INCLUSÃO SOCIAL E EXCLUSÃO POLÍTICA – AVISO SOBRE 2014
Milton Pires
Uma das expressões prediletas usadas na defesa do governo petista é “inclusão social”. Até hoje não entendi exatamente o que significa. Imagino que o Partido perceba-se como capaz de colocar na sociedade pessoas que estavam “fora dela”. Estar fora da sociedade significa o que? Ser um marginal, imagino eu, mas aí coloca-se a confusão: deve-se fazer uma diferença muito clara entre estar fora da sociedade e ser um “fora da lei.” A pergunta portanto é: existe alguém fora da sociedade? Aqui a resposta é uma só: não - o homem é um ser social. Resta uma última alternativa: imaginar que o Partido-Religião esteja se referindo às pessoas não produtivas, sem emprego ou qualquer tipo de renda, aos miseráveis e descamisados que vagam pelas ruas do Brasil.Pois bem, digo que trataremos aqui com essa última tese.
Aceitando que seja o conceito correto, cabe perguntar logo na saída: como se sustenta do ponto de vista lógico um partido revolucionário que tem orgulho de inserir a população no modo de produção que pretende derrubar? Imagino que a resposta, no sentido marxista ortodoxo, seja: isso é necessário até que o grau de desenvolvimento das forças produtivas seja capaz de impulsionar o movimento revolucionário, não é mesmo? Novamente respondo eu: isso seria verdade caso estivesse em andamento no Brasil um plano geral ortodoxo em que a conquista dos meios de produção fosse o objetivo principal. Sabe-se muito bem não ser esse o caso aqui. A estratégia é de revolução cultural e não me parece haver mudança de planos nisso.
Nesse parágrafo um resumo: já sabemos que a revolução no Brasil dá-se através da cultura e que inclusão social nada mais significa do que empregar pessoas sem renda alguma na cadeia produtiva definida pelos próprios petistas como “capitalista”. Resta confirmar ou não uma coisa – em que medida existe conflito ou conveniência entre essa duas estratégias.
Afirmo, de maneira absolutamente nada original, que toda grandeza de uma civilização reside numa espécie de equivalência entre sua riqueza e sua cultura. Imagino a existência de uma espécie de “acoplamento” ou de “compatibilidade” entre aquilo que se produz e o que se é capaz de pensar. Em toda história humana, uma grande dissociação entre esses dois elementos me parece ter sido sempre a causa da escravidão, da guerra e do sofrimento imposto pelas grandes ditaduras do século XX.
Nada me parece mais claro do que o rebaixamento de toda cultura superior que existia no Brasil. Já escrevi que desde 1968, ou antes, o movimento revolucionário tem sido incansável na tarefa de destruir nossa capacidade de pensar mas, num exercício de imaginação, gostaria de definir quais as consequências disso no futuro próximo da nossa história.
Recentemente as ruas de Estocolmo e outras cidades da Suécia foram palco de vários distúrbios e movimentos de minorias étnicas. Num contexto de “multiculturalismo” e “bem estar social” surgiram as teses capazes de sustentar a violência como forma de ação política num dos países com os melhores níveis de desenvolvimento do mundo. O que aconteceu lá? Um paradoxo, uma dissociação completa entre riqueza material e de pensamento. Insuflados pelo dogma de que o Estado tudo lhes deve, imigrantes e minorias étnicas enfureceram-se contra o governo levando às ruas um verdadeiro pesadelo. Mesmo longe de serem comunistas ou de possuírem idéias em comum com o Partido dos Trabalhadores, os manifestantes da Suécia tinham, assim como os de junho no Brasil, a noção de “desassistência” e a idéia de “abandono” por parte de um estado que estaria traindo sua constituição.
Nada do que escrevi no último parágrafo pode ser aplicado àqueles que, recebendo 70 reais do PT e usando uma máscara ou camisa amarrada no rosto, atacaram lojas e incendiaram carros nas ruas do Brasil em junho. Não é aos black blocs que aqui me refiro, mas às dezenas, às centenas de milhares de brasileiros que caminharam pacificamente pelas ruas do país com uma sensação de gigantesco mal-estar e com uma noção de abandono que perigosamente não encontra capacidade de tradução alguma através da ação política tradicional. Duvido muito que a gigantesca maioria desses manifestantes não tivesse emprego e condição econômica suficiente para possuir em casa os mais recentes meios de comunicação. Não era “inclusão social” que essas pessoas queriam; era “inclusão política”...São conceitos completamente diferentes e que não podem ser confundidos.
Assistimos desde 2003 no Brasil a um processo de desencanto com a política. Observamos a nós mesmos sendo tragados por um vácuo resultante do desacoplamento entre riqueza e cultura. Pessoas sem primeiro grau completo embarcam em aviões para Europa afirmando, como aquelas de nível superior, que os “políticos são todos iguais” e que não há solução para o Brasil..Vejam que escrevo isso sem me interessar se é verdade ou não pois o que me chama atenção é o fato de educação e poder econômico em nada influenciarem esse tipo de opinião. Tal homogeneidade de pensamento é , segundo os intelectuais da nação, prova de sua originalidade e relação com a verdade.
Concluo dizendo que é urgente perceber a diferença entre inclusão social e exclusão política e que a gigantesca maioria do povo brasileiro não tem representação partidária alguma. Em toda história da humanidade a guerra civil teve sempre como causa o descrédito com relação a política; nunca o sofrimento com a fome – aviso sombrio para aqueles que ainda defendem o Bolsa Família e que, em 2014, há de ser dolorosamente lembrado.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2013.