MINISTRO JOAQUIM BARBOSA E A VOZ DA DIGNIDADE

Durval Carvalhal


Mérito — Joaquim Barbosa chegou ao topo de uma bem-sucedida carreira jurídica sem precisar percorrer os conhecidos atalhos, lançar mão dos tradicionais jeitinhos ou recorrer a padrinhos influentes (Foto: Sergio Dutti)


           Certa vez, em plena sala de aula na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba, um professor-historiador explicou: “Meus filhos, o lugar que a sociedade brasileira reservou para os negros é esse”. Levantou a mão esquerda aberta e, com o polegar direito, apontou o dedo mindinho. E concluiu: “E ai daquele que se esforçar, estudar e entrar no terreno da competição”.
               Negro, pobre e filho de um pedreiro com uma faxineira, o Sr. Barbosa não encontrou uma pedra no meio do caminho, como lamentou Drummond de Andrade. Ele encontrou uma pedreira ao longo do tempo.
               Dessa forma, dá para imaginar a saga de Joca, apelido de infância do ministro Joaquim Barbosa, pois, sabe-se, sabidamente, que a ascensão social potencializa o racismo no seio da sociedade brasileira, quando pessoas negras passam a frequentar ambientes tradicionalmente frequentados por pessoas brancas.
                 De digitador na gráfica do Senado Federal, ascendeu a procurador jurídico do Ministério da Saúde; fez mestrado e doutorado, e passou em concurso do Ministério Público Federal. E foi ostentando notório saber jurídico e ilibada reputação, que Barbosa adentrou o Supremo Tribunal Federal e alçou voo até sua presidência.
                  Na minha adolescência, passei muitas tardes, noites e madrugadas assistindo júri; depois, seria jurado por mais de 20 anos nos dois tribunais do júri de Salvador. E quem conhece júri, sabe, portanto, que as sessões não são desenvolvidas com discursos amenos, elegantes e pacíficos. Pelo contrário! Há ocasiões em que os debates são acalorados, dentro de um clima de animosidade entre advogado de defesa e promotor, ou entre este e o juiz presidente do evento.
                 Como a grande maioria da população não conhecia esses detalhes, estranhou e condenou a firmeza e contundência do ministro-presidente, taxando-o de deselegante, grosseiro e que tais. Lembrando-se que os réus do mensalão foram condenados por diversos ministros e não apenas por Joaquim Barbosa.
             Há diferenças comportamentais entre esses três operadores do direito: advogado de defesa, juiz e representante do Ministério Público.
          O advogado, geralmente é extrovertido, eloquente, gozador, insinuador; pode até mentir, o que é defeso ao promotor público.
                   O meritíssimo juiz é caracterizado pela tranquilidade, pelo comedimento; carrega, nas costas, o peso da imparcialidade, da responsabilidade e da dedicação; afinal de contas, é ele, o magistrado, quem dá a palavra final.
                   O promotor ou procurador é alguém que advoga para a sociedade; é o responsável pela acusação; zela pela feitura da justiça e punição dos réus. Parte do pressuposto de que o réu é culpado e, como um garimpeiro, garimpa provas e pontos vulneráveis dos autos, para fundamentar, com veemência, seu discurso acusatório.
             Foi esse rico legado que o Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, levou para enriquecer a Suprema Corte Brasileira. Por isso, só por isso, foi hostilizado e ameaçado vergonhosamente, sem que nenhuma entidade o tenha defendido. Nem mesmo os movimentos negros e muito menos a OAB. Quanta tristeza! Mas se ele fosse branco, o cenário seria o mesmo? A ingenuidade e a hipocrisia acreditam.
                    Foi estupida e tacitamente concitado a se aposentar antes do tempo. E com sua aposentadoria precoce e “compulsória”, o Supremo perde um dos seus grandes craques, que jogava divinamente no time da justiça nacional. O desmando e a molequeira no país foram mais fortes do que a alta dignidade de um homem público, que só queria bem servir ao seu país. Perdemos todos nós para gáudio da canalha! Que o povo acorde e proteja o gigante adormecido.

 
Durval Carvalhal
Enviado por Durval Carvalhal em 09/06/2014
Reeditado em 10/06/2014
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