O jogo da direita

O Britto de saia e o Collor de Pelotas

Uma professora de Pensamento Político Brasileiro lá da Unisinos, lá na década de 1990, trabalhou com a gente, dentre outros, um livro chamado O Jogo da Direita, de René Dreifuss, cientista político uruguaio radicado no Brasil, falecido há 10 anos. O objetivo da professora era nos ensinar a perceber, analisando a mídia impressa, a forma pela qual os partidos políticos de direita, ligados ao capital, articulam as candidaturas políticas de seu interesse, eis que o livro de Dreifuss faz justamente essa análise. Lembrei das aulas dela por esses dias...

É interessante ver como a direita, ligada a setores empresariais e a grande mídia, constroem paulatinamente suas candidaturas no Rio Grande do Sul. Tomemos o caso da senadora Ana Amélia Lemos e do prefeito de Pelotas Eduardo Leite, por exemplo.

Ana Amélia é um caso clássico, diria. A nova expressão do mesmo fenômeno que levou outro ex-empregado da RBS, o jornalista Antônio Britto, ao Palácio Piratini. Ana Amélia, é bastante provável, vai apear o governo Tarso do poder devido a esse, por sua vez, estar enredado em suas contradições quanto ao pagamento do piso do magistério estadual e quanto ao combate vacilante ao vandalismo político de alguns segmentos sectários da extrema esquerda. Lemos é a opção 2014 da direita.

O caso do jovem e belo prefeito de Pelotas remete a um tempo mais remoto: ao do ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello. Se o “conteúdo” político de Eduardo Leite é diferente do de Collor (não quero aqui estigmatizar o rapaz), até por se tratar de outro momento histórico, a “forma” é a mesma: a exaltação do “novo” corporificado num homem jovem e bonito. Figura fácil no jornal Zero Hora, principalmente na Página 10 da jornalista Rosane de Oliveira.

Corporificação que chegou a ser literal no “episódio” da foto do mancebo em casa, sem camisa, sentado, estudanto e tomando um chimarrão: explodiu nas redes sociais, para delírio da mulherada, e foi devidamente repercutido na grande imprensa. Já vimos esse “jogo” antes, só que associado ao Caçador de Marajás de Alagoas. E reparem nos elementos da dita foto: homem jovem, boa aparência, tórax definido, estudo e chimarrão. Juventude, estética, ética e tradição, compondo um “novo-velho” mito. Leite é a opção 2018 ou 2022.

Por outro lado, à esquerda do PT não vejo viabilidade de surgir uma liderança alternativa. Primeiro, porque a grande mídia não vai criar urubu para furar seus olhos; segundo, não creio que a maior parte da população abraçará um projeto que a imprensa cola simbolicamente ao vandalismo. Essa juventude revolucionária, assim, já se cria rotulada pejorativamente de transviada por sectária, intolerante e violenta em seu modo de fazer política.

Claro, nesse caso o “todo” é tomado pela “parte”, mas, de qualquer jeito, essa redução é operada pela máquina ideológica e significante da grande mídia, a mistificar negativamente a natureza essencial da esquerda não alinhada ao PT. O que vale, nesses casos, não é o fato, mas a versão hegemônica dos mesmos. Quem pode mais, chora menos, faz a agenda, constrói significados na opinião pública e se credencia na disputa pelo poder.

“O jogo da direita é um livro singular na produção de Dreifuss, porque baseado exclusivamente em material de imprensa, sem incluir nenhum documento inédito nem dados colhidos em entrevistas pessoais. Assim, acompanhou as manobras preparatórias de tais forças para atuar na Constituinte, examinando em seguida o resultado das batalhas parlamentares em que se envolveram, para concluir com uma apreciação da campanha presidencial de 1989” - Otavio Dulci, sociólogo e cientista político.

“Cada povo tem o novo que merece / E o Menudo vem com tudo e com razão” – Nei Lisboa, cantor e compositor gaúcho.



Texto publicado na seção de Opinião do Jornal Portal de Notícias.