A RAZÃO MENOR

Milton Pires

Quando Nietzsche deu a entender que toda razão ocidental estava doente, ele o fez atribuindo à moral cristã a causa disso. Penso não estar errado quando afirmo, já no início desse artigo, ser possível definir a razão como minha capacidade de julgar e, seguindo a mais kantiana das tradições aceito, para efeito de discussão, que a verdade é a concordância da razão com seu objeto. O que não parece claro, a mim mesmo, nesse início é o fato de que percebo como sendo externo...como sendo algo dado à minha consciência, como posto perante ela e passível de ser percebido, isso que chamei de “objeto” sobre o qual minha razão se detém. Proponho aqui chamar de “positiva” esse tipo de razão e os convido agora a imaginar uma inversão: acreditar, por um momento, que todos os valores, todos os conceitos de certo e errado pudessem, por um momento, partir da ideia de um mundo que não existe..de algo por vir a ser construído e, imediatamente, lembro que trataríamos aqui de um paraíso na própria terra...da felicidade a ser conquistada nessa vida; não depois da morte – caso esse em que eu chamaria de “transcendental” o tipo de razão que tem como objeto a investigação metafísica.

O que eu tentei fazer nesse primeiro parágrafo foi sugerir ao leitor que considero como “positiva” ou como “transcendental” toda razão que se pretende sadia...todo ordenamento interno da consciência que supõe ser externo ou transcendente aquilo que ele mesmo, “ordenamento”, entende como sendo objeto de sua investigação. Quando apelo ao conceito de razão “positiva” ou razão “transcendental” eu o faço na tentativa de distinção daquilo que vou chamar aqui de razão “negativa”...de uma capacidade de julgar fiel à ideia do movimento revolucionário que entende a possibilidade de um paraíso aqui e agora...nesse nosso próprio mundo em que nos encontramos. Do conflito surgido entre a percepção de uma realidade em movimento e a ideia de um paraíso nela mesma nasce a patologia do pensamento revolucionário que, ao decretar a morte da metafísica e da razão transcendental...ao zombar de um “Deus que não sabe dançar” e da “vontade dos fracos no cristianismo” reduz às cinzas toda possibilidade de ordenamento moral na História.

Necessário é agora afirmar que nasceu do marxismo e da psicanálise a força necessária para desconstrução de uma razão que pudesse elevar-se além da realidade material e da morte física. Partindo da ideia de que a história é uma luta de classes e que sua gênese pode ser compreendida pela economia política, funda-se a possibilidade do paraíso terrestre; explicando a crença em Deus como solução para o medo da morte, rotula-se como doença toda investigação metafísica. Nasce assim uma razão revolucionária..um pensamento capaz de “formatar” o andamento da história conforme lhe convenha e onde não há espaço algum para própria moralidade. Daí a necessidade constante de lembrar àqueles que criticam o movimento revolucionário pela sua “imoralidade” e (por exemplo, nas Marchas das Vadias, da Maconha, ou do Aborto) que é infrutífera...que é vã e até mesmo perigosa a ideia de aceitar essa discussão com seus adeptos.

Quando mais nada puder ser lembrado como legado deixado por Nietzsche, filósofo que foi responsável pelo nascimento daquilo que chamei de “desconstrução”, ainda vai ser necessário recordar que lhe devemos esse certo “olhar clínico”...essa típica classificação etiológica capaz de nos remeter a uma origem comum entre Filosofia e Medicina e que foi, ela mesma, desgraçadamente, uma das fontes do pensamento revolucionário e do nascimento de uma razão doentia...de uma razão que vou chamar de “negativa”....de uma Razão Menor.

Em memória do amigo e professor, Dr. Celso Blacher

Porto Alegre, 17 de março de 2014.

cardiopires
Enviado por cardiopires em 17/03/2014
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