Não dar para ser feliz
Não dar para ser feliz
Duvido que, se Gonzaguinha vivesse no Brasil de hoje, teria o mesmo argumento, que o motivou a compor sua música “O que é o que é”. (Viver, e não ter a vergonha de ser feliz...). Ter vergonha hoje seria a principal razão para não se demonstrar felicidade? Se ele vivesse ainda, não teria mais essa percepção, que o levaria a afirmar ser vergonha, a razão da não demonstração de alegria do brasileiro. Pelo contrário, a falta de vergonha, este aspecto sim, é a principal causa da infelicidade geral da Nação: desavergonhados políticos, corruptos, caras-de-pau poluindo a sociedade. Desilusão com o que plantamos, ou pretendemos plantar (geração Ditadura) e a colheita dos maus frutos. A constatação é que continua “tudo d’antes, no quartel de Abrantes”. Consola-nos perceber a Democracia conquistada e salafrários sendo julgados. Nem todos na Cadeia, mas isto é outra discussão.
Contrariando nossa expectativa, tanto aqueles jovens do passado, (muitos dos quais hoje senhores do poder), quanto a atual juventude, (ressalvando muitas exceções) abusam do despudor, escancaram a “desavergonhice”, buscando este pseudo-sentimento felicidade. Talvez porque a conotação da palavra mudou, face à percepção do sensível Gonzaginha. Hoje ela restringe-se ao ganho do poder ou do dinheiro fácil. Claro que, indivíduos da geração “anos chumbo”, continuam se esforçando pela família, por um Brasil melhor, com a consciência tranqüila de poder transmitir para seus entes queridos, o que acreditam ser o melhor caminho. Para estes, isto sim, é felicidade. Sem dispensar o ensinamento de amor à pátria, que veio daqueles duros anos. Entendendo, como também acreditou Gonzaguinha, que a felicidade não se constrói individualmente, mas, no convívio, formando círculos felizes, estendendo o amor à família, aos amigos, colegas, vizinhos, parceiros, sociedade, estado.
Gonzaguinha, ao continuar idealista, não encontraria a alegria de viver, principalmente, nos cenários atuais das grandes cidades, com seus problemas indissolúveis. Especialmente quando nos referimos aos itens acima: estado e sociedade. Um e outro são causas e efeitos. Vejamos: Da sociedade deteriorada saem os mal políticos, os viciados, os indivíduos violentos, os maus policiais, os cidadãos egoístas. Eles proliferam muito mais do que à época em que Gonzaguinha teve seu apogeu artístico. Naqueles anos, havia um temor quanto aos donos do poder, que mandavam acima do bem e do mal, e dos quais advinha a violência, através dos subalternos, bem mandados policiais e capachos. E só. Tínhamos muito mais segurança, respeito e amor ao próximo E nossa geração reagiu, acreditou em dias melhores. Mas veio depois a geração Belquior, com sua música constatando que “continuamos os mesmos, como nossos pais”.
Gonzaguinha morreu precocemente, quando poderia nos presentear ainda com tantas pérolas. Porém creio que se vivesse até hoje, estaria cansado, bradando com sua música “não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz”, entre várias outras que demonstrariam sua infelicidade. Insatisfeito até mesmo, com muitos seus companheiros da música popular brasileira, enturmados hoje na busca do poder e do dinheiro, tão somente. Ou será que ele também seria um capitalista, preocupado em cobrar de quem pretendesse escrever sua biografia...Hoje constata - se que, quem foi jovem naquela época de sonhos, apenas acreditou. Confiou em líderes e políticos, sonhando coletivamente com um mundo melhor. Alguém que teve sua juventude vigiada, mas “acreditava na rapaziada” como disse outra música do compositor.
Enfim, se o velho Gonzaguinha, fosse vivo, negaria a afirmativa de que é a vergonha que proíbe a felicidade. Mas é porque “não dar pra ser feliz, não dar pra ser feliz”, mesmo, outra música do mestre em alusão. Ele cantava um Brasil de muitos sonhos. Sonhos que não se concretizaram. Hoje o que ele talvez enfatizasse com muito vigor, seria aquela estrofe em que lamenta: “É triste ver meu homem guerreiro, menino, com a barra de seu tempo por sobre seus ombros”, da sua outra canção, “Um homem também chora”. Hoje os políticos se diferenciam muito da ideologia profetizada na época da Ditadura, com um agravante: a corrupção se alastrou e alcançou níveis alarmantes e a sociedade se deteriora.
E assim, novamente entra aqui aquela dualidade de causa e efeito. Desta vez é o Estado que influencia, decepciona a sociedade brasileira e seus componentes se digladiam, munidos pela crença de que “farinha pouca meu pirão primeiro”. Também os pais não oferecem exemplos dignificantes aos filhos, que seguem avançando, desiludidos, na crença de que não há salvação, se não utilizarem seus métodos “realistas” .
Não pretendia ir assim tão profundo. Porém há uma decepção, que não dar para ficar calada, que me força a esta comparação de passado e presente. Quem sabe não virá no Brasil futuro, novos Gonzaguinhas com razões para exprimirem canções com frases como :”Viver, e não ter motivos para ser infeliz, com os rumos do país”.