NOSSO CONTINENTE
Em 1905 H. Garnier- livreiro-editor – publicou no Rio de Janeiro o livro “América Latina: Males de Origem”, de Manoel Bomfim. Nesta época, o Autor estava muito preocupado com a opinião dos europeus sobre a América Latina. Bomfim mostra como os europeus estavam eivados de preconceitos em relação ao nosso continente. Os europeus consideravam, então, lastimável e irritante que a Europa sábia, civilizada, laboriosa e rica, tivesse que se contorcer, comprimida em terras estreitas, enquanto alguns milhões de preguiçosos, mestiços degenerados, bulhentos e bárbaros, se declaravam senhores de imensos e ricos territórios, considerando-se nações. Era visto que os latino-americanos eram incapazes de organizar verdadeiras nacionalidades. A Europa não deveria permanecer indiferente frente a este quadro.
Poucas informações corriam na Europa sobre a América Latina. Destacavam-se apenas as frequentes revoluções, as ações dos caudilhos, que se autodenominavam de generais, as mudanças constantes das constituições, a ociosidade, a miséria e a ignorância do povo. Ao lado disto, generalizava-se a corrupção dos políticos. Geralmente os políticos corruptos, que haviam amealhado grandes fortunas, fugiam para a Europa. Isto dava a impressão de que todos os políticos da América Latina eram da mesma laia, e o povo, em sua totalidade, era ignorante.
Bomfim argumenta que estes preconceitos dos europeus perduravam não apenas por culpa dos europeus. Os próprios latino-americanos não procuravam superar estas impressões, pois não cuidavam em aperfeiçoar sua diplomacia, valorizando suas riquezas. Aceitavam em ser uma espécie de vassalos dos Estados Unidos, buscando apenas os produtos e as ideias vindas do continente europeu e norte-americano.
E, hoje? Mais de um século após Bomfim?
A opinião dos europeus já caminhou. Entretanto, muitos europeus estão se transferindo para América Latina, por causa das oportunidades de trabalho e a natureza maravilhosa desta parte da terra. Por parte dos latino-americanos, da maioria de seu povo, a autoestima cresceu muito. Ter sangue indígena ou africano já não diminui a pessoa. A mestiçagem, por muitos antropólogos e sociólogos, hoje, é considerada protótipo da humanidade do futuro. A maioria dos países latino-americanos já não é mais presa de caudilhos, e assolada por revoluções e ditaduras. Cada vez mais latino-americanos estão tendo acesso aos bens da civilização.
Claro, nem tudo anda bem neste continente. Ainda perdura demasiadamente a praga do analfabetismo, da corrupção, da violência, da miséria, da distribuição injusta da renda, dos preconceitos raciais e de classes sociais, da falta de políticas de saúde e educação adequadas, do clientelismo político...
Com certeza, em seu devido tempo, o continente latino-americano será um continente em que os habitantes terão orgulho de sua terra, de seus sábios, de seus trabalhadores e de seu modo de vida. Mas, a chegada deste tempo, dependerá dos próprios latino-americanos.
Inácio Strieder é Professor de filosofia – Recife-PE