“Não faça aos outros, o que não gostaria que fizessem a você”.
Merece o maior dos destaques o texto “Agronegócio brasileiro invade Moçambique”, do Moçambicano Célio Panquene para o Canal Ibase, mestrando do Programa de Pós-graduação em Práticas em Desenvolvimento Sustentável (UFRRJ).
Seu texto suscita questionamentos pertinentes relacionados ao tema. Provocando curiosidade sobre a ideologia capitalista gananciosa mesclada no final do texto, a qual passaria batida ou despercebida por qualquer leitor mais apressado. Alfinetada final, a qual revela intenções obscuras que podem transformar Moçambique numa colônia do Brasil CAPITALISTA - não o Brasil evangélico-, durante os próximos cinqüenta anos. “Quem vai tomar conta da África? Chinês, europeu ou americano? O brasileiro, que tem conhecimento do cerrado”. Carlos Ernesto Augustin, presidente da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa). O entusiasmo pelas possibilidades de lucro fácil foi tão grande, que o presidente da Ampa sequer pesou suas palavras de afronta ao povo e país moçambicano.
Afinal, Moçambique é algum bebê descartado no cesto de lixo para alguém precisar tomar conta dele? Seria uma forma de “descobrimento” como Portugal fez com o território brasileiro em 1500, ao expulsar os índios de suas terras e se apossarem do pau-brasil, do ouro, minérios e todas as riquezas que encontrou pela frente? O Brasil estava perdido para alguém descobri-lo? Moçambique está doente para necessitar que um grupo de agricultores cuide dele?
Troca de conhecimento e tecnologia poderia ser bem vinda. Porém, é algo diferente do que se vê ou se pode ler nos textos sobre a “ajuda” de 40 brasileiros. Tempo tão extenso suscita a inevitável pergunta: Os moçambicanos são tão lentos no aprendizado que demorariam 50 anos para aprenderem a plantar soja, algodão e combater suas pragas como a ferrugem nas folhas ou pulgões nos caules, ou verificar os danos resultantes da monocultura? Plante-se apenas algodão e soja por cinquenta anos e todos morrerão de fome de verduras, legumes e frutas. Não é preciso esperar 50 anos para conferir isto.
O nordeste brasileiro já foi próspero. A monocultura da cana de açúcar o transformou na região mais árida e seca do país. Nosso nordeste de hoje pode servir de espelho para Moçambique conferir seu futuro.
Porque no Brasil o governo “doa” dinheiro? Porque os pequenos agricultores foram expulsos de suas terras, e os latifundiários não plantam frutas porque a colheita e armazenagem é mais complicada. Como consequência a população está perecendo de fome.
Na tentativa de solução o governo “doa” o “beneficio” chamado “bolsa família”. Mas ninguém está plantando frutas em quantidades suficientes para tanta gente, logo o preço das poucas frutas à disposição nos mercados dispara seu preço nas alturas. Logo, os 50 dólares do bolsa família não são suficientes para comprá-las.
Esta poderá ser a realidade de Moçambique daqui a 50 anos, - 50 não, daqui a 20 anos-. Após cinco décadas arrancando-se da terra todas as árvores frutíferas nativas sem plantarem-se novas espécies, objetivando deixar milhares de hectares livres para as máquinas passarem rapidamente, o país será vítima da fome e seca. Um pequeno bloco da pirâmide social estará rico e a esmagadora base da pirâmide populacional estará cada vez mais pobre, sem frutas e verduras sofrendo de inanição física e espiritual. Este é o alto preço pago pelo rápido desenvolvimento e mecanização desmedida.
ASSISTAM AO FILME: THE LORAX, dentro do tema e cheguem às próprias conclusões sobre os resultados do desmatamento ganancioso.
Alguns textos e sites de boa qualidade podem ser consultados para esclarecer o assunto:
1-“O arco de desflorestamento na Amazônia: da pecuária à soja” Artigo de Mariana Soares DominguesI; Célio BermannII FONTE: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2012000200002;
2- “Cana substitui produção de alimentos e causa desmatamento no centro-oeste” Artigo escrito por:
Carlos Orsi Do Jornal da Unicamp 2 de 12 de Outubro de 2013. FONTE/SITE:http://www.mst.org.br/node/15273
3-Fearnside, P.M. 2006. O cultivo da sojacomo ameaça para o meio ambientena Amazônia brasileira.pp. 281-324In: L.C. Forline, R.S.S. Murrieta andI.C.G. Vieira (eds.) Amazônia além dos 500 Anos
. Museu ParaenseEmílio Goeldi, Belém, Pará, Brasil.566pp
Dando sequencia à minha reflexão. A mecanização traz benefícios SE usada com parcimônia. Quando usada para devastar a totalidade das terras para matar a fome dos gananciosos, gera estress no solo, gera desemprego, pois, não há tempo hábil para que a população se adéque às novas formas de trabalho, e os especuladores se aproveitam do tempo de adaptação para se apropriarem dos ganhos exorbitantes enquanto o povo se reorganiza com a nova realidade. Não aprendam apenas como sugar mais o solo, aprendam também sobre a infertilidade que se instala após vinte anos de uso desenfreado das máquinas sem dar tempo ao solo para recuperar-se da excessiva produtividade. O descanso do solo é um princípio bíblico Levitico 25.11 e 12 "O quinquagésimo ano será jubileu; não semeiem e não ceifem o que cresce por si mesmo nem colham das vinhas não podadas. 12 É jubileu e será santo a vocês; comam apenas o que a terra produzir".
Aprender também sobre os efeitos desastrosos resultantes da escassez de árvores frutíferas que se instala como resultado da monocultura. Fontes de Rios e minas d’água se secam pelo desmatamento desenfreado. Como resultado das secas a vegetação nativa que floresce some e as abelhas não têm mais flores de onde retirarem o pólen para fabricarem o mel, logo o pouco mel que se consegue subirá de preço, e desaparecerá das mesas dos mais pobres, que não poderá pagar o alto preço por um kilo de mel, as crianças não conhecerão o que é um favo de mel, já que o produto some das lavouras e das mesas do agricultor.
As abelhas não fazem seu depósito de mel nos pés de soja. Elas são estrategistas só o colocam em lugares mais seguros, altos e fortes, como tronco das árvores. A vegetação nativa desaparece por causa dos agrotóxicos, as árvores não e as abelhas sabem disto. As árvores frutíferas somem, as abelhas e seu mel também. Abelhas não usam máquinas para fazerem mel.
Porque os brasileiros estão fugindo de um Brasil bem maior que Moçambique? Sem motivos não é. Faltariam terras por aqui? Óbvio que não. As terras estão perdendo sua capacidade produtiva. Ia me esquecendo e milhões de pessoas sem emprego já que uma máquina faz o trabalho de vinte homens.
As pessoas que saem do campo sem estudarem não sabem dirigir um caminhão ou ônibus de painel eletrônicos, não conseguem trabalhar com computadores de última geração, não falam vários idiomas para negociarem com chineses, alemães e europeus sem se confundirem, pois, não são fluentes no idioma estrangeiro.
O processo de globalização acelerou o processo do intercâmbio comercial em beneficio dos países do G8, no entanto o processo educacional, cultural, a troca dos saberes essenciais para tirarem os países emergentes do fosso continua engessado. Apenas a camada dominante do topo da pirâmide populacional adquiriu conhecimentos e saberes capazes de colocar as rédeas da população em suas mãos.
Transcrevendo trechos de PANQUENE,:
“Moçambique tem o 3º pior IDH do mundo. Foto: Camila Nobrega.
O governo e o setor privado brasileiros em parceria com o Japão estão executando um megaprojeto de
agronegócio (ProSavana) no norte de Moçambique, o qual vai ocupar 14,5 milhões de hectares de terra,
cerca de metade da terra agricultável do país africano, num contrato de 50 anos renováveis, ao preço de
nove euros anuais por hectare. As empresas brasileiras do agronegócio irão produzir “commodities” que
serão exportadas para o Japão”. (Vão exportar commodities ou algodão e soja em grãos?).
“O continente é interessante não só pelas terras férteis, mas principalmente pela sua situação de fragilidade política e
vulnerabilidade decorrente da extrema pobreza. É o caso de Moçambique, país com o terceiro pior IDH do mundo no
último relatório das Nações Unidas, 70% da população vive em situação de pobreza e 80% vive em zonas rurais”.
É inaceitável a prática de se usar palavras incompreensíveis à maioria das pessoas campesinas quando o assunto é de interesse de todos os que tem imensas dificuldades em transitar nos meandros e
linguagem comercial capitalista. Porque razão não se coloca o termo “commodities” trocado em “moeda corrente” na linguagem campesina? Para que o povo não entenda a tempo de tomarem uma
postura que impeça a festança no “arraial” (coisas do campo).
Poderia haver-se traduzido numa linguagem bem coloquial ou mesmo “caipirona” (Moçambique receberá alguns meticais por suas terras férteis. Os brasileiros-apenas os convidados para a festança-
administrarão e exportarão para os vizinhos americanos, japoneses, e europeus, todos os grãos resultantes da plantação feita pela mão de obra barata dos moçambicanos que se tornarem empregados dos
brasileiros. Os moçambicanos tornar-se-hão empregados dos estrangeiros e se sobrar algum alimento, então terão o que comer)”. Obviamente, não o suficiente para toda a população. Claramente notório nas revelações da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa), Carlos Ernesto Augustin, em entrevista à Folha de S. Paulo.
Dentro do mesmo tema, encontra-se na Internet o vídeo numa reportagem da TV Record, narrado por Heródoto Barbeiro e a repórter Adriana Bittar, descrevendo parte deste prosavana, com cenas da
mecanização. http://www.youtube.com/watch?v=eogF_lr5myA
Adriana afirma: “O governo moçambicano quer aprender com a experiência dos brasileiros”. Querer aprender é algo muito positivo. Porém, deve se aprender nas diversas vertentes, não
apenas na direção que convém a um grupo específico interessado na lucratividade, deve verificar-se os prós e contras de todo o processo. Quais resultados irreversíveis serão colhidos daqui a cinqüenta anos?
Para se refletir:
Porque nada foi dito ou ensinado sobre a produção de verduras e hortaliças necessárias à mesa de todos, que podem ser produzidos em hortas hidropônicas para aumentar a produção de verduras e legumes sem contato com terra, sem agrotóxicos e economia de espaço?
Porque os futuros exportadores de agrotóxico não estão interessado no povo moçambicano e sim na exportação de seus produtos daninhos à saúde da população.
Horta Hidropônica não consome agrotóxico, daí não ser interessante. A horta hidropônica consiste na “plantação” das verduras em caninhos com água corrente. Um canteiro de verduras suspenso como se estivesse sobre uma mesa debaixo de grande lona plástica para evitarem-se as intempéries das chuvas e ventos. Isto também dá muito dinheiro. Só não serve para exportação. Mas alimenta o povo.
Porque não se ventilou a possibilidade de se ensinar aos moçambicanos a plantarem cebolinhas, manjericão, temperos e chás em HORTAS VERTICIAS?
A horta vertical consiste em aproveitarem-se muros ou lugares íngremes para neles colocarem centenas de vasos enfileirados e neles plantar-se pequenas plantas como chás, cebolinhas de cheiro, temperos, e plantas ornamentais, mudas para serem replantadas em grandes quantidades. Sistema conhecido pelos japoneses e nisseis que vivem no Brasil e não divulgado pelos que trabalham na sua maioria com verduras e legumes, todos com bom equilíbrio financeiro por vender tais produtos nas feiras livres.
Quase não existe um asiático pobre no Brasil. No entanto há milhões de brasileiros paupérrimos. Qual a razão de tal situação? Este será o raio X de Moçambique daqui a uma ou duas décadas.
Haveria realmente a necessidade de 40 agricultores irem plantar em Moçambique e real necessidade da concessão de terras por 50 anos?
Os agricultores moçambicanos precisam de cinqüenta anos para aprenderem a colocar grãos no solo e esperar que os mesmos nasçam, cresçam e produzam para serem colhidos?
Ou haveria a “necessidade” de 50 anos para se venderem muitas máquinas colheitadeiras, e 50 anos é um bom espaço de tempo para alguns se enriquecerem com tais vendas?
Os agricultores moçambicanos não conseguem aprender em dois anos de estudos e trocas de informações sobre o combate às pragas daninhas do soja e algodão?
Os agricultores brasileiros poderiam repassar com um preço estipulado, -já que conhecimento é dinheiro - estudos sobre os perigos dos agrotóxicos que contaminam a terra e a plantação, e sobre técnicas de armazenamento dos grãos em grandes cilos. Daí a precisar de 50 anos para tal repasse, é absurdo.
Poderiam vender seu conhecimento sobre os riscos de se devastar milhares de hectares com tratores eliminando todas as árvores responsáveis pelo combate à erosão, uma vez que apenas fazer plantação em curva de nível não elimina totalmente os problemas da erosão, apenas o abranda. Sem contar que haveria a necessidade de se plantarem árvores frutíferas para o verdadeiro combate à fome, e não apenas plantarem-se eucaliptos como geralmente o fazem no Brasil visando a comercialização de sua madeira, uma vez que ninguém come folhas de eucaliptos.
Aliás, no Brasil, tudo vira comércio, tudo se vende, até a moral de muitos já virou produto vendável, infelizmente. A monocultura leva o país a escassez de laranjas, abacates, cana de açúcar, leguminosas, ervas medicinais e ervas para chás.
A produção de soja é uma mina de ouro para enriquecer o bolso de quem souber trabalhar com ela.
Também é fonte de rica alimentação humana, todos que visitam o site da EMBRAPA sabem disto. A extração do leite de soja através das vacas mecânicas -desenvolvidas pelo engenheiro Herminio Moretti da UNICAMP-em substituição ao leite de vacas é uma realidade
promissora para abastecer a mesa do ser humano e a melhor forma de combate à fome e inanição das crianças.
O aproveitamento dos resíduos da farinha de soja, farinha de banana, na confecção de tortas, bolos, e derivados é uma opção enriquecedora na alimentação através das proteínas da soja, largamente utilizados na alimentação de idosos e em alguns hospitais brasileiros para combater a anemia, e vitamínicas. As crianças moçambicanas precisam disto em sua alimentação antes de ser exportado.
Porque exportar aquilo que ainda é extremamente necessário ao país moçambicano?
Porque colocar estrangeiros para administrar os recursos naturais de terras moçambicanas?
Os nativos africanos não podem aprender a fazer suas terras produzirem sem se tornarem “empregados” de mão de obra barata? Se bem me recordo já vi alguns noticiários sobre algo idêntico no Harare.
Nada conheço sobre Harare ou Zimbabue, mas, já li e ouvi em reportagens sobre fazendeiros brancos nas terras do negro, correlacionei como algo semelhante. Creio, valeria algum estudo sobre a presença dos fazendeiros brancos em terras zimbuanas, o que ajudaria a entender melhor o que poderá ocorrer mudando para fazendeiros brasileiros em terras moçambicanas, caso esse mega projeto venha a consolidar-se no formato ainda meio nebuloso como tem sido divulgado pela mídia.
No Brasil há um aforismo que talvez possa ser resgatado numa analogia interessante: “Em briga de marido e mulher, ninguém sábio, meterá a colher”. Acredito que em agronegócio entre americanos, japoneses, europeus e campesinos moçambicanos descamisados, ninguém de fora do país poderia meter suas opiniões, para não arranhar o lustro. Já emiti meu parecer, muito embora não solicitado, portanto, saio de cena, e os envolvidos que se entendam, afinal daqui a cinqüenta anos não estarei aqui para ouvir as lamúrias dos descamisados moçambicanos a trabalharem como empregados pobres dos brasileiros ricos em terras moçambicanas.
Aprender a tecnologia, compartilhar estudos sobre os estragos e prejuízos oriundos da utilização da mecanização excessiva e o abuso de agrotóxicos é uma coisa séria e necessária. Outra coisa é entregar aos estranhos/estrangeiros suas fontes de rendas e alimentação natural.
Ainda não se passaram cinqüenta anos, ainda é possível a aprender a plantar a soja, aprender a combater a ferrugem das folhas, extraírem o leite de soja para bem nutrir os miúdos africanos e combater as “ervas daninhas” os invasores das terras para os quais agrotóxicos não resolve. Kanimambo.