A Nossa Democracia e a Deles
quarta-feira, 3 de julho de 2013
A Nossa Democracia e a Deles
O recente arquivamento do projeto conhecido como "cura gay" foi cem vezes mais importante para os oprimidos e os movimentos sociais do que qualquer reforma política. No dia 11 de julho, a greve geral convocada pelas centrais sindicais exigirá nas ruas com greves, atos, marchas e paralisações em diversas categorias de trabalhadores as pautas que motivaram os primeiros protestos e aquelas que são próprias da classe trabalhadora: redução das tarifas dos transportes e passe livre, redução da jornada de trabalho, fim dos leilões das reservas de petróleo, reforma agrária, fim do fator previdenciário e 10% do PIB para a educação pública. A democracia dos trabalhadores não é meramente formal, não é só uma democracia política, é uma democracia social. Os direitos sociais são tão importantes quanto os direitos civis e políticos na concepção de democracia da classe trabalhadora. E foi por direitos sociais, principalmente, que a população foi às ruas. O povo brasileiro foi às ruas aos milhares, centenas de milhares, mais de um milhão de brasileiros foram às ruas para exigir dos governos e dos parlamentos mais verbas e qualidade para os serviços públicos, mais dinheiro para a saúde, a educação e o transporte público. Para os trabalhadores, o lema da nação não deve ser "Ordem e Progresso", como foi inscrito em nossa bandeira nos primeiros tempos de nossa República, tempos autoritários por sinal, hegemonizados por militares, oligarcas e positivistas. A nação que a classe trabalhadora e a juventude querem construir é a do bem-estar social. É a nação do direito à felicidade, à liberdade, à igualdade e à justiça. Esse recado das ruas a presidente Dilma parece não ter escutado muito bem. Ter proposto um plebiscito de reforma política ao mesmo tempo em que prossegue com a privatização dos portos e tenta dissuadir os líderes sindicais a não realizarem uma greve geral no dia 11 de julho, numa total incompreensão da conjuntura atual e da dinâmica da luta de classes, apostando na normalidade e na estabilidade dos acordos por cima, ao invés de apostar, como devia ter feito antes, ela e o Lula, na mobilização com os de baixo, são evidências disso. É verdade que a oposição de direita também não pode se vangloriar da situação e é muito cinismo dos políticos do PSDB, do DEM e do PPS tentar surfar a onda de protestos como se eles tivessem sido apenas contra o governo federal, quando, na verdade, dirigiram-se contra todos os partidos no poder e tendo como um dos alvos principais o próprio PSDB na figura do governador de São Paulo, principal base política dos tucanos, Geraldo Alckmin. A política fascista de Alckmin foi rechaçada pelo o que vem sendo chamado de voz das ruas. Outro político fascista que foi rechaçado pela população foi Sérgio Cabral Filho, do PMDB. O governador do estado do Rio teve uma perda enorme de popularidade e dificilmente conseguirá eleger o seu sucessor, o obscuro Pezão. O seu afilhado político, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também amargou a rejeição popular. A voz das ruas é a voz da democracia, mas, é claro, ela não é única. Várias vozes ecoaram nos protestos e a divisão de classes existente na sociedade civil brasileira se manifestou de forma dramática nas manifestações do dia 20 de junho. Tanto é assim que depois desse dia os atos se dividiram entre os atos da direita reacionária e nazifascista apoiada pela grande mídia, em especial a Rede Globo, e pela oposição de direita, dos vários manifestantes de roupas pretas ou brancas, com bandeiras do Brasil e máscaras do V de Vingança, e os atos da esquerda, dos movimentos sociais, que contam com a participação do MPL, da CSP-CONLUTAS, da CUT, da CTB, da Força Sindical, do PSTU, do PSOL, do PCB, do PCO, do PT, do PSB, do PCdoB, do PDT, da UJS, da ANEL, da UNE, do ANDES, com várias bandeiras vermelhas, bandeiras coloridas do movimento LGBT, um arco-íris em marcha, atos democráticos e marcados pela diversidade política e pela luta por mais direitos sociais, que também contam com pessoas com máscaras do V de Vingança, com a participação de grupos anarquistas e de vários outros grupos de esquerda e progressistas, da OAB e de várias importantes entidades da sociedade civil em defesa da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. Até o presente momento, os atos da esquerda tem crescido e tem sido pacíficos, enquanto os atos da direita tem sido marcados por confusões e tem se esvaziado progressivamente. A greve geral do dia 11 de julho é fundamental para consolidar esse processo.
No entanto, o plebiscito sobre a reforma política é um processo político real e vai acontecer; marcar posição contra é completamente inútil. A presidente Dilma enviou a proposta do governo para o Congresso Nacional com cinco pontos de reforma do sistema eleitoral. O PT irá priorizar as questões acerca do financiamento de campanhas, defendendo o financiamento público exclusivo, e o sistema de voto, no caso do PT a defesa do voto proporcional em lista fechada. A direita, mesmo discursando contra o plebiscito, já tem se movimentado no sentido de influenciar esse processo político apresentando as suas propostas. Algumas delas são o fim da reeleição para os cargos do Executivo e a substituição do sistema de governo, abandonando o sistema presidencialista e adotando o sistema parlamentarista de governo. Todas essas são questões a se considerar e que devem ser debatidas, mas sem uma interferência da oposição de esquerda e dos movimentos sociais independentes no processo pode se dar um retrocesso político brutal. Por exemplo, a proposta de sistema de governo parlamentarista é ruim? Não, não é. Países como Grécia e Islândia são repúblicas parlamentaristas. Sempre temos como modelo de democracia os Estados Unidos, mas nunca os EUA foram tão totalitários (basta ver as recentes denúncias de monitoramento em massa de cidadãos do mundo todo por um ex-agente da CIA). Na verdade, se quisermos nos aproximar de uma democracia mais participativa e mais direta, a Suíça seria um modelo muito melhor e de fato é o modelo atual no qual devemos nos espelhar. Na tradição socialista existe a Comuna de Paris de 1871 e a revogabilidade de mandatos é algo que pode ser tranquilamente reivindicado para ser implementado no Brasil de hoje a partir dessa reforma política. A Islândia é o maior exemplo atual de revolução política democrática com uma Constituinte elaborada com a participação de todos os cidadãos através da internet. A Grécia foi marcada recentemente por uma ascensão da esquerda radical no Parlamento. Somente num regime parlamentarista as esquerdas podem realmente ser uma força majoritária no governo e governar sem acordos com a direita, mas, para isso, é preciso que o voto deixe de ser obrigatório. O voto obrigatório é o voto da massa despolitizada e que vota de qualquer maneira e em qualquer um. O voto facultativo é o voto politizado, ideológico (à esquerda e à direita). O voto obrigatório tende a favorecer as tendências de centro e os partidos no poder, além dos políticos e partidos fisiológicos. O voto facultativo favorece os partidos mais radicais e que contam com uma militância ativa. A oposição de esquerda, por exemplo, só pode lucrar com o estabelecimento do voto facultativo. Por isso que ele não é mencionado na proposta de Dilma ao Congresso e nem nas propostas de partidos de direita como o PMDB e o PSDB. Desse modo, é tarefa daqueles que defendem uma democracia social e ao mesmo tempo participativa e semidireta lutar por incluir no plebiscito as seguintes propostas: 1 - revogação dos mandatos de parlamentares e chefes do Executivo diretamente pelo povo, por meio de abaixo-assinado ou plebiscito; 2 - fim do voto obrigatório e estabelecimento do voto facultativo; 3 - exigência de referendo para todas as emendas constitucionais votadas pelo Congresso; 4 - instituir o Orçamento Participativo para 100% do orçamento dos estados e municípios; isto é, ampliar os mecanismos de democracia direta e fundar uma verdadeira democracia participativa que permita ao povo trabalhador controlar a política do país. Condicionados à aprovação dessas propostas o fim da reeleição e o estabelecimento do parlamentarismo são propostas progressivas. No sistema atual, com voto obrigatório e sem democracia participativa, o parlamentarismo só serviria para garantir o governo da direita para sempre, mesmo que se eleja um presidente de esquerda ou de centro-esquerda. Acrescentando os temas relativos ao voto facultativo, o orçamento participativo, a revogação de mandatos e o referendo para as emendas constitucionais, mesmo as propostas da oposição de direita tornam-se aceitáveis. O mesmo não se aplica ao sistema de voto. A defesa da oposição de direita do voto distrital é um verdadeiro ataque à democracia. É a consolidação do sistema dos grandes partidos da ordem e dos políticos profissionais tradicionais, sistema esse que foi criticado e combatido pelas pessoas nas ruas, sistema que gerou a atual crise institucional. A intenção não é acabar com os partidos de aluguel que servem a esses grandes partidos. A intenção é destruir os pequenos partidos de esquerda ideológicos que lutam nas ruas e nas urnas contra o capitalismo. Nesse caso, a proposta do PT de voto proporcional com lista fechada (os partidos de esquerda atuam enquanto organizações e não com figuras carismáticas, salvo exceções) é progressiva. É uma experiência que vale a pena ser feita. E é a proposta que mais está de acordo com o financiamento público exclusivo de campanhas, não dispersando o dinheiro público em várias candidaturas, mas concentrando montantes menores nas mãos dos partidos, sendo menos oneroso para os cofres públicos. Isso inviabilizaria as candidaturas avulsas. De qualquer modo, candidaturas avulsas não tem muita chance, a não ser em sistemas de financiamento privado de campanhas em que pessoas ricas resolvem concorrer, como nos Estados Unidos. Talvez a candidatura avulsa seja possível e até mesmo desejável em âmbito municipal, especificamente para os cargos de vereadores. Mas essa questão pode ser resolvida num momento posterior ao plebiscito por meio de uma PEC que englobe temas não contemplados no plebiscito e que o complementem, completando assim a reforma política.
Aqueles que lutam não podem se abster de nenhum processo político; não devem ficar à margem. Colocar-se contra uma realidade simplesmente não altera essa realidade. É preciso lutar em qualquer terreno, no seu e no do inimigo, e nas condições em que a luta se apresentar, sem desculpas. O dia 11 de julho deve priorizar uma concepção de democracia social e a exigência de mais direitos sociais e forçar os governos a se movimentarem no sentido de atender a essas reivindicações, aproveitando o momento em que a crise política favorece a classe trabalhadora e a juventude. O exemplo da juventude de ir para a rua e lutar mobilizou toda a sociedade brasileira. A movimentação da direita no Estado e na sociedade civil disseminou a confusão, mudou o foco e intensificou a repressão aos movimentos sociais. A entrada em cena da classe trabalhadora fez com que a correlação de forças voltasse a ficar favorável para a esquerda e para os explorados e os oprimidos e afastou o perigo de um golpe fascista por parte da direita mais reacionária, assim como conteve a repressão desenfreada do Estado bonapartista brasileiro, cada vez mais bonapartista e menos democrático, marcadamente autoritário, não só por conta dos resquícios da ditadura varguista e da ditadura militar ou dos séculos de escravidão, como também pela sua evolução recente, com a constituição de uma política de segurança pública que transforma as forças policiais em verdadeiras máquinas de guerra contra a população civil e as forças militares, as forças armadas, em forças policiais a serviço da repressão sistemática de pobres e ativistas cidadãos brasileiros. Isto nos permite afirmar que importantes estados do país e que concentram a maior parte do PIB nacional, como Rio de Janeiro e São Paulo, viraram verdadeiros Estados policiais, enquanto a nossa democracia, mais do que indireta ou imperfeita e incompleta, assume traços cada vez mais bonapartistas e tudo em nome da governabilidade em nome do capital. Agora, é aprofundar e radicalizar essa tendência rumo ao progresso social contra o progresso econômico autoritário e desumano dos últimos anos, evidenciado nas remoções de famílias pobres pelo Estado. Assim, não basta apenas lutar nas ruas. Travar a luta no terreno político é fundamental. Encarando o fato concreto de que o plebiscito é uma realidade, a pauta dos trabalhadores e dos jovens que lutam deve entrar nessa consulta popular. Caso contrário, serão as propostas da direita e da burocracia que passarão. E todo o clamor das ruas terá servido unicamente para consolidar não uma democracia mais ampla, mas um Estado ainda mais burocratizado e governos ainda mais autoritários. O plebiscito pode significar a vitória do fascismo ou da democracia direta, assim como o 11 de julho pode significar a vitória dos setores organizados da sociedade e dos movimentos sociais ou dos governos dos patrões. A única alternativa possível é entrar de corpo e alma nessas batalhas e não vacilar nenhum momento, seja com que discurso for, mais radical ou mais moderado, mais de esquerda ou mais de direita, mas de conteúdo que deixe para a burguesia o caminho livre para dirigir esse processo no sentido da estabilidade dentro do modelo econômico neoliberal. Na greve geral e no plebiscito a luta é por democracia direta e direitos sociais.
Rafael Rossi