Crônicas que completaram quatro anos em março de 2014 (Parte 2)
Primus inter pares?
(II)
Bem, estamos falando de eleições em ano eleitoral e isso implica o perigo permanente de desagradarmos nossos familiares, parentes e amigos, como se costumava dizer. E, se agradarmos a uns, necessariamente estaremos desagradando a outros. Ainda bem; é o que se usa chamar de democracia. Enquanto isso a mídia seguirá repercutindo análises díspares de ‘formadores de opinião’, claramente postos a serviço de um ou de outro candidato.
Tenho certeza que não é só a mim que esse esporte de cientistas políticos – pretensos ou de aluguel – que insistem em ficar comparando PT com PSDB e Lula com FHC, catando aqui e ali minudências e detalhes que lhes venham socorrer a árida escassez de idéias. E mais: procurando pelo em ovo com a mesma diligência com que um cão sarnento cata suas pulgas (como diria Nelson Rodrigues).
Mas, se comparações são inevitáveis, melhor do que relaxar e dar-se ao desfrute, será procurar enxergar com clareza e isenção em meio às densas fumaças amigas e inimigas.
Vamos, pois, às obviedades. Ou seja, àquelas afirmações ditas de imperativo categórico ou mesmo cartesianas, incontestáveis, que o senso comum recomenda que se aceite sem muita polêmica.
E, no meu entendimento, a primeira e principal obviedade é esta: Sem FHC com seus erros e acertos antes, não seria possível Lula depois. Explico: a maior, a grande virtude da chamada era FHC está assentada na estabilidade da economia. O Plano Real, inaugurado ainda no governo tampão de Itamar Franco pelo seu então ministro da fazenda FHC, foi a pedra de toque que deu os parâmetros macroeconômicos que balizaram as ações futuras. Para simplificar, FHC rompeu com a tradição inflacionária e deu-nos os pré-requisitos para avançar; em duas palavras riscou o passado e desenhou o futuro. Convenhamos, não é pouca coisa. E sem que isso tivesse acontecido antes, as políticas sociais e os aumentos reais de salário mínimo, que são a grande virtude da era Lula, não teriam como acontecer.
Se me permitem a blague: FHC botou os pingos nos ‘is’; Lula fez a Reforma Ortográfica.
Mas é impossível não dar valor aos êxitos da era Lula. O aumento do poder de compra do salário mínimo é o maior em quase meio século. O país, em 2002, era o 15º no ranking das economias mundiais; devia ao FMI, ostentava o estigma de cerca de 1.500 pontos de risco Brasil e as reservas não chegavam a 20 bilhões de dólares (na verdade eram 16 bilhões). Hoje – e ainda estamos longe do melhor dos mundos – o risco Brasil beira os 200 pontos, o país é credor do FMI e as reservas estão na casa dos 200 bilhões de dólares.
E a grande, a maior conquista da era Lula foi arrancar da linha da miséria 30 milhões, isso mesmo, trinta milhões de brasileiros que passavam fome e que tiveram a inédita oportunidade de ficar frente a frente com um prato de comida. Não é pouca coisa, convenhamos.
É certo que se encontrarão pontos de total convergência entre FHC e Lula. Professam a mesma ideologia – comum a seus partidos social-democratas PSDB e PT – e seguem a mesma cartilha. Ambos fizeram muito do mesmo, tanto em erros como acertos. Ambos falaram (e continuam falando) suas bobagens. E ambos se mereceram e ainda se merecem. E parecem gostar muito um do outro, pois um e outro estão sempre dispostos a afagos e chamegos mútuos, mesmo nas divergências e desde que haja cobertura da imprensa.
Há, pelo menos, um contraste gritante entre FHC e Lula que pode ser resumido numa equação: FHC está para príncipe, assim como Lula está para sapo. É marcante a diferença entre a superior erudição, o charme e a elegância do príncipe e os modos toscos e a indigência cultural do sapo.
(continua)