Crônicas que completaram quatro anos em março de 2014 (Parte 3)

29/03/2010

(Continuação)

primus inter pares?

(III)

Mas o Lula é muito melhor de discurso do que o FHC.

Lula fala o que todos querem ouvir e é carismático, convincente como se estivesse sempre envolto numa aura de genuína autenticidade. Faz sucesso aqui e lá fora. Aliás, faz muito mais sucesso lá fora do que aqui (talvez porque a um estrangeiro – com precário domínio do idioma – é sempre mais fácil perdoar a gramática de má qualidade).

Outra coisa: há sim, um segundo aspecto antagônico entre FHC e Lula que possivelmente só será consagrado pela História no futuro, e que, também, pode ser posto numa simples equação: FHC esteve para tremendos azares, assim como Lula esteve para uma sorte tremenda.

Enquanto a gestão daquele foi envolta em turbulências, incidentes e acidentes de percurso, a deste, durante quase todo o tempo transcorreu em mares calmos e céus de brigadeiro. E, mesmo quando a grande onda de uma crise inédita ameaçou afogar as economias mundiais, ao chegar por aqui já estava enfraquecida. E ele que, apressado e inconseqüente, falara em marolinha, virou o profeta do acerto. Isso tem nome: sorte. E, vamos e venhamos, estávamos mesmo – nosso sofrido povão – precisados de um pouco de sorte. Melhor assim, antes assim. Afinal, quem é que prefere colecionar azares?

Mas – e sempre tem um ‘mas’ – é bom não esquecer que se o país não estivesse preparado não haveria sorte que nos bastasse e, muito provavelmente, ‘a vaca iria pro brejo’. E foi esse preparo, essa rede de proteção macroeconômica elaborada a partir daquele desenho inicial a que nos referimos, que nos fez, senão imunes à crise, capazes de enfrentá-la e superá-la.

Não sei se vocês conhecem a fábula das duas plantinhas (não me lembro se é de Esopo ou La Fontaine), mas é mais ou menos assim: Havia duas plantinhas, uma que recebia do jardineiro todo o desvelo e todos os cuidados e estava mirrada e doentinha, e outra, a quem o jardineiro dava pouca ou nenhuma atenção, e que estava viçosa e saradona. O jardineiro queria saber o porquê desse mistério e a resposta foi: essa plantinha que precisa que você regue e cuide dela todo dia é como uma filha adotiva da natureza, mas essa outra para quem você está pouco se lixando, pelo contrário, é filha legítima da natureza. Ela não precisa de você porque dela a mãe cuida!

Esqueçam se estão pensando que vai ter ‘moral da história’. Fábulas (e parábolas) são para que cada um tire suas próprias conclusões.

Quero falar de outra coisa, antes de encerrar.

Lembram-se que o coitado do De Gaulle entrou para o anedotário nacional por algo que não fez, mas que algum engraçadinho disse que fez? Pois é, De Gaulle teria cometido a famosa frase: “O Brasil não é um país sério”.

E se fosse? Talvez Lula e FHC pudessem se render à admiração mútua e, num brinde à incoerência beberem juntos. Lula, um Romanée-Conti; FHC a autêntica e brasileiríssima cachaça.

PSDB e PT, primo-irmãos, esqueceriam suas diferenças meramente semânticas e a disputazinha besta do 'primus inter pares' e, para juntos pensar o Brasil reuniriam suas melhores cabeças, e, assumindo finalmente o DNA de sua identidade comum acabariam por se fundir num único partido: o maior partido do mundo, para os tucanos; um partido como nunca antes se viu na história deste país, para os petistas.

É, pensando bem, acho que não vai dar certo.