Crônicas que completarão quatro anos em maio de 2018 (Parte 1)
Nestes três pequenos textos que já completaram quatro aninhos em março passado e que agora reeditei, está implícita a sugestão de que PSDB e PT eram como duas faces de uma mesma moeda. Outros, mais afoitos talvez, já diziam então, como agora repetem, que os partidos todos são ‘farinha do mesmo saco’.
Não penso assim. Na verdade eu me referia ao fato de que nem PSDB e nem PT propunham, como não propõem, a superação das condições sociais e econômicas, principalmente as econômicas, que dão sustentação ao modelo hoje hegemônico no mundo, de um capitalismo imperialista, concentrador e rentista que produz e reproduz pobreza em escala planetária.
Falo de PSDB e de PT porque atualmente são os únicos partidos com feição ideológica minimamente definida. E é bom sublinhar esse ‘minimamente’. O PSDB se identifica mais com a classe média. E a classe média se identifica mais com o PSDB. A sigla nasceu em São Paulo, da dissensão nas hostes do PMDB da ala dita progressista, que queria ter mais protagonismo no social e almejava voos mais amplos. Começou como um movimento de prefeitos e acabou seduzindo lideranças como Franco Montoro, FHC e Mario Covas até que, em meados de 1988 surgiu o PSDB com o Tucano como mascote. Durante algum tempo amargou a pecha de ‘partido em cima do muro’ e ‘com muito cacique e pouco índio’. Isso foi inteiramente superado e o partido se consolidou como alternativa viável para qualquer embate eleitoral, tendo alcançado fazer FHC presidente por dois mandatos, desde o começo de 1995 até o final de 2002.
No deformado quadro político-partidário brasileiro, o PMDB – herdeiro do bipartidarismo imposto pela ditadura – é, na feliz expressão de Marcelo Barbosa, exemplo claro de nosso federalismo de fachada; mais um despachante de verbas públicas do que propriamente um partido. Se preferirem, a comparação com os figurinos do intermediário ou do atravessador também vestem bem nesse partido de vocação coadjuvante que foi, no passado, o grande guarda-chuva que acolhia a todo e qualquer que se colocasse no campo oposto ao do arbítrio. Assim como Marcelo, também penso que o PMDB é muito mais conservador do que propriamente reacionário, uma vez que precisa do Estado para realizar seu projeto, ou sua falta de projeto, como ele diz.
O PSB, embora pretensioso no discurso de intenções é apenas mais do mesmo. Eduardo Campos é uma liderança local sem maior expressão, até pouco tempo linha auxiliar de Dilma e do PT. Acolheu Marina Silva obviamente de olho na extraordinária votação que a senadora teve na última eleição presidencial, pelo prosaico fato de que ela, ao não conseguir viabilizar sua própria Rede, escolheu ser pescada pela rede dele. Mas quantos votos que foram dados a Marina podem ser considerados como patrimônio eleitoral cativo dela? Temo que não sejam muitos. Parece-me que ela teve o mérito de catalisar para si o que num dado momento da campanha representava um desejo difuso do eleitorado de mostrar insatisfação com as escolhas que lhe estavam sendo propostas. Mais um voto contra os outros do que a favor dela. Esse tipo de coisa, até as pedras sabem, acontece. Mas dificilmente acontece de novo com a mesma pessoa que uma vez identificada como membro da congregação, perde o apelo da novidade. O eleitor sabe que Marina queria sair ela própria como candidata, ou seja, ser mais um ator no quadro sucessório, mas ela está longe de exercer qualquer protagonismo, e sua cesta de votos hoje muito provavelmente seria menor do que foi naquele momento específico.
E os nanicos? Nanicos são característicos daquela ‘deformação’ a que nos referimos linhas atrás. Ponto um: servem para marcar a presença de lideranças menores, que não teriam espaço nem para mordomos no fechado clube dos cardeais dos grandes partidos. Ponto dois: eles existem para arrecadar dinheiro, o que inclui estarem credenciados a colher as polpudas dotações que a lei lhes faculta e, principalmente, como balcão de negócios dos preciosos minutos da propaganda política obrigatória no rádio e na TV. O espectro ideológico vai de A a Z e se confunde com o mercadológico, para não dizer mercenário. Servem de escada para o exercício do alpinismo político que irá inflar as várias bancadas do baixo clero: evangélicos, ruralistas, adesistas, isto e aquilo. A sensação que fica no grande público é a de que estão todos à venda, só falta acertar o preço.
É escusado dizer-se que estas linhas gerais de avaliação de conjuntura que estamos exercitando no nível federal prestam-se, com pequenos ajustes, também aos níveis estaduais e municipais. No município, para ficar num único exemplo, um candidato ‘nanico’ tem muito mais oportunidade de virar protagonista.
Assim, nessa análise perfunctória e circular – como um cachorro que corre atrás do rabo – voltamos ao PT e ao PSDB.
O PT escolheu a via institucional para chegar a ser governo. Nascido das reivindicações operário-sindicais do ABC paulista, ampliou-se ao se vincular aos movimentos sociais, ao clero progressista e à intelectualidade. Vítima da ingenuidade purista e do excesso de ‘democratismo basista’ viveu um bom período de crise de identidade em que as correntes internas do partido balançavam entre o socialismo revolucionário e a democracia das urnas. Prevaleceu a articulação e formou-se uma espécie de consenso de que a participação política do partido se deveria dar pela ação parlamentar. O ciclo militar estava encerrado, a democracia restaurada. Agora era começar o processo de construção de um novo Brasil. A opção acabou virando símbolo do partido. O saudoso são-paulino Carlito Maia criou o “oPTei”, sindicalistas e intelectuais se articularam e mesmo as correntes mais combativas ligadas aos movimentos sociais acabaram sendo incorporadas ao projeto maior que almejava um amplo arco de alianças para chegar a ser governo. As bravatas insurrecionais estavam sepultadas.
(sujeito a continuar, se houver quórum e ninguém pedir vistas no processo)