ABANDONO HOSPITALAR
Milton Pires
De tudo aquilo que já foi escrito, inclusive por mim mesmo, a respeito da situação da saúde no Brasil, um aspecto há que vem passando despercebido: a condição dos pacientes internados nas enfermarias (não nas emergências ou corredores) dos hospitais públicos.
Formado há vinte anos e atuando hoje em dia exclusivamente dentro das unidades de terapia intensiva (UTI) eu venho assistindo um fato inacreditável: familiares dos pacientes internados, inicialmente em estado grave, e que agora estão prestes a sair da UTI pedindo aos médicos para mantê-los dentro daquelas unidades. Em outras palavras: solicitam que não recebam “alta” para os leitos de enfermaria comum.
A literatura médica a respeito das lembranças guardadas pelos pacientes sobre sua passagem pela UTI é muito clara. As pessoas costumam sempre se recordar de dor, sede, e medo além da contínua ansiedade provocada por alarmes de equipamentos e troca de equipes de trabalho. A perda da noção de tempo provocada pela interrupção do chamado ritmo circadiano faz com que os pacientes não saibam se orientar quanto ao dia e a noite. O sono é frequentemente interrompido pela administração de medicações e de procedimentos e a distância dos familiares – que só podem ser vistos nos horários de visita – é contínua. Em resumo: a experiência de passar por uma internação numa unidade dessas é sempre traumática do ponto de vista emocional.
Feitas as considerações acima, apelo agora ao leitor leigo..à pessoa que me lê sem ter qualquer formação na área médica, para que façam a si mesmas a seguinte pergunta: o que pode estar acontecendo nas enfermarias do SUS para que, depois de tudo aquilo que o Dr. Milton escreveu sobre o trauma de ser internado em estado grave numa UTI, uma pessoa e seus familiares ainda prefiram ficar lá ao invés de serem transferidas para unidades de internação (leito de enfermaria comum). Vou responder numa só palavra: abandono. Os pacientes estão cada vez mais sendo ABANDONADOS dentro dos hospitais públicos brasileiros que não tem sequer corpo clínico definido, onde é cada vez menor o interesse dos profissionais em se sobrecarregar com dez, vinte ou trinta pacientes internados sob sua responsabilidade e onde falta absolutamente tudo para atender as pessoas.
Quem passou, recentemente, pela experiência de ser internado pelo SUS em qualquer hospital do Brasil sabe que os dois únicos lugares em que há uma chance maior de ter contato com médicos são dentro dos serviços de emergência e dentro das unidades de terapia intensiva. Em outras áreas dos hospitais os pacientes estão sendo jogados a própria sorte e sendo, na melhor das hipóteses, assistidos diariamente por enfermeiras ou técnicos de enfermagem. Prescrições inteiras estão sendo copiadas e repetidas (muitas vezes com o simples toque de teclado) por médicos e médicas que sequer sabem quem são os pacientes. O médico está fingindo que atende, o governo brasileiro finge que paga o hospital, e as pessoas fingem que estão satisfeitas. A equação seria perfeita não fosse o fato de que a doença e a morte não foram convidadas para dela tomarem parte. Não se pode fingir nem criar pactos ou termos de “ajuste de conduta” com as intercorrências clínicas de uma pessoa que já está dentro do hospital e que fica semanas sem ser vista por médico algum depois de ter sido atendida no setor de emergência ou de terapia intensiva. A legião de picaretas que compõem hoje as chamadas “grades de internação” (grupo de médicos que vão ter pacientes internados sob sua responsabilidade nos hospitais do SUS) só vai se dar conta de que havia pacientes “baixados” e que deviam ser vistos diariamente quando precisa se defender na justiça depois de ser processada.
O SUS, meus amigos, é o sistema de saúde mais corrupto e injusto do mundo. Caiu como uma luva na mão do PT e vem, com todas as suas barbaridades, criando condições para o fim da medicina no Brasil e para construção de aberrações como o Programa Mais Médicos.
Uma das maiores lições que um médico pode tirar da profissão é que todo ser humano tem sempre medo de duas coisas na hora de morrer: morrer com dor e morrer sozinho. O maldito sistema de saúde perfeita do Brasil Petista criou mais um terror a ser experimentado pelos doentes: o Abandono Hospitalar
Porto Alegre, 5 de maio de 2014.