BUSCANDO A “QUEDA DAS BASTILHAS” BRASILEIRAS
Já os antigos romanos diziam: “não somos bárbaros (criminosos), pois nos regemos por leis”. As leis são as características de sociedades organizadas. E, quando estas leis são justas e iguais para todos os que compõem esta sociedade, podemos falar em sociedade civilizada. Neste estágio civilizatório ampliam-se as preocupações com uma convivência humanizada, que desemboca em governos democráticos, cujo objetivo deve ser a promoção da cidadania de todos os habitantes do país.
Para se chegar a esta compreensão democrática na civilização ocidental, foi necessário derrubar os reis absolutistas dos regimes feudais, que se fundamentavam em ideologias de “sangue azul”, de privilégios dos ditos “nobres”, de raças superiores, com distinção entre homens portadores de “sangue bom” e “sangue ruim” por nascimento.
O marco histórico de ruptura com regimes de opressão, dominação e discriminação entre os homens foi a “Queda da Bastilha”, na França, em 14 de julho de 1789. O significado, um tanto mítico, da tomada da fortaleza e da prisão da Bastilha, é de “liberdade, igualdade e fraternidade”. É claro, que isto não se implantou de imediato, e nem até hoje, mesmo no país (França!), que desencadeou este ideal para a humanidade. Mas é um farol dinâmico à base de todas as lutas e reivindicações políticas dos cidadãos do mundo. Liberdade, igualdade e fraternidade para todos nos limites das leis e constituições dos países, que se conduzem por princípios civilizatórios democráticos.
Mas, como o Brasil se comporta frente a estes princípios civilizatórios, propostos pela Revolução Francesa, nos horizontes da Filosofia Iluminista?
Evidentemente, não é possível, numa curta reflexão, abordar todos os aspectos de convivência cidadã a partir do ideal humanista e iluminista. O Iluminismo é uma filosofia, ou, se quiserem, uma ideologia fundamentalmente otimista em relação ao ser humano: o ser humano por natureza tende ao bem. Os seres humanos nascem iguais em dignidade, com inúmeras potencialidades. Mas, não nascem prontos. As circunstâncias e as oportunidades, que forem oferecidas ao indivíduo, levarão este sujeito a desenvolver suas potencialidades, e a construir sua vida. Dali a importância das situações em que o ser humano estiver situado, desde o nascimento: circunstâncias econômicas e culturais. Destas circunstâncias dependerá, em sua maior parte, se sua vida se orientará de acordo com o bem; ou se sua vida se conduzirá pelos caminhos perversos do mal.
As circunstâncias econômicas abrangem a habitação, a alimentação, o cuidado com a saúde, o sistema de trabalho; as circunstâncias culturais se referem, em primeiro lugar, à educação. Uma educação intelectual e pragmática: profissional, científica, artística, higiênica e solidária.
Frente a estas considerações, qualquer um poderá constatar que, no Brasil, ainda estamos longe de assimilarmos os princípios fundamentais do humanismo e do Iluminismo. Ainda precisamos da “Queda de nossas Bastilhas”. Nosso sistema educacional é considerado o penúltimo no ranking de muitos países; um sistema de saúde, que poderia funcionar, se houvesse vontade e inteligência política; falta de saneamento; a maioria da população brasileira vive em condições subumanas; milhões de favelados; a aplicação da justiça é um descalabro; a maioria de nossas prisões são calabouços, sob certos aspectos, mais desumanas do que os antros e os calabouços da Antiguidade e do Período Medieval; os salários, de grande parte dos trabalhadores, são aviltantes; torna-se aviltante, para muitos cidadãos, constatar que notórios políticos corruptos presidem importantes Comissões do Senado e do Congresso Nacional; uma legislação criminalística caduca e ineficiente orienta os juízes em suas decisões; uma justiça, muitas vezes, pura injustiça (exemplo: certas reintegrações de posse!); etc... e etc...
A minha pergunta, que permanece, é: como provocar “pacificamente” a “Queda de nossas Bastilhas”?
Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife - PE.