GREGÓRIO BEZERRA: HOMEM DE FERRO E FLOR

Quando os restos mortais do ex-presidente Jango são recepcionados para nova autópsia e se rediscute o grave acidente que culminou com a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek na Rodovia Presidente Dutra - fatos ocorridos em 1976 - faz-se memória dos trinta anos do falecimento de Gregório Bezerra, velho líder inconteste das lutas libertárias do Brasil; voz dos sem vez nem voz.

Defensor dos pobres e desvalidos. Amigo das crianças, como ele mesmo gostava de ser chamado. O homem de ferro e flor, conforme Ferreira Gullar.

Gregório Lourenço Bezerra, nascido na cidade de Panelas de Miranda – atualmente Panelas - Agreste Meridional de Pernambuco, em março de 1900, perdeu seus pais em tenra idade tendo que trabalhar na lavoura desde muito cedo, ainda na adolescência. Aos vinte e cinco anos não sabia ler. Autodidata, aprendeu a ler e escrever e logo entrou no Exército. Homem de forte ideologia jamais transigiu ou negociou princípios, mesmo sob as mais terríveis torturas e castigos a que sistematicamente fora submetido em vários períodos de sua vida.

Membro do Partido Comunista Brasileiro – PCB – participou de uma insurreição militar, mais conhecida como Intentona Comunista no Recife, em 1935, e preso após desarticulação desse movimento pelas autoridades locais, fato que lhe rendeu uma condenação a quase 28 anos de prisão, sendo posteriormente anistiado. Concorreu ao mandato de deputado federal por Pernambuco à Assembleia Nacional Constituinte. Eleito em 1945 foi cassado em 1948 juntamente aos seus companheiros também deputados do PCB quando este partido teve seu registro cassado pela Justiça Eleitoral, serviçal do latifúndio e das oligarquias então imperantes.

Filho da pobreza e da exclusão social, Gregório destacou-se por sua defesa intransigente dos trabalhadores rurais, das empregadas domésticas, das crianças quando pedia que se construíssem creches para abrigá-las enquanto suas mães, operárias, trabalhavam.

Nasceu extremamente pobre e sabia o que significava a miséria. E contra esta lutou, despertando a ira daqueles que sempre detiveram e ainda detém o poder nas formas multifacetadas. E por isto foi rotulado enquanto subversivo, prática costumeira daqueles que, não concordando com discursos revolucionários ou discordantes do sistema reinante, buscam desqualificar aos seus desafetos.

Foi uma voz combativa na defesa dos direitos de quem não tinha direitos num país oligárquico e de uma política mesquinha ainda vista e implementada nos dias de hoje. Falava com conhecimento de causa sobre as mazelas que marcavam profundamente aos pobres, pois fora lavrador, jornaleiro, empregado doméstico, trabalhador da construção civil e sargento do Exército.

Gregório Bezerra teve uma trajetória de pertença às classes mais humildes. Nelas teve sua origem e delas jamais se afastou. Participou da organização de sindicatos de trabalhadores rurais numa época em que falar de reforma agrária era assinar sentença de morte ou ser excomungado por alguns setores reacionários da Igreja Católica; época que se dizia que o pobre era pobre porque Deus assim o queria.

Sempre militou no campo da esquerda apoiando o governo Arraes e foi amigo do lendário Luís Carlos Prestes, idealizador da Coluna Prestes.

Com o advento da ditadura militar a partir do fatídico ano de 1964, é preso e levado ao Exército. Seria aí submetido às mais terríveis torturas; imergem seus pés em solução de bateria e, em carne viva, mandam-lhe caminhar sobre britas. Como se não bastassem tais sofrimentos é espancado com uma barra de ferro e depois arrastado por cordas presas ao pescoço pelas ruas do bairro de Casa Forte, em Recife, com transmissão pela televisão local, tudo sob os olhares atônitos dos moradores da localidade e sob os gritos e palavrões do famigerado e desumano coronel do Exército Darcy Vilocq, seu algoz.

O Estado de Pernambuco teve forte repressão neste período de anos de chumbo. A começar pela deposição e prisão do seu governador, Miguel Arraes de Alencar. Muitos foram os torturadores na ditadura militar em todas as partes do Brasil. Causa indignação o que foi feito à David Capistrano, deputado pernambucano que após ter sido preso no Rio Grande do Sul foi barbaramente torturado e teve o corpo esquartejado e os pedaços pendurados como se pendura carne no açougue.

Que a história não esqueça de criminosos como Wandenkolk Wanderley, deputado estadual e delegado de polícia na capital pernambucana que gostava de torturar presos políticos arrancando-lhes as unhas com alicate e bradava da tribuna da Assembleia Legislativa chamando dom Hélder Câmara de muito perigoso. E o ex-major José Ferreira, peça-chave nos anos de chumbo, membro do Comando de Caça aos Comunistas? Também não se deva esquecer da figura abjeta do outro delegado de polícia Sérgio Paranhos Fleury, que se deleitava em torturar usando bichos peçonhentos em mulheres e utilizava-se de métodos os mais horripilantes possíveis. Lá no Norte do Brasil, o major Sebastião Curió, alvo de ações do Ministério Público Federal; coronéis Lício Maciel e Brilhante Ustra, responsáveis pela perseguição aos “subversivos” do regime de 1964. Torturadores de comunistas arruaceiros, terroristas e guerrilheiros, como eram denominados os que divergiam, enquanto estavam pendurados no pau-de-arara ou tendo os olhos, a língua ou as unhas arrancados nas dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).

Muitos desses torturadores, agora idosos, ainda vivem sem que a lei lhes puna enquanto é possível. Talvez alguém diga que isto é absurdo; julgar velhinhos já perto da morte. Seria desumano. E os torturados ainda vivos? A estes resta a letra fria da Lei de Anistia e gente a lhes jogar na cara a pecha de que foram comunistas, subvertiam a Ordem das coisas e tinham que ser perseguidos incessantemente pela intransigência de quem não admitia a diversidade de pensamento e a igualdade para todos.

A luta contra o arbítrio foi uma bandeira de muitos que tinham compromisso com a Justiça e a Liberdade e também o foi para Gregório Bezerra. Seu crime maior foi pensar em um mundo onde a terra seria dividida, o pobre tivesse trabalho e salário dignos, o ancião tivesse descanso na velhice e a mulher fosse respeitada em todos os seus direitos. Quem pensa assim é subversivo, arruaceiro e baderneiro! E Gregório o foi na essência.

O poeta Ferreira Gullar assim o descreve: “Mas existe nesta terra muito homem de valor que é bravo sem matar gente, mas não teme o matador, que gosta da sua gente e que luta a seu favor, como Gregório Bezerra, feito de ferro e de flor"

Salve Gregório Lourenço Bezerra, feito de ferro e flor.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 16/11/2013
Código do texto: T4573719
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