seja a ótica do momento) onde o Instagram e o Facebook ditam nossa moda e forma de ser, agir e pensar (mesmo com erros ortográficos primários e escabrosos);

Ainda citando o pão e circo romano (panis e circencis dos Mutantes) podemos resumir esse momento de volta à realidade nessa estrofe da música de Vinícius: Pelas ruas o que se vê

É uma gente que nem se vê/Que nem se sorri/Se beija e se abraça/E sai caminhando/Dançando e cantando/Cantigas de amor...

Serão zumbis fugidos de uma série americana que vão trabalhar na segunda feira, ao invés de festejar pelas ruas, num eterno carnaval, feriadão prolongado? Depois da derrota na copa a segunda feira nunca soou tão amarga, como o gosto de cabo de guarda chuva que fica na boca, quando acordamos de ressaca... São pessoas sem esperanças no Brasil, país do futuro, que infelizmente só se une na desgraça ou na alegria, ou seja, nas catástrofes naturais que abatem nossos irmãos do Sul ou Nordeste, ou na alegria do carnaval e futebol...

O restante dos quatro anos são dias de luta, sem dias de glória, trabalhando para pagar os impostos, sem ânimo, estímulo ou motivação... Trabalhamos como autômatos, esperando que amanhã seja um novo dia, a segunda é improdutiva, a semana é maçante, a sexta feira é benção dos céus para bebermos até cair, e irmos para a academia para retirarmos as calorias adquiridas no último churrasco, ou nos tornarmos extremamente lindos, bombados e gostosos...

A única coisa que nos resta é lembrar que toda unanimidade é burra, como dizia o maior cronista esportivo brasileiro, Nelson Rodrigues. Se todos são iguais, então são facilmente manobráveis; se a cultura inútil é a reprodutora de realidades visíveis e invisíveis, ideologicamente esvaziadora de mentes (e dos bancos escolares), para que irmos para as ruas, lutar (pelo que mesmo?); a vida de gado de abate hoje ainda é mais atroz, pois somos impedidos de pensar, tanto pela alienação coletiva, quanto pelas atitudes repetidas exaustivamente ano após ano, quanto pela desvalorização do estudo para se formar um cidadão crítico, substituído pelo cidadão competitivo, antenado com as novas tendências da moda e atitudes pós modernas mas esvaziado de sonhos, utopias e luta pelos direitos da maioria da população;

Enquanto o pão e circo impera nas cidades, na mesa dos corruptos a pizza rola solta, e das migalhas que caem da mesa se formam o clientelismo, populismo e esmola disfarçada em justiça social; quem puder me convença do contrário, onde as pessoas que recebem uma ajuda do governo, enchem a casa de filhos (futuros eleitores do santo que lhes deu o bolsa-família, bolsa-barriga, bolsa-presídio) sabem realmente escolher seus representantes legais, cobrar resultados e estudar para serem cidadãos realmente críticos e cientes de seus direitos, deveres e contribuintes para uma sociedade realmente competitiva frente ao capital internacional.

Para finalizar mais uma estrofe dos versos ufanos de Vinícius e Toquinho, mais um choque de realidade na quarta feira de cinzas pós Copa do mundo: “A tristeza que a gente tem/Qualquer dia vai se acabar/Todos vão sorrir/Voltou a esperança/É o povo que dança/Contente da vida/Feliz a cantar/Porque são tantas coisas azuis/E há tão grandes promessas de luz/Tanto amor para amar de que a gente nem sabe”.

Adilton Gomes Silveira

15/07/2014

06:19

citação de música deToquinho, Vinícius de Moraes e
Enviado por Adilton em 24/07/2014
Reeditado em 09/03/2016
Código do texto: T4895031
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