50 ANOS SE PASSARAM
Há 50 anos o presidente João Goulart defendia reformas de base no âmbito de seu governo. Essas reformas assustaram a classe dominante que, à época - e ainda hoje - não tinha interesse de ver o Brasil modernizado e seu povo devidamente educado e imerso em níveis altos de conhecimento e desenvolvimento.
Um comício foi realizado na Central do Brasil, região central do Rio de Janeiro, reunindo cerca de 200 mil pessoas. Neste evento o presidente conclamou a multidão para o apoiamento de que necessitava o governo naquele momento de ebulição por que passava o país. Havia a necessidade premente de se mudar as estruturas econômicas, então vigentes.
Era o dia 13 de março e o evento teve início às 18h. O presidente Jango discursou à multidão após as falas de José Serra, presidente da União Nacional dos Estudantes, Miguel Arraes, governador de Pernambuco, e de Leonel Brizola, entre outros. O presidente enfatizou o envio, que faria ao Congresso Nacional, de mensagem expondo a necessidade de reformas.
As reformas a que o presidente Jango aludia estavam no campo da reforma agrária, reforma eleitoral, reforma tributária e universitária, dentre outras. Todo esse cabedal de intenções provocava pânico nas classes dominantes, pois não queriam dividir nada com quem já não tinha nada.
Reagem às propostas de Jango os donos do poder, como nos alerta Raymundo Faoro, e começam a contra-ofensiva. Surge, então, a reação da Igreja Católica a partir das Marchas pela Família com Deus e pela Liberdade. Muitas dessas aglomerações são realizadas em variadas parte do país antes e depois do fatídico 31 de março, dia do golpe. Pregavam o enfretamento ao comunismo, às ideias socializantes e pela preservação da família e dos bons costumes. O presidente houvera visitado a URSS e a China havia pouco tempo.
Com o golpe civil-militar a Presidência da República é declarada vaga pelo presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, capacho de primeiríssima hora do novo regime. Todas as liberdades foram cerceadas, estabelecida a censura, proibido todo tipo de reunião, prisões arbitrárias são feitas a qualquer hora e a tortura é instituída enquanto instrumento de uso permanente pelas forças de repressão da nova Ordem.
O regime de exceção, fulcrado no medo e no terror, quando torturar era prática normal, daí vemos as polícias adotarem nas delegacias métodos de tortura e truculência de toda sorte contra pobres e indefesos, isto é fruto do regime militar.
Muitos se destacaram enquanto torturadores, a exemplo dos famigerados Sérgio Fleury, Coronel Brilhante Ustra, Major Sebastião Curió, Wandenkolk Wanderley, Coronel Paulo Malhães e tantos outros que descansam impunes sob o manto e proteção da Lei de Anistia de 1979. Todos, assassinos, velhinhos sádicos e malvados, contam histórias e se arvoram no direito de terem feito o que fizeram “em nome da pátria” que eles queriam e conseguiram implantar por meio do terror nos porões da ditadura, no Departamento de Ordem Social e Política – Dops., nos Destacamentos de Operações de Informações –Centro de Operações de Defesa Interna, os famigerados e ‘indefectíveis’ DOI-CODIs, verdadeiros centros de torturas as mais cruéis possíveis, e também nas denominadas Casas da Morte onde quem entrava vivo só saía morto para ter o corpo lançado em alguma cova rasa, vala comum ou triturado para não se deixar vestígios.
Há na sociedade uma cultura do silêncio que se impõe sobre os fatos relativos ao golpe de 1964. Outros países da América Latina, a exemplo do Chile e Argentina, já levaram ao banco dos réus os que torturaram e mataram; quem dava as ordens e quem executava. Comissões da Verdade foram criadas em muitas partes do Continente, restabelecendo-se e localizando a verdadeira história de opressão.
O Brasil não deve e nem pode se esquivar diante dos maus feitos daqueles que, um dia, proibiram que os sonhos de muitos fossem concretizados. E que sonhos eram esses? O sonho de ter a terra para plantar, a escola boa socializada para todos, acesso aos filhos da pobreza no mundo universitário, e que tivéssemos uma reforma eleitoral capaz de assegurar eleições limpas garantindo escolhas soberanas por parte também dos analfabetos.
A indiferença não pode ser a marca impressa em nossas quase adormecidas consciências nem a passividade seja a prática constante que permeia nossos passos.
As oligarquias, como antes, hoje ainda mandam, conspiram e tergiversam quando o direito é cobrado para aqueles que não têm direitos. Dar vez e voz a quem não as tem é um perigo para esses detentores do poder.
As reformas pretendidas pelo presidente João Goulart tiravam o sono dos ricos e enchiam os pobres de esperança: “Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça social e pelo progresso do Brasil", proclamou Jango.
E os pobres, por que acreditaram na nova Ordem constituída? A grande mídia se encarregou e ainda se coloca bem nesse papel: tornar as massas, massa de manobras.
*Coordenador do Arquivo Público Municipal de Águas Belas – APMAB.