Quase, Silvio! (texto ao blog Pílulas do Poder)
Silvio Santos disse querer acabar com a inflação. PT e PSDB estavam de mãos dadas por uma ideia única. 22 postulantes queriam comandar o Brasil. Partidos hoje extintos – PCN, PLP, PDC do B, Prona, PDN, PMB... e PRN. Dia 15 de novembro está próximo e não quero esperar as bodas de prata para escrever sobre a eleição presidencial, sem dúvida, que mais marcou os brasileiros. Era o primeiro pleito desde 1960 para eleger o principal cargo do país e a política estava em polvorosa. A Constituição Cidadã havia sido promulgada um ano antes e milhões de eleitores jamais haviam votado para tal. Os candidatos a candidatos já davam o ar de sua graça. Por exemplo: sabia-se, de antemão, da postulação de Ulysses Guimarães (PMDB), presidente da Câmara dos Deputados Federais, o ‘Senhor Diretas’. Sim, você leu certo. Naquele tempo, como a Bíblia crava, o PMDB batalhava por candidatura própria; Luís Inácio da Silva, ainda sem o Lula incorporado ao nome, então deputado constituinte, seria outro certo; o PSDB, criado em 1988, indicaria um nome, evidentemente, e Mário Covas era sondado; o PFL (hoje o falido DEM) era, acreditem, a segunda agremiação do Brasil (o líder era o PMDB), e também era lógico o lançamento de alguém (olha a Bíblia aí de novo!). Assim, a panela se formava, tomava jeito. E os eleitores estavam sedentos para ir às urnas.
Por sua graça, os imponderáveis surgiriam. Candidatos totalmente desconhecidos do público emergiriam ao lago das opções. E eles vieram aos magotes – lista é grande: Manoel Oliveira Horta (PDC do B), Antônio dos Santos Pedreira (PPB), Armando Correia (PMB, guardem este nome mais para frente), Eudes Oliveira Mattar (PLP), Lívia Maria Pio (PN, a primeira mulher a disputar), Zamir José Teixeira (PCN), Paulo Gontijo (PP), José Alcides Marronzinho de Oliveira (PSP), Enéas Carneiro (Prona), Fernando Collor de Mello (PRN). Opa! Collor era governador de Alagoas e anunciou lançar seu nome à presidência durante uma viagem à China, com empresários. Filiado ao PMDB, sabia que teria de deixar a legenda se quisesse algo maior. Flertou com o Partido da Juventude e fundou o da Reconstrução Nacional. É bom lembrar as regras (?) daquele período: não havia muitas. O PRN, por exemplo, foi criado no ano da eleição, o que hoje é contra a lei. Dos nomes comuns dos brasileiros, além de Lula, Ulysses e Covas, vieram Aureliano Chaves (PFL, vice-presidente de Figueiredo entre 1979 e 1985), Paulo Maluf (PDS), Leonel Brizola (PDT), Ronaldo Caiado (PSD), Roberto Freire (PCB), além do engenheiro e ex-senador pelo Paraná Affonso Camargo Neto (PTB), Fernando Gabeira (PV), o jurista Celso Brant (PMN) e Guilherme Afif Domingos (PL). 22 figuras!
Não me referirei aqui dos mandos e desmandos da TV Globo nesta eleição, nos debates etc. Para isto, o livro ‘Notícias do Planalto’ (1999), de Mario Sergio Conti, é esclarecedor. Diretor de redação da revista Veja nos anos 80 e 90, Conti escreveu um documento imprescindível e obrigatório. Ainda indico o documentário ‘Arquitetos no Poder’ (2010), de Alessandra Aldé e Vicente Ferraz, sobre os bastidores das campanhas políticas. Tem maior ênfase na de 1989, claro. Aliás, os jingles desta disputa marcaram território e atualmente são recordadas pelas pessoas. O ‘Lula lá / Esta estrela brilha / Meu primeiro voto...’ é considerada a melhor música. O ‘Lá, lá, lá, lá, lá, Brizola!’, idem. E o ‘Vote no velhinho’, de Ulysses, lembram? Afif e seu ‘Juntos chegaremos lá’ e Collor com ‘Caçador de Marajás’ ficaram na história. Sobre os programas do horário eleitoral gratuito, a ‘Rede Povo’, elaborada pela trupe petista, deixou sua marca. O que ocorreria se a ‘Rede Povo’ retornasse em 2014 hein? Nestes nossos dias de tudo totalmente politicamente correto, processos e cabeças rolariam. Hoje está chato. Tudo está chato. Os programas eleitorais são engessados e aquela balbúrdia de outrora ficou no chinelo. Longe de mim querer bagunça, mas não aspiro a ‘Lei Falcão’. Quaisquer deslizes são motivos para agruras, discussões, xingamentos e aviltamentos. O caminho é difícil.
A disputa caminhava. Eis que em agosto, três meses antes da votação, vem Silvio Santos. De início, Afif oferece a legenda ao animador, para vice. Silvio recusa. Afif, então, entrega-lhe a cabeça-de-chapa. Silvio aceita, mas aguarda a confirmação do candidato do PL, que não chega. Dois meses se passam. A 24 dias do sufrágio, o PFL, legenda a qual Silvio se filiara um ano antes, quando pretendeu disputar as eleições para a prefeitura de São Paulo (não concorreu por conta da doença nas cordas vocais), aparece e sugere a desistência de Aureliano, que ia mal nas pesquisas. Silvio entraria no lugar dele. Mas Aureliano não pulou fora. O dono do SBT se empolgou com a oportunidade de se tornar presidente. Dava entrevistas nas quais inclusive falava como presidente. Enfim, aquilo lhe subiu à cabeça e a ingenuidade de Silvio imperou. ‘Conversei com minha esposa e minhas filhas, porque agora a vida será diferente, vamos ter que nos mudar para Brasília’, declarou o apresentador, sem sequer saber se participaria das eleições. Com Aureliano dentro, Silvio, procurou outro partido. Isto aconteceu nos dias 29, 30 e 31 de outubro – a eleição era dia 15 de novembro. Situações inimagináveis em nossos dias à parte, o Partido Municipalista Brasileiro ofereceu-lhe colo. Fundado por um pastor evangélico (Armando Correia) em 1985, o PMB agora era a casa de Silvio, com o número 26.
Collor, líder nas pesquisas, ficou assustado. Caso se concretizasse a candidatura de Silvio, as chances de Collor ver naufragar seu sonho eram imensas. Na corrida contra o tempo, quatro programas eleitorais do dono do Baú foram ao ar com a música ‘Silvio Santos já chegou / E é o 26!’. Silvio falava sobre emprego, saúde, habitação, justiça social, dívida externa, inflação e educação. Porém, tudo de forma genérica, sem explicar nada. ‘Vou atacar a inflação e melhorar o salário mínimo’, dizia. E daí? Como faria isso? Como escrevi antes, Silvo era bobo demais, estava deslumbrado com a situação criada em torno dele e caiu numa armadilha (em 2013, na coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo, ao ser perguntado sobre aquela época, Silvio brincou e falou que tudo não passou de uma frescura de sua parte). Os jornalistas foram espertos e aproveitaram cada entrevista coletiva para gastá-lo politicamente, pois Silvio só dava respostas vazias, evasivas, sem nexo, era claro que não sabia daqueles assuntos. Mas o PMB foi impugnado pela Justiça Eleitoral. Uma série de irregularidades tinha sido descobertas e, além disso, o animador seguia com os programas de domingo no SBT, e ele teria de ter saído seis meses antes. Portanto, as penas eram essas. O PMB foi extinto e Silvio, impedido (ele voltaria à tona na história de querer ser candidato em 1990, a governador de SP, e 1992, para prefeito – chegou a anunciar – mas desistiu de ambas – em 2002, o seu nome foi somente ventilado nos corredores do PFL, mas logo derrubado – em 2002, o PFL já era dependente do PSDB). Sorte de Silvio ou nossa?