VIOLÊNCIAS PATOLÓGICAS

Certas violências que estão ocorrendo pelo Brasil a fora não são mais normais. Têm características patológicas. É característico dos organismos mostrarem suas patologias através de sintomas. Neste sentido, sem dúvida, as inúmeras violências que presenciamos são sintomas patológicos de nossa organização social. Por isto, a primeira medida para enfrentar estas violências é identificar as causas destas patologias.

Um aprofundamento da questão revela, imediatamente, que uma parcela da violência humana é sistêmica, e outra, ontológica. A sistêmica provém de uma deficiente organização social, com aspectos de tirania, corrupção, perversão, injustiças, preconceitos e intolerâncias. Em tal sociedade vigora a lei da selva do mundo irracional. O ser humano, porém, para se dignificar, terá que fazer valer a racionalidade em seus relacionamentos.

Na sociedade humana, colocar como base a lei do mais forte, a concorrência desenfreada, a exploração do homem pelo homem, resultará numa matilha de lobos, onde o homem será “um lobo para o próprio homem”, sempre na espreita para aniquilar seu semelhante.

Tal situação gerará as mais diversas violências, como: guerras, penas de morte, homicídios, atentados, sequestros, torturas, assaltos... É verdade, a violência sistêmica brota de uma potencialidade ontológica do ser humano. O ser humano, por sua própria natureza, possui inclinações para a violência, quando ofendido em sua dignidade. Jamais o mundo acabará com as violências, pois jamais terá sistemas perfeitos de convivência social. No entanto, os níveis de violência poderão ser substancialmente reduzidos através de um processo civilizatório, que previne as causas que produzem patologias sistêmicas na organização social.

O homem, ser imperfeito, tem em si a razão do bem e do mal, da bondade e da perversidade. Dependerá de seu encaminhamento existencial o lado para o qual penderá.

Para a superação da violência há, portanto, dois níveis a serem considerados: a sociedade e o indivíduo. O indivíduo é passível de ser solicitado para o mal, a perversão, a corrupção, a violência... pelo sistema, ou pelos indivíduos com os quais convive. Muitas vezes a violência é, simplesmente, uma reação frente a uma frustração existencial.

É necessário se perguntar: perante a complexidade do problema, como enfrentar os absurdos da violência a que chegamos? Fazer mutirões contra a violência? aumentando o aparato repressivo? Introduzir a pena de morte? construindo campos de concentração? Amedrontando com torturas, ou métodos semelhantes? Nada disto resolverá. Tais propostas, inclusive, demonstram ingenuidade e falta de racionalidade.

Para diminuir a violência, o primeiro passo será enfrentar as patologias e as contradições sistêmicas. Para muitos isto parece penoso, mas o momento brasileiro exige “cirurgias”. A bem da verdade, nunca houve no Brasil ânimo para criar uma sociedade ética, uma verdadeira pátria, onde todos os cidadãos se pudessem sentir em casa. As elites se orgulham em afirmar que não são povo. Nada sentem quando um concidadão vive e morre como cachorro na miséria, ou é analfabeto, marcado por doenças, explorado, vilmente pago por seu trabalho. Não se pratica apenas violência com o punho, com a arma, mas também com a língua, as mentiras, e o coração.

Há muita conversa fiada por aí, quando se fala de violência, e de superação da violência. Concordo que a impunidade estimula a violência, que a segurança é deficiente. Mas, maior policiamento, mais cadeias será solução? De forma nenhuma.

Enquanto não houver educação humanizadora e de qualidade para todas as crianças (e adultos!), trabalho para ganhar honestamente a vida, salários justos, terra para quem a trabalha, fortificação das estruturas familiares, desfavelização do país, erradicação da vadiagem (também nas elites!), a eliminação da miséria, as múltiplas patologias sociais serão fortes incentivos para o agravamento da violência na sociedade.

Que racionalidade existe quando se pretende acabar com a violência, e, ao mesmo tempo, se dá incentivos para fábricas de armamentos? Quando se estimula o consumo de bebidas alcoólicas na publicidade? Quando os “enlatados” de filmes glorificam a violência? Quando pouco se faz contra os irresponsáveis no trânsito?

Parece até uma farsa querer combater a violência, quando o sistema não procura induzir o cidadão, com todos os meios disponíveis, a uma existência com dignidade, honestidade, verdade e respeito a si mesmo, e para com seus semelhantes.

Empenhar-se no combate contra a violência não é apenas reprimi-la, mas principalmente engajar-se para superar as patologias sociais e individuais que a causam.

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Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife