A Revolução de 1964
A Revolução de 1964
Creio ser necessário tecer alguns comentários sobre a Revolução de 1964 que, breve, completará cinqüenta anos. Algumas notícias recentes ligadas àquele fato histórico, como a exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart, as ações da Comissão da Verdade, a anulação da sessão do Congresso Nacional que destituiu Jango, e tantas outras manifestações de repudio ao movimento político, com nítido desdém para com os militares, levam-me a tentar esclarecer, aos que não viveram naqueles dias, um pouco da verdade histórica de tal forma que as criticas sejam mais serenas e justas. À época, com meus 23 anos de idade, estudante da PUC – Rio, participei ativamente dos movimentos de rua - os que apoiavam o governo de Jango e nós que nos opúnhamos ao que estava acontecendo.
É necessário que se volte ao passado e se relembre, com honestidade, o que estava ocorrendo no Brasil e no mundo, o ambiente sócio político que condicionava nossos pensamentos e ações. Geralmente se julga o passado com as categorias políticas atuais, esquecendo que há meio século as condições eram muito distintas. Só assim procedendo seremos capazes de, hoje, fazer um julgamento justo sobre o movimento revolucionário liderado pelos militares, mas apoiado, inequivocamente, pela maioria da população brasileira - políticos, empresários, religiosos, imprensa e estudantes. Havia a onipresença da “guerra fria”, conflito ideológico entre a extinta União Soviética e os Estados Unidos e Europa Ocidental, com ramificações de apoio dos governos e das populações do mundo periférico dos demais continentes. Fidel Castro entusiasmava jovens e trabalhadores, mostrando que era possível mudar um país pela via do socialismo marxista. Esse era o quadro em que vivíamos, discutíamos e nos posicionávamos. Esse era o pano de fundo real, o ambiente político verdadeiro no qual aconteceu a Revolução de 1964. Na América Latina, no Brasil em particular, simplificavam-se as atitudes: eram os “comunistas” de um lado e os “democratas” do outro, e boa parte da população sentia, sabia, que se jogava, então, o futuro do país.
O Presidente João Goulart, assessorado por uma equipe de nítida opção pela esquerda socialista marxista, incompetente, sem liderança popular expressiva, era conduzido pelos acontecimentos que, nas ruas, ganhavam expressão ruidosa e atemorizadora – interessante como não se comenta a atitude truculenta e totalitária da esquerda socialista com suas propostas também revolucionárias... A oposição, com Carlos Lacerda à frente, apoiado por jornais como O Globo (RJ), o Estado de São Paulo (SP), o Correio do Povo (RS), Diário de Pernambuco (PE) e o Estado de Minas (MG), e tantos outros, criticava as propostas socializantes, a criação de uma republica sindicalista, as reformas de base a serem conduzidas “na lei ou na marra”, as tentativas de desestruturação das forças armadas, principalmente com o aliciamento de sargentos e suboficiais desde 1961. Essas propostas, que levariam o Brasil à guerra civil, eram inaceitáveis pela maioria da sociedade, que iniciou a construção de formas de resistência várias a partir de 1963: editoriais nos jornais, discursos no Congresso Nacional, confrontação entre estudantes nas reuniões da UNE e passeatas nas grandes capitais. A gota d’água foi a precipitação da esquerda, que já se considerava vencedora, de provocar a “revolta dos marinheiros”, reunidos num sindicato no centro da cidade do Rio de Janeiro e, logo depois, uma reunião de sargentos das três forças armadas contestando a ordem democrática vigente, com a presença de João Goulart. Em menos de uma semana, caiu o Presidente e ruiu toda a “estrutura revolucionária” da esquerda que se dizia imbatível, instalando-se o regime militar de exceção, que durou vinte anos.
Os militares e os milhares de civis que os apoiaram estavam certos ao se anteciparem à aventura ditatorial da esquerda, que, certamente, viria com Jango ou sem ele, (não nos esqueçamos de Brizola). Foi, sim, uma contra revolução preventiva. Os erros começaram com AI 2 e o AI 5, com a extinção dos partidos políticos, a censura, as cassações, a abominável tortura, as prisões, a doutrina da segurança nacional, a cristalização do poder militar com ingerência, indesculpável, em todas as áreas da vida nacional. Caso os militares não tivessem interrompido as eleições previstas para 1965, com a quase certa vitória de Juscelino Kubitschek, sofrimentos e arbitrariedades teriam sido evitados. Foi esse o momento em que muitos que haviam apoiado a Revolução de 64 se bandearam para a oposição, inclusive eu.
Relembre-se, de passagem, que não foram, como nos nossos dias se quer fazer crer, os guerrilheiros e guerrilheiras que restauraram a democracia no Brasil, chegando-se à Constituição cidadã de 1988, (eles, ao contrário, retardaram o processo de democratização). Foram, sim, as ações de políticos, como Franco Montoro, Tancredo Neves, José Richa, Mario Covas, Marco Maciel, Teotônio Vilela e tantos outros, a Igreja Católica e os artigos de jornalistas do teor de um Carlos Castelo Branco e de Villas Boas Correa, que despertaram, novamente, a população para a necessidade de se restabelecer a democracia plena no país – uma exigência incapaz de ser desconsiderada pelos então detentores do poder.
Por fim, não posso deixar de propor um tema para a reflexão dos cidadãos e cidadãs responsáveis: - 2014 será um ano de eleições gerais, a oportunidade democrática do povo, pelo voto, de substituir partidos ridículos e essa maioria de políticos incompetentes e corruptos por uma nova geração de cidadãos honestos e capazes, dispostos a transformar o Brasil numa grande nação, sonho que persiste inconcluso desde a independência. O povo é o protagonista maior, o elemento decisivo nesta “revolução” que se quer há muito tempo. Optemos por esta alternativa constitucional para afastar a possibilidade de outra experiência autoritária. É bem provável que o povo novamente se levante, com o apoio dos militares, para por fim às tentativas de imposição de uma ordem política socialista totalitária, algo ultrapassado e contrário aos interesses de homens e mulheres que se querem livres.
Que a honestidade, o bom senso, a competência e a responsabilidade histórica voltem às mentes dos políticos, para que se possa fazer deste querido Brasil uma terra de paz, de justiça, de prosperidade equitativamente dividida, de solidariedade e de plenitude democrática.
Eurico de Andrade Neves Borba, 73, aposentado, é escritor